sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

A música nos acompanha


Como inspiração ou aviso. Retrato de amores achados, perdidos, como homenagem ao retrato de excelso recorte feito por Paulo Tunhas a uma sereia da nossa praça…

“De Volta Pro Aconchego” de Elba Ramalho

Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo um sorriso sincero, um abraço
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade

Que bom poder tá contigo de novo
Roçando o teu corpo e beijando você
Pra mim tu és a estrela mais linda
Seus olhos me prendem, fascinam
A paz que eu gosto de ter

É duro ficar sem você, vez em quando
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim

O vento mudou

Música: Nuno Nazareth Fernandes
Letra: João Magalhães Pereira
Intérprete: Eduardo Nascimento

Ouçam
Ouçam
E o vento mudou
Ela não voltou
As aves partiram
As folhas caíram

Ela quis viver
E o mundo correr
Prometeu voltar
Se o vento mudar

E o vento mudou
E ela não voltou
Sei que ela mentiu
P'ra sempre fugiu
Vento por favor
Traz-me o seu amor
Vê que eu vou morrer
Sem não mais a ter

Nuvens tenham dó
Que eu estou tão só
Batam-lhe à janela
Chorem sobre ela
E as nuvens choraram
E quando voltaram
Soube que mentira
P'ra sempre fugira
Nuvens por favor
Cubram minha dor
Já que eu vou morrer
Sem não mais a ter

Ouçam Ouçam ouçam Ouçam ouçam

www.songcontest.nl (vencedora do festival da canção de 1967)

Os dois abismos de António Costa

Um governo assente numa mentira fundadora não pode sobreviver sem perpetuar essa mentira sob várias formas. O abismo da mentira política de Costa está-se a abrir diante de nós ostensivamente.

PAULO TUNHAS

OBSERVADOR, 12 jan. 2023, 00:1918

Ouve-se e lê-se que António Costa, depois de sete anos de governo, está cansado, o que explica os erros sucessivos por ele cometidos nos últimos tempos e as múltiplas trapalhadas com a gente que escolheu para com ele trabalhar. À primeira vista, é uma doutrina plausível. Eu, por exemplo, se ocupasse o cargo dele, ao segundo dia de ofício, depois de contemplar várias vezes a possibilidade do suicídio, já tinha decidido fugir para uma qualquer ilha perdida do Pacífico para não mais voltar a pôr os pés em Portugal. E mesmo criaturas mais resistentes acabam por esgotar as suas forças e desistir, depois de o tempo ter produzido o seu devido desgaste e o prazer no exercício da actividade ter desaparecido. Como diz a canção de Leo Ferré, avec le temps, va, tout s’en va, e chega um momento em que alors vraiment avec le temps on n’aime plus.

É, no entanto, inverosímil que tal tenha acontecido a António Costa. Até porque também se diz à boca cheia por aí que ele se encontra tomado por um novo amor que habita em Bruxelas. Ora, se é verdade que ninguém tem a obrigação de amar ninguém, também o é que ninguém tem de pedir desculpa por se apaixonar. Ainda para mais quando esse publicitado novo amor, dizem os boatos, parece, ó imensa felicidade!, ser correspondido. O que há então de mais natural que ele não se contente com breves e furtivos encontros lá na Europa e ambicione romper as amarras com o leito conjugal da pátria que já não o satisfaz e que, ainda por cima, o atormenta com queixumes sortidos e cenas feias em público? O que basta, basta, com raios e coriscos!

Dito isto, é, no entanto, possível que as presentes trapalhadas no governo tenham outra explicação menos envolta em amores e desamores. Ela resume-se talvez num verso célebre de Eliot: In my beggining is my end. O princípio de Costa no governo assentou numa mentira fundadora: a de que Pedro Passos Coelho havia sido o responsável pelas políticas ditadas pela troika a Portugal no período da “austeridade” e que a inocência do PS de Sócrates (e de Costa) nesse capítulo era pouco menos do que absoluta. Essa mentira – voluntária e consciente – esteve na base de uma série de mentiras consecutivas, como, por exemplo, a do “virar da página da austeridade”, e transformou uma eleição perdida numa eleição ganha, através do artifício da “geringonça”. Tais mentiras, e a desonestidade política que consubstanciam, nunca o incomodaram em nada. Pelo contrário: foram o combustível que lhe permitiu governar durante sete anos e até obter uma maioria absoluta. E tudo isso sem uma única ideia política digna desse nome: isto é, um projecto claro e definido para o país, fora de algumas noções apanhadas nos discursos de Bruxelas – “transição climática”, “transição digital”, etc. –, que ele papagueou como fórmulas encantatórias. Mas as mentiras, passado algum tempo, que pode ser longo, de gastas e esfarrapadas que são, tornam-se auto-destrutivas. Infiltram tudo o resto. Impedem uma política com um rumo coerente. As trapalhadas recentes do governo são o seu natural corolário: o resultado praticamente inevitável de se ter construído um edifício sobre bases falsas.No meu princípio está o meu fim”, de facto. E não me venham, por favor, falar de “cansaço”. Porque é muito pior do que isso: é o atingir do limite de elasticidade de uma fórmula perversa que está à beira de se esgotar porque os seus próprios princípios a isso a conduziam.

