Que já não apaga a tristeza de um mundo bronco.
As grandes questões do nosso governo
Estou em condições de divulgar a
Estrutura. A Estrutura sucedeu ao Mecanismo que por sua vez sucedeu ao
Circuito. As 20 questões da Estrutura são o que realmente importa.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 21 jan. 2023, 00:226
Perante a recorrência de casos e
casinhos, o dr. Costa não perdeu tempo e lançou a ideia do
Circuito. De seguida, - o
Circuito, método de escrutínio impiedoso dos potenciais novos governantes (mas
não dos velhos), transformou se no Mecanismo, inquérito de 34 perguntas
susceptíveis de assegurar a honradez que os candidatos declaram sob compromisso
de honra. Depois o Mecanismo
engordou para as 36 perguntas, todas pertinentes se descontarmos os erros de
pontuação e a irrelevância. Hoje (rufem os tambores), estou em
condições de divulgar (rufem, caramba) a Estrutura (expressões
de pasmo e aplausos). A Estrutura mantém o aroma levemente kafkiano das
designações prévias mas reduz o questionário às 20 questões que
realmente importam. Ei-las.
1. Tens as quotas de militante do PS em dia?
a)
Sim; b) Claro; c) Evidentemente; d) Então eu vinha aqui fazer o quê?
2. Tiveste até aqui alguma profissão a sério, leia-se obtida à revelia
do partido e demais compadrios?
a)
Isso existe? b) Chefe de Alcateia nos lobitos; c) Uma vez pensei em praticar
ioga; d) Não sabe/Não responde
3. Estás metido em quantas empresas ligadas à área que vais tutelar?
a)
Uma; b) Duas; c) Vinte e sete; d) Qual é a área que vou tutelar?
4. Tens familiares envolvidos nas empresas acima?
a)
Uma irmã; b) A família em peso; c) Nenhum: é tudo malta do ISCTE; d) Boa ideia.
5. Exerceste funções em entidades públicas ou em entidades
parapúblicas?
a)
As autarquias contam?; b) A CP conta? c) A Parque Escolar conta?; d) O ISCTE
conta?
6. Como definirias a natureza da tua “actividade” anterior?
a)
Trapalhada; b) Trafulhice; c) Roubo desalmado; d) Espírito de missão
7. Quantas maroscas cometidas na tua “actividade” anterior estimas que
podem vir a ser descobertas?
a)
Entre uma a dezoito; b) Entre uma a três, que sou muito cuidadoso; c) Nenhuma,
que o dinheiro não fala e o meu cunhado, em cujo nome registei a quinta e o
BMW, também não (nasceu surdo, coitado); d) O quê, acham que os tipos
desconfiam de alguma coisa?
8. Descontados a corrupção, o tráfico de influências e essas ninharias,
em que outras confusões te meteste?
a)
Atropelamentos; b) Assaltos à mão armada; c) Sequestro de crianças; d)
Pirataria de cruzeiros
9. Já recebeste “fundos” europeus”?
a)
Sim, para fingir que plantava uma vinha; b) Sim, para fingir que montava uma
destilaria ao lado da vinha; c) Sim, para fingir que fazia uma adega perto da
vinha e da destilaria; d) Sim, para construir a moradia com piscina em cima da
vinha, da destilaria e da adega.
10. Tens contas bancárias no estrangeiro?
a)
Não, ia ter na Caixa!; b) Porquê, soube-se?; c) Sugerem algum país?; d) Isso é
com o meu cunhado
11. Tens familiares no governo?
a)
Não, apenas um irmão; b) E a mulher dele, claro; c) E o meu sobrinho, mas esse
está só num gabinete; d) Já, agora, o meu mais velho tem imenso jeito para o
Ambiente
12. Tens
familiares em outros cargos de nomeação ou influência políticas?
a)
Entre um e dez; b) Entre dez e vinte; c) Tirando a TAP?; d) Todos, só o meu
mais novo é que não larga os vídeo-jogos
13. Possuis um Maserati oferecido por conta dos contratos públicos que
favoreceram o teu pai?
a)
Sim, mas só o conduzo quando o Mercedes está na oficina; b) Sim, mas se me vir
obrigado a frequentar o povo estaciono a 200 metros e vou a pé; c) Troquei pelo
SUV da Porsche; d) O meu pai é um fascista sem dinheiro nem iniciativa
14. Quantos familiares desejas empregar por aí?
a)
O meu mais velho; b) O meu mais novo; c) O meu do meio; d) Ora deixa cá ver…
15. Quando fores nomeado para o governo, como gostarias que a
propaganda te apresentasse?
a)
O detentor de um currículo à prova de bala; b) Um nome acima de qualquer
suspeita; c) Uma figura capaz de pacificar e unir o sector; d) O homem certo no
lugar certo
16. Esperas integrar o governo durante quanto tempo?
a)
Posso fazer ajustes directos logo no primeiro dia?; b) O tempo suficiente para
distribuir umas assessorias; c) Até chegar a indemnização por sair do “emprego”
anterior; d) Até garantir o “emprego” seguinte
17. Quando te
descobrirem uma ou mais tramóias vais alegar?
a)
Cabala; b) Consciência tranquila; c) A ameaça da extrema-direita; d) Ética
republicana
18. Na conferência de imprensa em que recusarás demitir-te, qual o
estilo que tencionas afectar?
a)
Calmo e confiante nas instituições; b) Indignado e de cabeça perdida; c)
Amargurado com o declínio dos valores humanistas; d) Que conferência de
imprensa?
19. No comunicado em que te demites, qual a mensagem que tencionas
transmitir?
a)
Estou disponível para cumprir a lei; b) Não sei de nada; c) A verdade virá ao
de cima; d) Não tenho de devolver os 500 mil?
20. Sendo
inevitável que recorras ao termo, como se diz “notícia falsa” em português?
a)
Fake new; b) Fakes news; c) Fake news; d) Fakes new
21. Após te demitires do governo, quais serão os teus projectos
profissionais?
a)
Aguardar quinze dias e entrar para a administração da empresa a que acabei de
conceder avultados apoios; b) Aguardar quinze minutos e entrar para a
administração da empresa a que acabei de conceder avultados apoios; c) A
presidência de uma comissão ou assim era impecável; d) O que é que se arranja?
Nota final: a única
questão decisiva é a 1., a que basta responder “Sim” para
assegurar o cargo e “Não” para se ser enxotado num ápice. As 20 questões
seguintes são, como é óbvio, meramente indicativas. Se 1. é “Sim”, então
bem-vindo, Camarada! Vamos ali ao Marcelo e assinas já.
COMENTÁRIOS DE 6
F. Mendes: Tendo o artigo
piada, ri com alguma amargura. Porque, de facto, (pelo menos) algumas das
perguntas estarão na mente de potenciais candidatos e corresponderão a
preocupações dos recrutadores do PS, estas não por razões éticas, ou
simplesmente de elementar decência, mas pelo acumular de escândalos a ritmo
inaudito. Infelizmente, o artigo mostra, de forma caricatural, uma desgraça que
se vai tornando irreversível: chegámos a um ponto em que a realidade, por
vezes, ultrapassa a ficção e o que seriam as nossas piores expectativas
sobre o comportamento abjecto destas criaturas que nos desgovernam; isto,
inevitavelmente, sob o alto patrocínio de um "pr" inconcebível, que
alinhando estupidamente nesta metodologia de "filtragem" conseguiu
descer ainda mais baixo numa prestação miserável.
Victor Victorino: Hilariante e
real.
Fernando CE: Muito bom ( o texto ). Muito mau ( o país ).
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