quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Educação… o que é isso?

 

Já se apontou muitas vezes. As reformas no ensino têm sido, desde o início da terceira República, através do alargamento da indisciplina e a permissividade de um ensino a que se retirou seriedade, para além da sobrecarga burocrática em questões de lana caprina, que exigem o artifício do bla bla bla de aparência pedagógica de importância superior, ao que parece, às das matérias programáticas, fazendo que escasseie o tempo aos professores para a preparação das suas aulas, de que a indisciplina discente, alimentada superiormente, torna, aliás, inútil a ambição de as desenvolver com decência, tudo isso que culminou com a greve dos professores de uma dimensão nunca vista, em protestos reivindicativos de respeito, também, pelos seus direitos escamoteados se não desprezados. É o assunto de mais uma crónica já antiga, do Público – de ANA SÁ LOPES, como o foi de uma excelente entrevista há dois dias de TÂNIA RIBAS a uma professora e a uma auxiliar da educação, que expuseram sobre os governos e esse desrespeito pelos vários direitos dos professores bastamente apontados, em vários níveis, entre os quais os seus vencimentos miseráveis e o desprezo pela sua função.

CRÓNICA

Professores esgotados, um povo esgotado

Temos uma sociedade organizada entre nobreza e povo. E, se ao povo se pede tudo, à nobreza tolera-se evidentemente tudo e um par de botas.

ANA SÁ LOPES

OBSERVADOR, 15 de Janeiro de 2023, 0:00

As imagens da manifestação deste sábado dos professores lembram perigosamente – para o Governo e para a sociedade em geral – as imagens da manifestação de 2008, quando era ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues. A disparidade dos números avançados pela polícia e pelo sindicato é enorme. Mas, simbolicamente, esta manifestação, com muito menor enquadramento sindical do que a anterior, simboliza o esgotamento de uma classe inteirinha que Maria de Lurdes Rodrigues se esforçou por destruir, afogando-a em burocracias, e os governos seguintes nunca encontraram qualquer solução de fundo. Ouvir António Costa, primeiro-ministro há sete anos, vir dizer que a precariedade entre a classe docente é “inaceitável” rasa o absurdo. Se é “inaceitável”, o que é que o seu Governo fez para mudar o estado das coisas? Assim, de repente, não se está a ver nada de estrutural – e esta seria uma boa “reforma estrutural”, essas duas palavrinhas mágicas para um grande número de pessoas.

A questão é que o Governo, ao repetir o mantra da “geração mais qualificada de sempre”, esquece que quem está a contribuir para esse dado estatístico é tratado abaixo de cão pelo Estado. Peço desculpa: é mesmo abaixo de cão. Basta ler a reportagem publicada este sábado no PÚBLICO para ficar com uma ideia.

O problema ou não problema da municipalização dos concursos de professores é apenas a gota de água, um disparar da pressão numa panela que está ao lume há um monte de anos. O Estado social – saúde e educação tendencialmente gratuitos – está a esboroar-se sob os auspícios de um governo socialista que até há um ano contou com os bons ofícios do Bloco de Esquerda e do PCP. Este colapso não favorece, de todo, a esquerda.

Convencido de que tudo o que se passou do Natal até agora pode outra vez ser arrumado naquilo que são, para António Costa, os “casos e casinhos” da “bolha mediática”, o secretário-geral do PS, na comissão nacional deste sábado, quase que ia ignorando a crise em que os socialistas se encontram desde que perceberam a reacção popular ao facto de a ex-secretária de Estado do Tesouro Alexandra Reis ter saído da TAP com uma indemnização de 500 mil euros – e daí transitando para a NAV e de lá para o ministério de Fernando Medina. Ficou só uma frasezinha, mesmo no fim do discurso: “Da escolha de presidente de junta de freguesia à de membros do Governo temos mesmo de ser muito exigentes, muito mais exigentes.”

O país é pobre, a sociedade é profundamente desigual e um professor de 50 anos ganha 1000 euros enquanto uma administradora da TAP tem uma indemnização de 500 mil euros para sair da empresa e emprego de nomeação governamental no dia seguinte

Se Costa parecia ter mudado de discurso no debate do Parlamento na quarta-feira, percebe-se que foi apenas e só um exercício para inglês ver. A ideia de “virar a página” apressadamente ficou exposta nesta intervenção na comissão nacional. A questão é que a página não vira porque o primeiro-ministro decide: a página existe, porque o país é pobre, a sociedade é profundamente desigual e um professor de 50 anos ganha 1000 euros, enquanto uma administradora da TAP tem uma indemnização de 500 mil euros para sair da empresa e emprego de nomeação governamental no dia seguinte.

Na verdade, é uma sociedade organizada entre nobreza e povo – e, se ao povo pede-se tudo, à nobreza tolera-se evidentemente tudo e um par de botas. Esta é mais uma explicação para o tamanho da manifestação de professores. Já não se pode dizer “que se lixe a troika”, porque a troika já não está cá. Mas talvez se possa dizer “que se lixe o superavit” ou “há vida para além do Orçamento”, como disse em outra encarnação o Presidente da República Jorge Sampaio.

tp.ocilbup@sepol.as.ana

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