À sombra deste edifício cada dia que passa mais periclitante florescem arranjinhos vários. É claro, dir-se-á, que eles florescem sob qualquer governo, por melhor que seja. É verdade. E seria bom que se percebesse que, para muitas pessoas, a corrupção é uma actividade natural. As pessoas não gostam todas do dinheiro da mesma maneira: a paixão crematística, por exemplo, não é universalmente partilhada. Além disso, o dinheiro não tem o mesmo significado para toda a gente: o que para uns é muito, para outros é pouco. E há as tais pessoas que não se preocupam excessivamente com os meios de o adquirir.

É fácil de ver que uma atmosfera política informee a informidade é o reino de Costa incentiva estas últimas. Se não há linhas políticas bem definidas (coisa que Costa é incapaz de traçar) que as pessoas consigam identificar e que, de uma maneira ou outra, sirvam de ponto de referência na vida social, por grandes que sejam as diferenças que as separam, tudo se torna mais propício às tradicionais habilidades da espertezaAbyssus abyssum invocat, como se sabe, o abismo chama o abismo. O abismo da mentira política atrai para junto de si e para os seus arredores o abismo da esperteza e, em frequentes casos, da corrupção pura e simples.

Volto à minha. Um governo assente numa mentira fundadora não pode sobreviver, mesmo em maioria absoluta, sem perpetuar essa mentira sob várias formas. Ora, o limite da elasticidade da mentira terá, de uma forma qualquer, de se manifestar. O abismo da mentira política de Costa está-se a abrir diante de nós ostensivamente. O sinal que mais atrai o jornalismo são os conflitos entre os que aspiram a suceder-lhe. Mas esse abismo, pelo qual o governo corre o risco de cair, desdobra-se num outro: uma espécie de anomia social que se expressa numa multiplicidade indefinida de criaturas, cujas caras vamos conhecendo dia sim, dia não, que se aproveitam dela para tratar dos seus privados interesses. Os mentirosos aproximam-se do regime da mentira. Um abismo chama o outro, o informe convida o informe. E os dois quase se confundem. A opinião comum tende a essa confusão. E, à sua maneira, tem razão.

Amor por Bruxelas? Com o devido respeito, deixemos as paixões de António Costa para o seu próprio anedotário sentimental e preocupemo-nos mais com os palpáveis efeitos deletérios das suas mentiras. A começar pela primeira, a mentira fundadora. Que não é só sua, de resto. É do PS quase inteirinho.

ANTÓNIO COSTA   POLÍTICA   PÓS-TROIKA   TROIKA

COMENTÁRIOS

Maria RibeiroTelles: Excelente !. A  verdade explicada e  resumida de uma maneira clara e   simples que  todo compreendemos. O que o Sr. escreveu devia aparecer todos os dias nas horas de maior audiência  da televisão, que mesmo assim não chegava para compensar os anos de lavagem ao cérbero que PS e  Comunicação  social têm  feito.   A hipocrisia do Costa ajuda a desculpar tudo e  na televisão volta a aparecer como o politico muito hábil  Por quê este amor a um Hipócrita??                 João Eduardo Gata: António Costa sempre foi um EMBUSTE e uma FRAUDE.                     João Floriano > João Alves: Não sei se era mesmo a mim que o João queria responder porque eu não me lembro de ter comentado aqui  a mentira fundadora. A memória popular é curta e António Costa usa isso a seu favor. Se uma mentira for repetida exaustivamente não deixa de ser mentira mas começa cada vez mais  aparecer-se com a verdade. António Costa e a esquerda falam dos anos da troika como se estes tivessem sido anos normais iguais a tantos outros. Não foram. Os grandes sacrifícios feitos entre 2011 e 2014 foram um sufoco e mandava quem tinha o dinheiro na mão: a troika. Extremamente difícil desmontar o discurso PS quando a CS está toda alinhada com António Costa e dentro do próprio PSD há dirigentes que abdicaram de fazer oposição como foi o caso de Rui Rio.              João Ramos: Como Maria João Avillez o lembrou e muito bem, Costa faz lembrar o tal ministro do Iraque que dizia que estava tudo bem e que a vitória era certa quando entretanto lhe caíam bombas no edifício onde se encontrava, Costa é o nosso Tarik Aziz, a mentira faz parte do seu ADN não há nada a fazer…                Carlos Quartel: A verdade, nua e crua. A mentira fundadora, excelente termo, que define bem a origem dos governos de Costa. A geringonça nunca foi um projecto, nunca passou de uma manobra de emergência para evitar a morte política de Costa. A partir daí, houve que elaborar uma narrativa justificativa do entorse, operação de propaganda permanente, em que conseguiram pôr Passos a chamar a troika.  Quanto a projectos e medidas, a TAP é um bom exemplo. De fundamental para marcar a nossa nacionalidade, agora a salvação está na venda, depois da compra. No caminho lá se foram 3200 milhões (pelo menos), que muita falta faziam ao SNS  à reforma das escolas ou da justiça, ou mesmo para um aumento de vencimento a psps e gnrs, a ganharem miseravelmente.

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