domingo, 22 de janeiro de 2023

Como na Bíblia

Como na Bíblia

Com modéstia. Porque o papa Francisco é mais adepto dos pobrezinhos, não das prodigalidades das bodas de Caná. Mas admiro a coragem do P. Gonçalo Portocarrero de Almada em denunciar o caso da modéstia nos funerais de Bento XVI, ainda que através do subterfúgio do diálogo com um interlocutor pesaroso - o cónego Jeremias, o suposto crítico, aparentemente contestado, para aprofundar mais a diatribe.

O Cónego Jeremias e o funeral de Bento XVI

Na despedida a Bento XVI faltou gratidão, faltou amor, faltou unção, faltou sabedoria, faltou delicadeza e dedicação. Que pena e que desolação!

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA: Colunista     OBSERVADOR, 21 jan. 2023

Fui visitar o Cónego Jeremias e desejar-lhe um bom ano. Infelizmente, estava muito abatido com a morte de Bento XVI. Para o animar, recordei-lhe que o Papa emérito não só era já de muita idade como, certamente, estará agora muito melhor.

– Disso não tenho dúvidas! Aliás, que tivesse dito que não se estava a preparar para o fim, mas para um encontro, diz tudo do seu amor a Deus, da sua fé na vida eterna e da sua esperança cristã.

– Então, se assim é, porque está tão desanimado?!

– Não é por ele, que um dia veremos nos altares e entre os doutores da Igreja! Mas pela forma muito infeliz como o Vaticano se despediu de Bento XVI!

– Refere-se à Missa exequial, na praça de São Pedro?!

– Refiro-me a tudo, desde a sua trasladação, sem procissão nem acompanhamento oficial pela Santa Sé, para a basílica de São Pedro, onde entrou por uma porta lateral, até ao seu sepultamento na cripta, sem o Papa! Uma desconsideração à sua memória e uma falta de gratidão a quem o mundo tanto deve e a Igreja muito mais!

– Porque se procedeu assim?!

– Consta que, quando já se previa o seu falecimento, foram dadas ordens para que, quando chegasse a sua última hora, tudo continuasse igual na Santa Sé!

– Se calhar, era esse o desejo do próprio Bento XVI …

– Talvez, mas se uma mãe diz que não quer nada no dia do seu aniversário, é óbvio que os bons filhos fazem, na mesma, a festa que merece! Qualquer que fosse a vontade de Bento XVI, o seu funeral deveria ter tido a dignidade que merecia a sua pessoa e, sobretudo, a sua condição de Papa emérito.

– Pode ser que, como já não era Papa, optou-se por uma cerimónia mais singela

– Papa já não era, mas, que eu saiba, ninguém é enterrado sendo Papa, porque todos deixam de o ser no momento da morte e, para o caso, tanto dá que tivesse deixado de o ser na véspera, ou dez anos antes.

Todos os países, quando morre um seu ex-Chefe de Estado, põem a bandeira a meia-haste e declaram luto nacional, mas a Santa Sé não fez isso pelo Papa emérito, por quem nem sequer dobraram, a finados, os sinos de São Pedro! Vários países decretaram luto nacional pela morte de Bento XVI – nomeadamente Portugal, Itália e até a Grã-Bretanha, que não é um país maioritariamente católico – mas não o Vaticano!!

– Aliás, o Papa Francisco não suspendeu a audiência geral da quarta-feira, na véspera do funeral de Bento XVI.

– Pois não e, salvo melhor opinião, o Papa Francisco, que teve uma relação bastante próxima com o Papa emérito, a quem visitava com frequência, deveria ter observado um tempo de luto, pelo menos até ao funeral de Bento XVI. Jesus Cristo, quando lhe foi comunicada a morte do seu predecessor, João Baptista, retirou-se, por uns momentos, para longe da multidão (Mt 14, 13).

– Por que se disse que só haveria delegações oficiais da Itália e da Alemanha e que, se outras individualidades quisessem estar presentes, seria a título pessoal?

Essa é outra! Quando um Estado se faz representar, ao mais alto nível, como aconteceu com Portugal e a Bélgica, numas exéquias pontifícias, está a dar um testemunho da maior consideração pelo defunto e pela Igreja. Assim sendo, não faz sentido que a Santa Sé desvalorize essas presenças, como se os representantes desses Estados estivessem lá como meros peregrinos, ou turistas! Felizmente, dada a presença espontânea de vários Chefes de Estado e de Governo, a Secretaria de Estado não teve mais remédio do que lhes dar o tratamento protocolar devido, mas sem os uniformes de gala, como é tradição nas exéquias papais e cardinalícias. De facto, Bento XVI já não era Papa quando morreu, mas nunca deixou de ser cardeal!

