Habituada àqueles cronistas que costumam “agarrar o touro pelos cornos”,
espantou-me o texto de Fernando
Alexandre, que parece estar fora das realidades do contexto nacional,
quer em termos de governantes, quer de governados, geralmente merecendo ambos críticas
ou chufas por razões válidas, flectindo sobre o desprezo dos primeiros sobre os
segundos em questões de decência de actuação, em relação a parâmetros de
honradez e de competência, ou sobre a flacidez da musculatura dos segundos, na
aceitação desses desmandos, por uma população mergulhada no conformismo de
estreiteza de pensamento, decididamente seduzida pelo sentido argutamente esmoler
da tal governação, que defende o seu próprio tacho ao distribuir arremedos de
auxílios salariais vindos do exterior, mais do que promovendo o desenvolvimento
económico pelo trabalho justamente retribuído….
Estudar para quê?
O governo, de quem se esperam
soluções, tornou-se uma fonte de ruído e de problemas. A sociedade exige um
governo muito melhor. O Presidente da República, que vive fora da bolha, já
percebeu isso.
OBSERVADOR, 09
jan. 2023, 00:2022
Será que cada país tem o governo que
merece? A crise governativa das últimas semanas mostrou à saciedade que a
sociedade portuguesa merece um governo melhor. As sucessivas remodelações a que
o governo tem sido obrigado mostram que este não tem estado à altura das
exigências da sociedade.
O primeiro-ministro fala com frequência
da geração mais educada de sempre, mas parece não ter percebido que uma
população mais educada é também uma população mais exigente. Também os que cá
ficam, e não votam com os pés, exigem governos mais competentes. No entanto,
tal como tem acontecido com as empresas, onde as qualificações dos
trabalhadores têm evoluído mais rapidamente do que as dos gestores, também as
qualificações dos governantes parecem não estar a acompanhar a evolução das da
população. Assim, a sensação que se vai instalando é que os governos ficam
aquém daquilo que o país espera e merece.
Em março de 2022, quando António Costa
anunciou a formação do seu governo, apoiado pela maioria absoluta do Partido
Socialista, eu e outros comentadores considerámos que era um governo muito fechado sobre o seu
núcleo duro. Em muitas dimensões, fosse a nível regional ou do sector privado,
a composição do governo não representava o país. Saltava à vista que não
representava o melhor da nossa sociedade. Desde a sua formação original, as
sucessivas demissões e nomeações de secretários de estado e de ministros
oriundos da estrutura governativa ou do Partido Socialista confirmaram um
governo cada vez mais fechado na sua bolha.
A propósito das nomeações da semana
passada, muitos perguntaram se nesta altura outras personalidades, afastadas da
vida partidária, já não aceitariam fazer parte do governo. Será que António
Costa já não consegue atrair pessoas com mais talento e competência para
integrarem o governo? Será que a degradação da imagem dos governantes, para a
qual os casos recentes muito têm contribuído, afastou de vez do governo
personalidades de mérito independentes?
A meu ver, um governo com maioria
absoluta, que ainda tem quase quatro anos de legislatura para cumprir, não
teria dificuldade em atrair membros destacados da nossa sociedade. No fundo, o
primeiro-ministro está apenas a ser consistente. Desde o início, optou por
recorrer a uma base de recrutamento muito restrita. Marx terá escrito que a
quantidade gera qualidade. E, como temos visto com o atual governo, de uma
escassa base de recrutamento dificilmente resultará qualidade.
No caso das recentes nomeações, à
escassez da base de recrutamento juntou-se ainda a falta de escrutínio e
exigência nas escolhas para a participação no Governo da República. O próprio
primeiro-ministro colocou em cima da mesa a necessidade de introduzir
mecanismos de escrutínio prévio – o vetting político. No entanto, nos
casos mais sonantes das últimas semanas, o problema não foi apenas a falta de
escrutínio. Conhecendo os factos, o primeiro-ministro defendeu publicamente os
então secretários de estado Miguel Alves e Carla Alves. Veja-se, por exemplo, o
discurso do primeiro-ministro na semana passada na Assembleia da República,
defendendo a situação da secretária de Estado da Agricultura. Ou o elogio da
ministra Ana Catarina Mendes, no fim-de-semana, numa visita a Viana de Castelo,
ao ex-secretário de Estado Miguel Alves.
