Não me passa pela
cabeça contestar – quer do ponto de vista científico, psicológico,
psicanalítico ou outro qualquer ponto da minha ineficácia demonstrativa,
limitada à percepção dos sentidos, julgo, no entanto, que acrescida da corrente
perceptiva que é atribuída a todo o ser humano – contestar, repito, uma tal
opinião drástica mas falsa, relida já não em “Le Deuxième Sexe” mas hoje no “Tout
compte fait”, da Simone de Beauvoir – de que não se nasce mulher: “on le
devient”: mulher ou homem, logicamente, que são, pois, segundo a tese, produtos
de uma justificação socioeducativa, formatada desde a nascença e dos brinquedos
destinados ao novo ser, e que lhe determinaram as suas próprias opções de vida,
incluindo as dos estudos e dos empregos, dentro dos esquemas limitativos de uma
burguesia entalada nos seus convencionalismos e nos seus dogmas. Julgava eu,
pois, que desde o primeiro vagido à luz do dia, ou de qualquer outra forma de
iluminação do improviso humano, o sexo das criaturas se revelava nas diferenças
físicas bem perceptíveis, que determinariam o encaminhamento do ser macho ou
fêmea segundo as suas aptidões e educações, a força do homem impondo-se, desde
sempre, em supremacia social, que limitou a mulher às tarefas caseiras, ou quaisquer
outras que não rivalizassem com as competências masculinas do dirigismo
político e social e até mesmo familiar. O certo é que a frase de arromba – “On
ne naît pas femme, on le devient”, na sua contundência, contribuiu grandemente
para o acordar definitivo para uma característica injusta que opunha
socialmente os dois sexos, em questões de participação na educação e nos cargos
políticos ou outros, da exclusiva competência masculina, pese embora as
excepções de que o caso de Simone de Beauvoir é exemplo, quer em saliência literária, quer em realização pessoal,
contrariando o dogma da mulher exclusivamente visto como peça de manutenção ou
de adorno sociais, características de que as crianças hoje já não se apercebem,
naturalmente, integradas numa sociedade que a todos acolhe igualitariamente,
segundo se diz. Pelo menos a ocidente. As excepções confirmam a regra. Mas
sempre a força criou a injustiça, Putin bem o prova nos nossos dias, o “segundo
sexo” deixou de ter relevância. Serviu apenas, o tema, para uma vez mais
referir uma escritora que admiro, quer na qualidade literária, quer na justeza
da reflexão, quer na honestidade de abertura pessoal, de pessoa lúcida e sem
trapalhadas ou rodriguinhos de escrita, escritora que sempre li com prazer, pese embora o
descomunal da frase introdutória de “Le deuxième Sexe” que sempre me causou
engulhos, na sua falsidade categórica, se lida “à letra”.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
On ne naît pas femme…
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