Mas, pelo menos na homilia, o Papa Francisco falou de Bento XVI

– Pois olhe, eu estava de viagem quando a ouvi, em directo, no rádio do carro, e fiquei espantado quando me dei conta que já tinha acabado: foi mais breve do que algumas homilias paroquiais, em dias de semana! Com certeza que os sermões não se medem pela extensão, mas a única referência directa ao Papa emérito foi, de facto, banal: “Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz!”. É o que se diz e deseja a qualquer fiel defunto!

É pouco, muito pouco mesmo, sobretudo depois de se ter dito que se estava ali “com o perfume da gratidão e o unguento da esperança para lhe provar, uma vez mais, o amor que não se perde” e se afirmou o propósito de “fazê-lo com a mesma unção, sabedoria, delicadeza e dedicação que ele soube dispensar ao longo dos anos”. Bonitas palavras que, contudo, as obras não confirmaram, porque foi isso que faltou à despedida a Bento XVI: faltou gratidão, faltou amor, faltou unção, faltou sabedoria, faltou delicadeza e dedicação. Que pena e que desolação!

– Mas, nas Missas exequiais, não se devem canonizar os defuntos …

– Pois não, mas uma coisa é antecipar um juízo que só a máxima autoridade eclesial pode pronunciar, depois de comprovada a santidade, e outra coisa é não referir os extraordinários serviços prestados por Bento XVI à Igreja! Nem uma palavra para a sua participação no Concílio Vaticano II! Nem uma palavra para a sua obra teológica! Nem uma palavra para os seus vinte anos como prefeito da então Congregação para a Doutrina da Fé! Nem uma palavra para o seu magistério pontifício! Nem uma palavra para a coragem e humildade da sua renúncia, sinal de um evangélico despojamento do poder, para se entregar a uma vida de recolhimento e de oração! Que ingratidão!

– Mas a quem atribui essa falta de consideração pelo Papa emérito?

Isso não é da minha conta! Só comento os factos, mas é evidente que, no seu funeral, o Papa emérito foi desconsiderado pela Santa Sé. Às vezes, prega-se muito a misericórdia e nem a justiça se pratica com os mais próximos!

– Mas não é assim que deseja o Papa, que quer uma Igreja simples e pobre?!

– Com certeza que a Igreja deve viver a pobreza e a simplicidade evangélicas, mas pobreza não é miserabilismo, nem a simplicidade é ser simplório. Jesus não poupou elogios a João Baptista, depois do seu martírio: disse que ele “era uma lâmpada ardente e luminosa” (Jo 5, 35); e que foi “mais do que um profeta”, porque “entre os nascidos de mulher não há profeta maior do que João” (Lc 7, 26.28)!

Quando a Igreja exalta os seus filhos pela excelência da sua virtude e saber – e que graça foi, para a Igreja e para o mundo, o Papa Bento XVI! – não cai na autorreferencialidade, mas obedece ao seu Mestre e Senhor que, no programático Sermão da Montanha, disse: “Não se (…) acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumie a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu” (Mt 5, 14-16).

PAPA BENTO XVI  IGREJA CATÓLICA  RELIGIÃO  SOCIEDADE


Com modéstia. Porque o papa Francisco é mais adepto dos pobrezinhos, não das prodigalidades das bodas de Caná. Mas admiro a coragem do P. Gonçalo Portocarrero de Almada em denunciar o caso da modéstia nos funerais de Bento XVI, ainda que através do subterfúgio do diálogo com um interlocutor pesaroso - o cónego Jeremias, o suposto crítico, aparentemente contestado, para aprofundar mais a diatribe.

O Cónego Jeremias e o funeral de Bento XVI

Na despedida a Bento XVI faltou gratidão, faltou amor, faltou unção, faltou sabedoria, faltou delicadeza e dedicação. Que pena e que desolação!

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA: Colunista     OBSERVADOR, 21 jan. 2023

Fui visitar o Cónego Jeremias e desejar-lhe um bom ano. Infelizmente, estava muito abatido com a morte de Bento XVI. Para o animar, recordei-lhe que o Papa emérito não só era já de muita idade como, certamente, estará agora muito melhor.

– Disso não tenho dúvidas! Aliás, que tivesse dito que não se estava a preparar para o fim, mas para um encontro, diz tudo do seu amor a Deus, da sua fé na vida eterna e da sua esperança cristã.

