sábado, 7 de janeiro de 2023

Flexibilidade na contratação docente

 

Julgo que colidiria igualmente com o sentido da Justiça, que exige regras na colocação dos professores, de acordo com classificações universitárias, de estágios, tempo de ensino, etc., mas os professores que têm que se deslocar para longe das suas casas, deveriam ser favorecidos com ajudas de custo, para adquirirem uma certa acalmia na sua justa revolta. Talvez que isso ajudasse um pouco a ultrapassar a pertinência das suas reivindicações, a que uma justiça mais apoiada em factores de pertinência formativa, naturalmente se opõe.

 Os sindicatos não têm razão, mas ganharam

Eis um recuo estrondoso do governo na contratação de professores. E eis o país perante um bloqueio: se nem com uma maioria absoluta há coragem para enfrentar o imobilismo sindical, estamos tramados.

ALEXANDRE HOMEM CRISTO

OBSERVADOR, 05 jan. 2023, 00:2123

Os sindicatos de professores declararam guerra ao Ministério da Educação. Tudo por causa de uma exigência que mobilizou a contestação: travar as alterações às regras de recrutamento dos professores, que o Ministério da Educação abordou no âmbito das negociações com sindicatos, e que estes interpretaram como uma inaceitável descentralização do recrutamento. Eis o ponto central da contestação e também aquele em que o imobilismo dos sindicatos é mais contraproducente — por três motivos.

Primeiro motivo: sem flexibilidade na contratação, a rede pública pode colapsar. A falta de professores nas escolas tornou-se um problema crónico e tenderá a agravar-se. Com a previsão de 47 mil professores a aposentarem-se em cerca de 10 anos (2019-2030), as necessidades de contratação de novos professores estimam-se em 34.500 para igual período — um número muito acima dos que saem do ensino superior com cursos via ensino. Além disso, em determinadas disciplinas, a pressão para contratação será cada vez maior, sobretudo em substituições durante o decorrer do ano lectivo, por escassez de professores. A menos que a contratação docente seja flexibilizada de alguma forma, tornar-se-á cada vez mais difícil dar resposta a estas necessidades e, simultaneamente, tornar a profissão atractiva para os mais jovens.

Segundo motivo: o centralismo português na contratação docente é uma excepção no contexto europeu. Os diferentes modelos de recrutamento dos professores organizam-se à volta de três categorias: recrutamento aberto, procedimento concursal ou listas de candidatos. Em Portugal, vigora um modelo de lista de candidatos o mais centralizado e, consequentemente, aquele que menos poder de decisão entrega às escolas. Na UE, esta opção faz de Portugal um caso excepcional, uma vez que a larga maioria dos países opera com modelos de recrutamento aberto. Afinal, por que razão o recrutamento aberto seria inviável em Portugal se por toda a Europa Na prática, isso significa que as escolas ou as autoridades locais têm responsabilidades na contratação, mas sempre com os seus poderes devidamente enquadrados e regulamentados a nível central, permitindo que as decisões a nível local sejam escrutinadas e auditadas. Ambicionar uma abertura deste tipo em Portugal não é nada de excêntrico, muito menos símbolo de um retrocesso se faz?

Terceiro motivo: as escolas são diferentes entre si e os critérios de recrutamento devem respeitar essa diversidade. É uma questão de coerência de políticas públicas: não existe “a escola pública”, mas sim “várias escolas públicas” que, com projectos educativos plurais, procuram dar resposta às necessidades específicas dos seus alunos. A rede pública não é homogénea, mas sim heterogénea. De forma crescente, e seguindo orientações do Ministério da Educação, as escolas têm construído planos de acção e estratégias que vão ao encontro dessa diversidade. No entanto, esse esforço esbarra no modelo centralizado de contratação docente, que é cego para as especificidades dos professores e das escolas — impedindo que os directores escolares seleccionem professores cujos perfis estejam mais alinhados com os projectos educativos das suas escolas.

Infelizmente, os sindicatos estarem errados não impediu que o Ministério da Educação recuasse. Recorde-se que, em Setembro, o Ministro João Costa expôs as injustiças do actual modelo centralizado de contratação de professores, justificando a pertinência de o remodelar. Em entrevista, avançou mesmo com a possibilidade de 30% dos professores serem contratados directamente pelas escolas, de acordo com os perfis desejados pelos directores. Mas, ontem, o Ministro João Costa abandonou essas propostas e soou derrotadonegou qualquer intenção de descentralizar o recrutamento, desistiu da contratação de 30% dos professores pelas escolas e em função dos perfis dos docentes (era só uma opinião), e admitiu que as ideias do ministério geraram apreensão junto dos professores. Fim da história: o ímpeto reformista na educação evaporou-se.

Eis um recuo estrondoso do governo na contratação de professores. Eis uma inesperada vitória dos sindicatos de professores. E eis o país perante um bloqueio: se nem com uma maioria absoluta há coragem política para enfrentar o imobilismo sindical, estamos tramados.

COLOCAÇÃO DE PROFESSORES   EDUCAÇÃO

COMENTÁRIOS (de 23):

Filipe F: A questão é mais profunda como o cronista bem saberá, mas não terá querido abordar. Estava em causa a sobrevivência da fenprof e do partido que a controla. Os 4,5% continuam a valer muito mais do que isso, sacrificando o futuro da educação na guerra ideológica de que nunca sairão.            MCMCA > AFilipe F: Mas, há sempre um mas, em Portugal a corrupção autárquica é endémica e teremos contratações de amigos, gente do partido, amigos de amigos etc, que depois retribuirão dando boas classificações aos filhos e amigos de quem lhes arranjou o tacho. Se querem bons professores terão de começar a pagar mais porque muitos dos diplomados das nossas escolas estão a exercer tudo menos a docência. Um professor que ganhe 1200 euros/mês e tenha sido deslocado ficará com  tanto dinheiro no bolso como quem ganha o salário mínimo e muito mais cansaço físico e mental porque longe da família.                    Eduardo Rodrigues > MCMCA A: Por mais razão que possa ter, não podemos pagar mais. Pelo contrário, teremos de pagar menos e isto é uma certeza, a economia está a colapsar e com uma recessão à porta menos dinheiro haverá para o estado. Por isso teremos de reformar o ensino e fazer como qualquer país desenvolvido e adoptar o cheque ensino, o cheque saúde, etc... Tivemos as ppp da saúde que foram um sucesso face ao que temos e os contratos de associação das escolas que ficavam mais baratos por aluno que o nosso ministro da educação se gaba de gastar... Enfim... Com o socialismo é só pobreza que nos espera... Mas os mais velhos (40 anos para cima é que vão levar com isto) ... Mas ainda não sabem 😅                        Afonso Soares: Os sindicatos têm medo de quê?  Passam a vida a queixar-se mas querem que tudo continue na mesma. Aliás os portugueses em geral também pensam assim. Quem está mal que vá para a Europa onde há de facto novas oportunidades.                    Miguel Ramos: Quais sindicatos?! Eu só vejo o maior cancro do País, os comunas. Ceder um 1mm a estes párias é anti-patriótico.               Carlos Real: Nada que não seja normal em Portugal. O centralismo e o imobilismo fizeram sempre parte do ADN luso. Mais uma vez os sindicatos e os professores querem que o sistema público, que tanto dizem defender, se afunde como o SNS. De vitória em vitória até à derrota final. Os privados agradecem e o povo paga.

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