Da questão descrita no texto anterior,
de Eugénia de Vasconcellos, desta
feita da autoria de P. Gonçalo Portocarrero de Almada.
Lola e o racismo de género
Só haverá igualdade quando as pessoas
não forem preteridas, nem preferidas, em função da sua raça, cor, religião ou
opção de vida sexual.
P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA Colunista
OBSERVADOR, 28
jan. 2023, 00:1915
Conta-se
que Bernard Shaw, para a estreia de uma sua peça teatral, convidou Winston
Churchill. Enviou ao primeiro-ministro inglês dois convites: um para ele e o
outro para um amigo… se o tivesse!
Apesar
de Pedro Almodóvar, que realizou o filme ‘Tudo sobre a minha mãe’, não me ter
convidado para a representação da homónima peça, de Samuel Adamson, em exibição
no Teatro São Luís, em Lisboa, é público o ocorrido numa recente representação.
O
episódio pode ser resumido em poucas palavras: uma activista
transsexual invadiu o palco, quando intervinha uma personagem da peça, Lola,
também trans, interpretada por André Patrício, o qual não se identifica, na
vida real, com essa condição. A
intrusa acusou o referido actor de ser transfake, denominação que se atribui
a quem interpreta uma personagem transsexual, sem o ser, à imagem e semelhança
do blackface que é o “nome que é dado à representação por actores brancos de
personagens negras” (Público, 23-1-23).
Parece
ter escapado à activista que se tratava de uma representação teatral e, portanto, não era exigível a identificação
da personagem representada com a vida real do actor respectivo. Aliás, é
muito frequente, tanto no teatro como no cinema, que pessoas de uma determinada
condição sejam interpretados por actores sem essa característica: um não cego
que interpreta um invisual, ou um actor saudável que representa um autista.
Embora
não haja oposição a que um actor, ou actriz, de cor, represente uma
personagem histórica que o não seja na vida real, o contrário já não é verdade,
porque o blakface pressupõe que se está a usurpar esse papel, que deveria ser
desempenhado por quem tenha a condição étnica da personagem representada.
Compreende-se
que um Nelson Mandela loirinho e de olhos azuis talvez não seja a melhor opção
e, portanto, parece razoável exigir uma certa afinidade entre a personagem e
quem a interpreta. O que não
parece admissível é que esse critério não seja aplicado universalmente: se é
incongruente, por hipótese, um Gungunhana interpretado por um finlandês albino,
não é menos incoerente um D. Afonso Henriques negro retinto!
A
exclusão de alguém, por razão da sua raça, é, obviamente, racista e, como tal,
inconstitucional. É tanto
mais injusta quanto a sua contrária – uma pessoa de etnia não branca
representar uma personagem branca – é aceitável e até louvável, em ordem à
afirmação, certamente verdadeira, da comum dignidade e igualdade humana! Felizmente,
passou-se da injusta discriminação de alguns à igualdade entre todos, mas
agora, desgraçadamente, a mentalidade woke quer impor, de forma totalitária, um
novo racismo, pela supremacia das raças antigamente exploradas!
E, quem diz raças, diz também
‘géneros’. Com efeito, que direito tinha a dita trans que, pelos vistos, exerce
como prostituta, para interromper um espectáculo público?! Quem é ela para
decidir quem deve fazer parte do elenco da peça?! Quem a legitimou para apear o
actor André Patrício?! Quem defende e indemniza todos os que, tendo comprado o
respectivo bilhete, viram frustrado o seu direito a assistir ao espectáculo?!
Não
obstante a gravidade deste ataque contra a liberdade artística, o
pior ainda estava por vir. Com efeito,
o Teatro Municipal São Luís não
aplicou a lei, que
estabelece que, “durante a representação, exibição ou execução de
espectáculos, os espectadores devem manter-se nos seus lugares, para não
perturbarem os artistas e o público”, e ainda que, “sempre que um espectador
perturbar a realização do espectáculo, deve ser obrigado a sair do recinto, sem
direito a reembolso” (nº 1 e 2
do artigo 10º do Decreto-Lei nº 23/2014, de 14 de Fevereiro, alterado pelo
Decreto-Lei nº 90/2019, de 5 de Julho). Foi ainda mais longe, pois
teve a indignidade de substituir o actor André Patrício por uma actriz
transsexual! Só faltou que pagasse à indignada espectadora, uma indemnização de
meio milhão de euros!
