Como ponto de partida para deslindar o que ficou no segredo dos deuses, as tais “coisas que terei pudor de contar seja a quem for”: temos pano para mangas no capítulo das obscuridades, provando que muito do que se faz por cá, sobretudo nas questões dos dinheiros, escorre tranquilamente pelos tais crivos de que trata Helena Garrido. Só falta saber se as tais “negligências” não foram merecidamente recompensadas, nesse tal de amiguismo providencial, nosso espelho na arte da formação de muitas das fortunas, a cada passo vindo à tona, muitas vezes graças à perspicácia de um jornal, como neste caso, segundo conta Helena Garrido. Mas já está tudo resolvido com demissões e admissões que permitem mais suspeições e, quem sabe, mais suspensões a curto prazo…
Incompetência, negligência ou amiguismo no
caso TAP
O Governo, no mínimo, foi vítima da
captura que fez ao Estado. Há todo um conjunto de crivos que não funcionaram no
caso da indemnização à ex-administradora da TAP.
HELENA GARRIDO
OBSERVADOR, 03 jan. 2023, 00:214
O caso da indemnização na TAP tem muitas vertentes graves, entre
elas a política, a ética e a moral. Mas um dos
aspetos mais graves do que se passou com a agora ex-secretária de Estado do Tesouro
é verificar que falharam uma série de procedimentos de escrutínio, previstos
em quadros legais, e que vão desde o momento do pagamento da indemnização de
500 mil euros para sair da TAP até à sua escolha para o Governo, passando pela
sua nomeação para a NAV. Dizer que não se sabia é tão ou mais grave
do que saber. Pelo menos, se soubessem, ministros, secretários de Estado deste
e do anterior Governo, entidades públicas várias, podiam limitar o problema à
falta de sensibilidade política ou a um sentimento de “quero, posso e mando”. Não
saberem é negligência, incompetência ou tratar os assuntos de Estado como se
fizessem todos parte de um clube de amigos.
Comecemos
pela decisão de pagar a indemnização. Tudo parece começar, pelo que é hoje
contado, com o pedido da presidente executiva da TAP Christine
Ourmières-Widener ao ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos para
negociar a saída da administração de Alexandra Reis, com quem se dava mal. E com
isto podemos imaginar que pode ser relevante a probabilidade do cenário de o
problema ter sido tratado como se estivéssemos num clube de amigos.
E
é logo aqui que começa o primeiro acto que não cumpre os procedimentos. Estamos perante a decisão
de destituir uma administradora, tema de accionista em qualquer empresa e
especialmente sensível e importante numa empresa que está a ser ajudada pelos
contribuintes e a pedir sacrifícios aos trabalhadores. A presidente executiva devia ter feito esta
solicitação às duas tutelas que a TAP tem: o ministro das
Infraestruturas e o ministro das Finanças, que então era João Leão. Quem passou por empresas públicas sabe que até temas que
podem ser de pura gestão operacional exigem o “sim” das Finanças.
Tanto quanto sabemos Christine
Ourmières-Widener não o fez. Mas havia
uma segunda hipótese: o
ministro das Infraestruturas informar o seu colega das Finanças. Também não aconteceu, afirma João Leão. Pelo que
sabemos, Pedro Nuno Santos autorizou que se iniciasse o processo negocial para
a saída de Alexandra Reis e delegou o assunto no secretário de Estado das
Infraestruturas Hugo Mendes que também, ao que é dito, não informou o seu
colega das Finanças, o secretário de Estado do Tesouro Miguel Cruz.
A TAP informou o secretário de Estado
das Infraestruturas da conclusão do processo negocial e, de acordo com o
comunicado de Pedro Nuno Santos, Hugo Mendes “não viu incompatibilidades entre
o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução
encontrada”. E, aparentemente, não informou ninguém. O problema estava
resolvido, terá pensado.
Ainda
nesta fase, em que o assunto esteve a ser negociado entre advogados, há
um terceiro crivo que falhou, o do administrador financeiro da TAP Gonçalo
Pires. O Ministério das Finanças é que
escolhe os administradores financeiros das empresas públicas – como é o caso
agora da TAP – e estes reportam às Finanças, em geral ao secretário de Estado
do Tesouro. Também o administrador financeiro não pareceu sentir necessidade de
informar Miguel Cruz, o então secretário de Estado do Tesouro, sobre o que se
estava a passar e especialmente a despesa extraordinária que ia ter com o
mínimo de 500 mil euros que iria entregar a Alexandra Reis (faltam os impostos).
A partir de 4 de Fevereiro de 2022 a
informação é pública. A
TAP comunica à
Comissão de Mercados de Valores Mobiliários que Alexandra Reis renunciou ao mandato, informação que, na sequência de se conhecer
a indemnização, a empresa
corrigiu, afirmando agora que a
renúncia foi da iniciativa da TAP.
Com a informação pública, entramos na fase
em que é o Ministério das Finanças a falhar. E estamos no quarto nível de escrutínio
falhado. Começando pelos serviços,
há pelos menos três
organismos que podiam ter
perguntado à TAP o que se passava: a Parpública,
a Direcção Geral
do Tesouro e Finanças e a UTAM – Unidade
de Acompanhamento das Empresas Públicas. Ninguém, tanto quanto sabemos, parece ter tido a
preocupação de se informar ou, no mínimo, de avisar o secretário de Estado
Miguel Cruz para que tomasse a iniciativa de perceber o que se passava numa
empresa tão sensível como a TAP. A renúncia de uma administradora, a meio
de um mandato, suscitaria a curiosidade de qualquer accionista e, por tudo o
que conhecemos, deveria ter acendido as luzes vermelhas no caso da TAP. Mas não
aconteceu.
