quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Desconfiar de nós

 

Que nos deixamos liquidar, como bem justifica o comentador F. Mendes.

Desconfiar do futuro

Ou 2023 é o ano de afirmação do PSD no papel de líder da oposição, ou 2023 será mais um ano penoso de discursos oficiais em que nos pedirão para confiar num Portugal de futuro cada vez mais improvável

ALEXANDRE HOMEM CRISTO

OBSERVADOR, 29 dez. 2022, 00:2110

Em 2021, emigraram 66 mil portugueses, dos quais 25 mil de forma permanente. Em 2019, ainda antes da pandemia que condicionou a mobilidade da população, foram 77 mil emigrantes (28 mil permanentes). São, obviamente, números inferiores aos dos períodos de crise económica e do ajustamento financeiro (2011-2014), onde o máximo anual alcançou os 134 mil emigrantes (2014). Mas são, também, números muito superiores aos da década anterior: em 2001, emigraram 20 mil — em 2011 foram 101 mil e em 2021 os referidos 66 mil. Mesmo em anos recentes, como 2018, os números chegaram aos 82 mil emigrantes.

Mais interessante é observar as qualificações dos que emigram. Em 2014, 53% dos emigrantes tinham apenas ensino básico e 29% tinham ensino superior. Em 2019, o ano pré-pandemia para comparação, 42% dos emigrantes tinham ensino superior (e 28% tinham baixas qualificações). Ou seja, apesar de os números da emigração terem diminuído desde os anos de crise financeira, mas mantendo-se superiores aos de anos anteriores, a emigração teve uma alteração estrutural nos últimos anos: passou a ser maioritariamente mais qualificada.

Este facto tem duas leituras. Primeiro, a ausência de surpresa: a crescente qualificação da população jovem (que é a que mais emigra) teria inevitavelmente de fazer aumentar o nível médio das qualificações dos emigrantes. Segundo, a constatação de um desafio estrutural: esta oscilação não é apenas explicada pelas melhorias da qualificação da população, significando que, hoje, são sobretudo os jovens mais qualificados que não encontram, em Portugal, oportunidades profissionais que correspondam às suas formações e expectativas. Numa frase: a desconfiança no futuro surge, cada vez mais, entre jovens mais qualificados.

O discurso político está a milhas de abordar este assunto com um mínimo de seriedade, fixando-se em narrativas redondas. Há dias, o primeiro-ministro pediu-nos que tenhamos “confiança no futuro”, na sua Mensagem de Natal, na qual afirmou que Portugal está no “pelotão da frente para vencer os desafios do futuro”. Já o havia feito, por exemplo, em 2016, data em que a sua Mensagem de Natal foi filmada num jardim-de-infância, onde assinalou a aposta nas qualificações e “nos empregos de qualidade”, de modo que a geração mais qualificada de sempre não fosse “forçada a emigrar”. Aliás, podemos recuar mais ainda: em 2015, o mote da sua campanha eleitoral havia sido “é tempo de confiança”, em nome de uma “alternativa de confiança”. Toda a retórica de António Costa está alicerçada neste conceito: o PS é factor de confiança no futuro, contribuindo para o desenvolvimento social e económico do país — e, do lado oposto, a direita representa um regresso ao passado, um retrocesso e um bloqueio às aspirações de ascensão social das famílias portuguesas.

Os dados da emigração são apenas um exemplo de como este discurso político vai colidindo com a realidade. Basta olhar à volta: numa economia em perda competitiva, numa educação em que se alegam milagres durante a pandemia, numa saúde onde colapsam os serviços públicos. Enfim, já o tenho escrito tantas vezes que me escuso a repetições. O meu ponto agora é este: se estas narrativas persistem e se ainda tantos optam por acreditar nelas, validando nas sondagens um governo com inúmeras provas de incompetência, a principal conclusão a extrair daqui é a incompetência da oposição — neste caso, do PSD, maior responsável por mobilizar os eleitores para uma alternativa. É certo que a herança de Rui Rio é pesadíssima. Mas as coisas são como são: ou 2023 é o ano de afirmação do PSD no papel de líder da oposição, ou 2023 será mais um ano penoso de discursos oficiais em que nos pedirão para confiar num Portugal de futuro cada vez mais improvável.

GOVERNO   POLÍTICA   PSD   EMIGRAÇÃO   MUNDO

COMENTÁRIOS

F. Mendes: Estou de acordo com o artigo, mas este está seriamente incompleto. Esta saída de gente qualificada, não preocupa minimamente este governo, contrariamente ao discurso oficial. O programa "Regressar" é tão complicado e restritivo que os resultados são magríssimos; arrisco mesmo dizer que os que voltam, voltariam mesmo sem o programa. Falo por experiência própria e directa, com familiares. Em contrapartida, o governo actual tem promovido a imigração não qualificada, com o pretexto da falta de mão-de-obra e da crise demográfica. Isto resulta de uma estratégia sinistra por parte do PS: substituir o Povo Português por uma população oriunda dos 4 cantos do mundo, pouco educada e qualificada, sem referências, nem matriz cultural sólida (ou seja, liquidar uma Nação com nove séculos); tomar conta do estado, empobrecendo a população e tornando-a subsídio dependente; baixar o nível da educação (veja-se a queda a pique nos padrões educativos, vergonhosamente mascarada por estatísticas delirantes, ideologias de género e outras); continuar a fingir preocupação pela saída de gente qualificada; continuar a mentir, dizendo que a imigração resolve problemas económicos, quando, não resolvendo, por baixa produtividade de quem entra, cria problemas sociais e de coesão. Cereja sobre o bolo: reescrever a nossa História, querendo causar-nos vergonha, e esconder a mediocridade abjecta de quem nos desgoverna. Tudo isto para o PS se manter no poleiro. Até que as pessoas acordem, provavelmente tarde de mais. E com o prof. Marcelo, que adoraria ser presidente de Moçambique, a ajudar. E quanto ao PSD, talvez devesse pegar nalguns dos pontos que descrevo acima. Seria uma maneira de mobilizar abstencionistas e recuperar boa parte do eleitorado do CHEGA. Ainda que só isso não chegue, mas o comentário já vai longo. Pouco me importo se receber comentários de acusação de xenofobia, racismo e quejandos. Cada um que tire as suas conclusões.

João Floriano: Os discursos de António Costa estão cheios de grandes intenções que não se concretizam. Logo em 2016, Costa não perdoa a João Soares o estilo trauliteiro que usou com  Augusto Seabra e Vasco P. Valente. Disse na altura que um ministro não o deixava de ser mesmo em tertúlia à mesa do café. Por estes dias Costa irritado dispara contra a oposição, insulta à esquerda e à direita como se estivesse no balcão da tasca. «Palavra dada é palavra honrada» foi um slogan costista repetido até à exaustão. Foi mas já não é. Em Janeiro de 2022 pediu a confiança dos portugueses porque a maioria absoluta seria gerida com diálogo, dando como garantias o seu empenhamento e a vigilância do PR. Sobre o diálogo estamos conversados, sobre o PR idem. Se António Costa é o rosto desta maioria absoluta só temos motivos para desconfiar do que o futuro trará.

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