Pergunta-se
então: se uma pessoa transsexual pode, impunemente,
interromper uma peça de teatro, um cristão também pode fazer o mesmo, sempre
que seja ofendida a sua fé? Se a direcção do teatro foi sensível à motivação da
espectadora trans, também o será em relação à maioritária religião dos
portugueses?! Ou, pelo contrário, sendo iguais todos os cidadãos, em questões
artísticas alguns são mais iguais do que os outros?!
Não sou, nem nunca fui,
partidário da censura, porque prefiro a liberdade de pensamento e de expressão,
também artística. Se a todos
os cidadãos deve ser reconhecido o direito à livre expressão, todos têm também
o dever de respeitar o próximo, bem como a sua opção de vida e as suas crenças
religiosas. Mas nenhum membro de uma minoria tem o direito de
impor os seus gostos, contra a liberdade dos outros. Ceder a essa ofensa
gratuita é, de facto, prostituir a liberdade artística e ser cúmplice da
chantagem das minorias.
A
este propósito, escreveu acertadamente Ana Bárbara Pedrosa, na sua página do Facebook, no passado dia 20: “Dia
após dia, a loucura ganha espaço. Os actores devem deixar de ser actores,
servindo apenas para serem eles mesmos. É o fim da representação, a vitória da
representatividade. Sob este ponto de vista, a arte é um instrumento a ser
usado para um fim pré-determinado. Deixa de existir com potencial
transformador, deixa de existir como pergunta, existe como panfleto e nada mais”. E ainda, Afonso Reis Cabral: “O teatro, a literatura e o cinema são,
para quem invade palcos por causa do ‘transfake’, um meio para atingir um fim.
A peça pode ser uma bodega, o filme deplorável, o livro uma mediocridade –
tanto faz, desde que alerte consciências e lute contra a injustiça. Desde que
os represente como acham que devem ser representados” (JN, 25-1-23). Não
se trata apenas da politização da arte, mas da sua destruição.
A opção sexual de um artista não
justifica que seja discriminado, mas também não é razão para que seja favorecido.
No entanto, um actor foi preterido por não ser transsexual, sendo substituído
por outro que o é, e esta troca, em termos éticos, é inadmissível e,
juridicamente, inconstitucional. Só haverá igualdade quando as pessoas não
forem preferidas, nem preteridas, em função da sua raça, cor, religião ou opção
de vida. André Patrício foi afastado por um motivo racista, quando o único argumento válido para
contratar, ou impugnar, um actor, é a sua arte. Para
além do racismo étnico, há que combater o racismo de género, que hierarquiza os
cidadãos em função das suas opções sexuais.
Os
activistas woke, ao se oporem ao blackface e ao transfake, também têm que ser
forçosamente contrários, por uma questão da mais elementar coerência, ao
sacerdócio feminino. O padre faz as vezes de Cristo, ou seja, representa-o e,
portanto, segundo esta ideologia, seria incongruente que esse papel fosse
entregue a alguém com uma identidade sexual que não seja a de Jesus. Mesmo não
sendo o actor igual à personagem representada, deve a ela parecer-se tanto
quanto possível: nenhum coreógrafo pede a uma mulher que faça de Romeu, nem a
um homem que represente Julieta! Portanto, ao blackface e ao transfake, há que
acrescentar o priestface!
Winston
Churchill não era homem para não reagir a uma provocação. Com o seu típico
humor, agradeceu a Bernard Shaw o duplo convite, mas disse que, como não
poderia ir à estreia, iria a uma segunda representação… se houvesse!
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LUIZ TEATRO CULTURA
COMENTÁRIOS
Rui Lima O que está a acontecer é combater um mal provocando um mal muito maior, o
racismo da seita Woke é muito mais violento e agressivo que a descriminação que
as seriam vítimas algumas minorias . É em África que há o recorde de
intolerância pela cor da pele a perseguição de pessoas com albinismo com a
passividade das autoridades locais e internacionais, temos a minoria mais
perseguida no mundo sem que isso incomode a seita do politicamente correcto. Vejo
que há crimes que são tolerados desde que o agressor pertença ao bom grupo ,
porque para eles só pode haver um tipo de culpado o homem branco .
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