– Então, se assim é, porque está tão desanimado?!

– Não é por ele, que um dia veremos nos altares e entre os doutores da Igreja! Mas pela forma muito infeliz como o Vaticano se despediu de Bento XVI!

– Refere-se à Missa exequial, na praça de São Pedro?!

– Refiro-me a tudo, desde a sua trasladação, sem procissão nem acompanhamento oficial pela Santa Sé, para a basílica de São Pedro, onde entrou por uma porta lateral, até ao seu sepultamento na cripta, sem o Papa! Uma desconsideração à sua memória e uma falta de gratidão a quem o mundo tanto deve e a Igreja muito mais!

– Porque se procedeu assim?!

– Consta que, quando já se previa o seu falecimento, foram dadas ordens para que, quando chegasse a sua última hora, tudo continuasse igual na Santa Sé!

– Se calhar, era esse o desejo do próprio Bento XVI …

– Talvez, mas se uma mãe diz que não quer nada no dia do seu aniversário, é óbvio que os bons filhos fazem, na mesma, a festa que merece! Qualquer que fosse a vontade de Bento XVI, o seu funeral deveria ter tido a dignidade que merecia a sua pessoa e, sobretudo, a sua condição de Papa emérito.

– Pode ser que, como já não era Papa, optou-se por uma cerimónia mais singela

– Papa já não era, mas, que eu saiba, ninguém é enterrado sendo Papa, porque todos deixam de o ser no momento da morte e, para o caso, tanto dá que tivesse deixado de o ser na véspera, ou dez anos antes.

Todos os países, quando morre um seu ex-Chefe de Estado, põem a bandeira a meia-haste e declaram luto nacional, mas a Santa Sé não fez isso pelo Papa emérito, por quem nem sequer dobraram, a finados, os sinos de São Pedro! Vários países decretaram luto nacional pela morte de Bento XVI – nomeadamente Portugal, Itália e até a Grã-Bretanha, que não é um país maioritariamente católico – mas não o Vaticano!!

– Aliás, o Papa Francisco não suspendeu a audiência geral da quarta-feira, na véspera do funeral de Bento XVI.

– Pois não e, salvo melhor opinião, o Papa Francisco, que teve uma relação bastante próxima com o Papa emérito, a quem visitava com frequência, deveria ter observado um tempo de luto, pelo menos até ao funeral de Bento XVI. Jesus Cristo, quando lhe foi comunicada a morte do seu predecessor, João Baptista, retirou-se, por uns momentos, para longe da multidão (Mt 14, 13).

– Por que se disse que só haveria delegações oficiais da Itália e da Alemanha e que, se outras individualidades quisessem estar presentes, seria a título pessoal?

Essa é outra! Quando um Estado se faz representar, ao mais alto nível, como aconteceu com Portugal e a Bélgica, numas exéquias pontifícias, está a dar um testemunho da maior consideração pelo defunto e pela Igreja. Assim sendo, não faz sentido que a Santa Sé desvalorize essas presenças, como se os representantes desses Estados estivessem lá como meros peregrinos, ou turistas! Felizmente, dada a presença espontânea de vários Chefes de Estado e de Governo, a Secretaria de Estado não teve mais remédio do que lhes dar o tratamento protocolar devido, mas sem os uniformes de gala, como é tradição nas exéquias papais e cardinalícias. De facto, Bento XVI já não era Papa quando morreu, mas nunca deixou de ser cardeal!

Mas, pelo menos na homilia, o Papa Francisco falou de Bento XVI

– Pois olhe, eu estava de viagem quando a ouvi, em directo, no rádio do carro, e fiquei espantado quando me dei conta que já tinha acabado: foi mais breve do que algumas homilias paroquiais, em dias de semana! Com certeza que os sermões não se medem pela extensão, mas a única referência directa ao Papa emérito foi, de facto, banal: “Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz!”. É o que se diz e deseja a qualquer fiel defunto!

É pouco, muito pouco mesmo, sobretudo depois de se ter dito que se estava ali “com o perfume da gratidão e o unguento da esperança para lhe provar, uma vez mais, o amor que não se perde” e se afirmou o propósito de “fazê-lo com a mesma unção, sabedoria, delicadeza e dedicação que ele soube dispensar ao longo dos anos”. Bonitas palavras que, contudo, as obras não confirmaram, porque foi isso que faltou à despedida a Bento XVI: faltou gratidão, faltou amor, faltou unção, faltou sabedoria, faltou delicadeza e dedicação. Que pena e que desolação!

