Já se apontou muitas vezes. As reformas
no ensino têm sido, desde o início da terceira República, através do
alargamento da indisciplina e a permissividade de um ensino a que se retirou
seriedade, para além da sobrecarga burocrática em questões de lana caprina, que
exigem o artifício do bla bla bla de aparência pedagógica de importância
superior, ao que parece, às das matérias programáticas, fazendo que escasseie o
tempo aos professores para a preparação das suas aulas, de que a indisciplina
discente, alimentada superiormente, torna, aliás, inútil a ambição de as
desenvolver com decência, tudo isso que culminou com a greve dos professores de
uma dimensão nunca vista, em protestos reivindicativos de respeito, também,
pelos seus direitos escamoteados se não desprezados. É o assunto de mais uma
crónica já antiga, do Público – de ANA SÁ LOPES, como o foi de uma excelente
entrevista há dois dias de TÂNIA RIBAS a uma professora e a uma auxiliar da educação,
que expuseram sobre os governos e esse desrespeito pelos vários direitos dos professores
bastamente apontados, em vários níveis, entre os quais os seus vencimentos
miseráveis e o desprezo pela sua função.
CRÓNICA
Professores esgotados, um povo esgotado
Temos uma sociedade organizada entre
nobreza e povo. E, se ao povo se pede tudo, à nobreza tolera-se evidentemente
tudo e um par de botas.
OBSERVADOR, 15 de
Janeiro de 2023, 0:00
As imagens da manifestação
deste sábado dos professores lembram perigosamente – para o Governo e para a
sociedade em geral – as imagens da manifestação de 2008, quando era ministra da
Educação Maria de Lurdes Rodrigues. A disparidade dos números avançados pela polícia e
pelo sindicato é enorme. Mas, simbolicamente, esta manifestação, com
muito menor enquadramento sindical do que a anterior, simboliza o esgotamento
de uma classe inteirinha que Maria de Lurdes Rodrigues se esforçou por
destruir, afogando-a em burocracias, e os governos seguintes nunca encontraram
qualquer solução de fundo. Ouvir
António Costa, primeiro-ministro há sete anos, vir dizer que a precariedade
entre a classe docente é “inaceitável” rasa o absurdo. Se é “inaceitável”, o que é que o seu Governo fez
para mudar o estado das coisas? Assim, de repente, não se está a ver nada de
estrutural – e esta seria uma boa “reforma estrutural”, essas duas
palavrinhas mágicas para um grande número de pessoas.
A
questão é que o Governo, ao repetir o mantra da “geração mais qualificada de
sempre”, esquece que quem está a contribuir para esse dado estatístico é
tratado abaixo de cão pelo Estado. Peço desculpa: é mesmo abaixo de cão.
Basta ler a reportagem
publicada este sábado no PÚBLICO para ficar com uma ideia.
O
problema ou não problema da municipalização
dos concursos de professores
é apenas a gota de água, um disparar da pressão numa panela que está ao lume há
um monte de anos. O Estado social – saúde
e educação tendencialmente gratuitos
– está a esboroar-se sob os auspícios de um governo socialista que até há um
ano contou com os bons ofícios do Bloco de Esquerda e do PCP. Este colapso não
favorece, de todo, a esquerda.
Convencido
de que tudo o que se passou do Natal até agora pode outra vez ser arrumado
naquilo que são, para António Costa, os “casos e casinhos” da “bolha
mediática”, o secretário-geral do PS, na comissão nacional deste sábado, quase que
ia ignorando a crise em que os socialistas se encontram desde que perceberam a
reacção popular ao facto de a ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis
ter saído da TAP com uma indemnização de 500 mil euros – e daí transitando para
a NAV e de lá para o ministério de Fernando Medina. Ficou só uma frasezinha,
mesmo no fim do discurso: “Da
escolha de presidente de junta de freguesia à de membros do Governo temos mesmo
de ser muito exigentes, muito mais exigentes.”
O país é pobre, a sociedade é
profundamente desigual e um professor de 50 anos ganha 1000 euros enquanto uma
administradora da TAP tem uma indemnização de 500 mil euros para sair da
empresa e emprego de nomeação governamental no dia seguinte
Se
Costa parecia ter mudado de discurso no debate do
Parlamento na quarta-feira, percebe-se que foi apenas e só um
exercício para inglês ver. A ideia de “virar a página” apressadamente ficou
exposta nesta intervenção na comissão nacional. A questão é que a página
não vira porque o primeiro-ministro decide: a página existe, porque o país é
pobre, a sociedade é profundamente desigual e um professor de 50 anos ganha
1000 euros, enquanto uma administradora da TAP tem uma indemnização de 500 mil
euros para sair da empresa e emprego de nomeação governamental no dia seguinte.
Na
verdade, é uma sociedade organizada entre nobreza e povo – e, se ao povo
pede-se tudo, à nobreza tolera-se evidentemente tudo e um par de botas. Esta é
mais uma explicação para o tamanho da manifestação de professores. Já não se
pode dizer “que se lixe a
troika”, porque a troika já não está cá. Mas talvez se possa dizer
“que se lixe o superavit” ou “há vida para além do Orçamento”, como disse em
outra encarnação o Presidente da República Jorge Sampaio.
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