Chega
o novo Governo e há mais uma quinta possibilidade de escrutínio, em várias
oportunidades. Em Abril é
publicado o parecer da CreSAP – entidade que avalia os candidatos a lugares
do Estado – revelando que o secretário de Estado das Infraestruturas
propôs, a 11 de Abril, que Alexandra Reis fosse presidente da NAV – menos de um
mês e meio depois ter saído de uma empresa do sector que ia passar a regular.
E no parecer da CreSAP não
existe uma única questão sobre as razões que levaram Alexandra Reis a sair da
TAP, considerando-a com o perfil adequado.
E aqui temos, nesta fase, a primeira oportunidade perdida de se fazer
o escrutínio por uma entidade independente.
Em Maio, o artigo do Expresso assinado por Anabela Campos
revela que Alexandra Reis vai para a NAV e é aqui que se fala pela primeira vez
de “uma indemnização milionária” referida por fontes da TAP. O Ministério das Infraestruturas foi
questionado e não confirmou a informação. Segunda
oportunidade perdida para perceber que o assunto podia ser um problema. No
Ministério das Finanças, agora já com Fernando Medina como ministro e João Nuno
Mendes como secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, estes também não
viram nem tiveram ninguém que os avisasse do artigo do Expresso – dos
seus assessores aos serviços do Ministério –, perdendo-se a terceira
oportunidade.
E
chegamos à sexta possibilidade de escrutínio. Em Novembro, quando Fernando Medina convida Alexandra
Reis para integrar a sua equipa podia ter tido a curiosidade de
perguntar porque saiu da TAP, uma empresa que está a ser ajudada pelos
contribuintes e tem de ser bem gerida para cumprir o plano de Bruxelas. Não perguntou e assim se perdeu mais uma
oportunidade. Até o Correio da Manhã, na véspera de Natal,
colocar 500 mil euros na sua manchete e as campainhas finalmente começarem a
tocar. Deixou de ser possível “não saber”.
Quatro
entidades públicas, o administrador financeiro da TAP, três ministros e três
secretários de Estado, juntando este e o anterior Governo, não foram capazes de
fazer o devido escrutínio à empresa do Estado que enfrenta um desafio de
sobrevivência depois de os contribuintes lá terem injectado mais de três mil
milhões de euros. Os ministros e secretários de Estado argumentam que não
sabiam. Do anterior Governo, João Leão e de Miguel Cruz vieram dizer que de
nada sabiam. Se não sabiam, deviam saber, deviam ter perguntado. Também
Fernando Medina diz que não sabia, mas devia saber.
E
agora, não sabendo, a pergunta que se devem fazer é: porque é que essa
informação não lhes chegou? Porque é que nenhuma entidade da administração
pública – e são três, pelo menos, a Parpública, a DGTF e a UTAM –, com responsabilidade de acompanhar as empresas
do Estado, os informou da saída da administradora e perguntou as razões? E
porque é que a CreSAP não perguntou nada a Alexandra Reis? Não se quer
acreditar que tudo isto aconteceu porque a posição ideal, a que defendia melhor
os seus estatutos, era não saber nem querer saber, com medo dos ministros ou
para agradar ao Governo.
Se o escrutínio das empresas
públicas está a ser feito desta maneira displicente, por incompetência,
negligência, amiguismo ou para não criar problemas ao Governo, temos todas as
razões para nos preocuparmos. Até o Governo precisa de se preocupar. O PS,
através do Governo, capturou todo o aparelho de Estado, feriu entidades que são
supostas fazerem um trabalho independente, garantindo o cumprimento da lei –
temos visto isso ao longo dos últimos sete anos. E hoje pode ter a trabalhar
pessoas que apenas querem agradar ao “chefe”. E está a ser vítima da escolha
que fez de partidarizar a administração pública ou de se sentir já dono disto
tudo.
TAP
EMPRESAS
ECONOMIA GOVERNO POLÍTICA PEDRO NUNO SANTOS FERNANDO MEDINA
COMENTÁRIOS:
Rui Pedro Matos: É pena que a
autora desta coluna só se apercebe desta partidarização de todo o aparelho em 3
de Janeiro de 2023! Quem deixou loas a este governo de esquerda radical e
reaccionária, como a autora desta coluna desde 2015, deveria ser
co-responsabilizado por tudo isto! Não foi apenas esta autora...muitos aqui no
Observador! Enfim....
José B. Dias: As
hipóteses de algo diferente, para melhor, ter sido feito foram tantas ao longo
do processo, que a única conclusão possível é a de que foi feito como foi por
ser exactamente assim que se pretendeu que o fosse ... resta saber a mando e
por mor de quem! observador
censurado: "Em
Novembro, quando Fernando Medina convida Alexandra Reis para integrar a sua
equipa podia ter tido a curiosidade de perguntar porque saiu da TAP, ... Não
perguntou ... De
quem é a responsabilidade da contratação da sra. Alexandra Reis para Secretária
de Estado? O sr. Fernando Medina contrata um Secretário de Estado sem saber o
que Secretário de Estado fez no último ano? É este tipo de zelo que se espera
de um Ministro das Finanças que não foi capaz de contratar o seu Secretário de
Estado? Porquê o sr. Fernando Medina ainda não saiu do governo? Madalena Sa:
Muito bem observado! No entanto, o dono
disto continua a cuspir para o ar pq o Presidente da república só se passeia, e
assim, portugueses, se destrói um País!
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