quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

On ne naît pas femme…


Não me passa pela cabeça contestar – quer do ponto de vista científico, psicológico, psicanalítico ou outro qualquer ponto da minha ineficácia demonstrativa, limitada à percepção dos sentidos, julgo, no entanto, que acrescida da corrente perceptiva que é atribuída a todo o ser humano – contestar, repito, uma tal opinião drástica mas falsa, relida já não em “Le Deuxième Sexe” mas hoje no “Tout compte fait”, da Simone de Beauvoir – de que não se nasce mulher: “on le devient”: mulher ou homem, logicamente, que são, pois, segundo a tese, produtos de uma justificação socioeducativa, formatada desde a nascença e dos brinquedos destinados ao novo ser, e que lhe determinaram as suas próprias opções de vida, incluindo as dos estudos e dos empregos, dentro dos esquemas limitativos de uma burguesia entalada nos seus convencionalismos e nos seus dogmas. Julgava eu, pois, que desde o primeiro vagido à luz do dia, ou de qualquer outra forma de iluminação do improviso humano, o sexo das criaturas se revelava nas diferenças físicas bem perceptíveis, que determinariam o encaminhamento do ser macho ou fêmea segundo as suas aptidões e educações, a força do homem impondo-se, desde sempre, em supremacia social, que limitou a mulher às tarefas caseiras, ou quaisquer outras que não rivalizassem com as competências masculinas do dirigismo político e social e até mesmo familiar. O certo é que a frase de arromba – “On ne naît pas femme, on le devient”, na sua contundência, contribuiu grandemente para o acordar definitivo para uma característica injusta que opunha socialmente os dois sexos, em questões de participação na educação e nos cargos políticos ou outros, da exclusiva competência masculina, pese embora as excepções de que o caso de Simone de Beauvoir é exemplo, quer em saliência literária, quer em realização pessoal, contrariando o dogma da mulher exclusivamente visto como peça de manutenção ou de adorno sociais, características de que as crianças hoje já não se apercebem, naturalmente, integradas numa sociedade que a todos acolhe igualitariamente, segundo se diz. Pelo menos a ocidente. As excepções confirmam a regra. Mas sempre a força criou a injustiça, Putin bem o prova nos nossos dias, o “segundo sexo” deixou de ter relevância. Serviu apenas, o tema, para uma vez mais referir uma escritora que admiro, quer na qualidade literária, quer na justeza da reflexão, quer na honestidade de abertura pessoal, de pessoa lúcida e sem trapalhadas ou rodriguinhos de escrita, escritora que sempre li com prazer, pese embora o descomunal da frase introdutória de “Le deuxième Sexe” que sempre me causou engulhos, na sua falsidade categórica, se lida “à letra”.

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