– Mas, nas Missas exequiais, não se devem canonizar os defuntos …

– Pois não, mas uma coisa é antecipar um juízo que só a máxima autoridade eclesial pode pronunciar, depois de comprovada a santidade, e outra coisa é não referir os extraordinários serviços prestados por Bento XVI à Igreja! Nem uma palavra para a sua participação no Concílio Vaticano II! Nem uma palavra para a sua obra teológica! Nem uma palavra para os seus vinte anos como prefeito da então Congregação para a Doutrina da Fé! Nem uma palavra para o seu magistério pontifício! Nem uma palavra para a coragem e humildade da sua renúncia, sinal de um evangélico despojamento do poder, para se entregar a uma vida de recolhimento e de oração! Que ingratidão!

– Mas a quem atribui essa falta de consideração pelo Papa emérito?

Isso não é da minha conta! Só comento os factos, mas é evidente que, no seu funeral, o Papa emérito foi desconsiderado pela Santa Sé. Às vezes, prega-se muito a misericórdia e nem a justiça se pratica com os mais próximos!

– Mas não é assim que deseja o Papa, que quer uma Igreja simples e pobre?!

– Com certeza que a Igreja deve viver a pobreza e a simplicidade evangélicas, mas pobreza não é miserabilismo, nem a simplicidade é ser simplório. Jesus não poupou elogios a João Baptista, depois do seu martírio: disse que ele “era uma lâmpada ardente e luminosa” (Jo 5, 35); e que foi “mais do que um profeta”, porque “entre os nascidos de mulher não há profeta maior do que João” (Lc 7, 26.28)!

Quando a Igreja exalta os seus filhos pela excelência da sua virtude e saber – e que graça foi, para a Igreja e para o mundo, o Papa Bento XVI! – não cai na autorreferencialidade, mas obedece ao seu Mestre e Senhor que, no programático Sermão da Montanha, disse: “Não se (…) acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumie a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu” (Mt 5, 14-16).

PAPA BENTO XVI  IGREJA CATÓLICA  RELIGIÃO  SOCIEDADE

COMENTÁRIOS:

José Cosme: Muito boa exposição de opinião. Realmente poderia ter sido expresso mais amor por quem tanto amor nos deu. Não querendo fazer julgamentos, mas temos direito à crítica, caso contrário Deus não nos teria dado o dom do discernimento, a verdade é que o Papa Bento XVI na condição de Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé foi um forte oponente da Teologia da Libertação que tão cara é para o clero latino-americano e o Papa Francisco sendo de extracto jesuíta não alinha propriamente com a oposição ao movimento da Teologia da Libertação. A Teologia da Libertação tem várias correntes, algumas mais à esquerda e outras nem tanto, mas é bom que se diga que o grupo mais à esquerda, o homem é o grande protagonista, chegando ao limite de não considerar o Divino pois nessa vertente, pouco se esconde a necessidade da eliminação do Divino para que o homem alcance a sua plenitude de cariz puramente material. Sou leigo mas estudei em colégios religiosos em que adoptavam a Teologia da Liberdade na sua forma mais suave, mas muita discussão havia em torno das várias vertentes. Em resumo, podemos muito bem acreditar que apesar do respeito que se impõe na relação entre os dois Papas, a discórdia entre eles era muito mais profunda do que nos levam a acreditar e definitivamente, na minha opinião, o Papa Francisco deveria ter expressado mais amor por quem tanto amor nos deu....                  JOÃO PAULO PRAZERES REIS: Ai, se eu concordo totalmente com o Cónego Jeremias, até as imagens dos fiéis que acorreram a prestar uma última homenagem foram manipuladas para não nos apercebermos que foram mais do que os que costumam participar nas Audiências ou no Ângelus. Pobres almas que nem sabem que Deus sabe e tudo vê. Obrigado Joseph Ratzinger por até na morte haveres sido grande, descansa em paz e pede por aqueles que são filhos menores de Deus                         António Rocha Pinto: os mistérios da Igreja são por vezes insondáveis. No meu modesto entendimento Bento xvi foi o maior teólogo do sec xx.                     Lúcio Monteiro: Para o padre Portocarrero, o Papa Francisco representa uma incómoda espinha atravessada na sua garganta. Se todos os católicos "amassem" o seu pastor máximo como o "ama" o padre Portocarrero, certamente que ninguém gostaria de estar na pele de Francisco. Refira-se, aliás, a talho de foice, que ainda muito recentemente o Papa Francisco "despromoveu" o Opus Dei retirando-lhe alguns poderes. Será por isso que o padre Portocarrero não vai à "missa" do actual Pontífice?

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