A defesa daqueles dois ex-governantes é
eloquente sobre o grau de exigência hoje existente para integrar o governo. No
entanto, aqueles exemplos mostram também o desligamento que existe entre o
governo e a sociedade. O primeiro-ministro tenta fugir a esta evidência
acusando os seus críticos – media, redes sociais, partidos da oposição – de
viverem eles próprios fechados numa bolha e ignorando os verdadeiros problemas
do país. Na verdade, o governo, de quem se esperam soluções, tornou-se uma
fonte de ruído e de problemas. A sociedade exige um governo muito melhor. O
Presidente da República, que vive fora da bolha, já percebeu isso.
O sucesso dos países depende da
existência de instituições que aproveitam e potenciam as melhores qualidades
dos seus cidadãos. Estes mecanismos exigem abertura, exigência e transparência
nos processos de seleção, em que o governo devia ser exemplar. Um dos efeitos
mais nefastos dos casos das nomeações e demissões dos últimos meses é a
degradação da confiança nas instituições e nos mecanismos – para usar a palavra
do primeiro-ministro sobre o escrutínio dos futuros governantes – de seleção e
promoção para os mais altos cargos na nação. Qual o papel do mérito nas
nomeações para o governo? Perante o que temos assistido, muitas famílias se
perguntarão, estudar para quê?
A exigência da sociedade por um governo
melhor não devia servir de aviso apenas ao actual governo e ao PS. Devia ser
também um referencial para os partidos da oposição, em particular para o PSD.
Este não pode ficar simplesmente à espera que chegue a sua vez de formar
governo. Tem de construir e oferecer à sociedade portuguesa um programa
alternativo, inovador e mobilizador.
CRISE
POLÍTICA POLÍTICA GOVERNO
COMENTÁRIOS (de 22)
José B. Dias: Quem
é que com uma vida profissional bem sucedida e larga experiência da vida e do
mundo se mostrará disponível - a não ser que seja masoquista ou tenha perdido o
juízo - para integrar um Governo onde passará a ganhar muito menos, deixará de
ter direito à sua privacidade, terá "Laranjos" à perna e manchetes
plenas de insinuações cujos desmentidos - a um dia surgirem - estarão em página
par interior? Quem se prestará a ter de justificar o carro que conduz, o sítio
onde mora, a escola que os filhos frequentaram ou frequentam ou os restaurantes
que escolhem para jantar? E onde qualquer reacção apenas servirá para alimentar
mais ondas de lama? No regime que foi
criado, apenas carreiristas dos partidos, sem experiência de nada que não da
luta interna por um lugar ao sol se prestarão aos enxovalhos. F. Mendes: Artigo muito fraco, o
que me surpreende dada a categoria do autor. Sem ironia. Diz Fernando
Alexandre que "o Presidente da República vive fora da bolha e já percebeu
(...) ". Eu digo: não temos PR e o personagem que habita Belém ocupa o
cargo, mas não o exerce. Mais: Marcelo vive completamente dentro de uma bolha
mediática e do que calhar, para melhor lhe encher a bolha (melhor dito, mega
bolha) do ego e da vaidade. Pior ainda: por actos e omissões é um dos artífices
maiores da nossa desgraça, dentro de bolhas e fora delas. José B. DiasMaria > Clotilde Osório: Seria bom se fosse assim tão simples ... o sistema tem vindo a
desenvolver os passos necessários para se eternizar, quer na
"educação" (vide as disciplinas obrigatórias que não passam de
doutrinação e lavagem cerebral já nem encapotada), quer na "assistência"
(transformando uma larga percentagem da população em "pedintes" do
Estado). E nem valerá a pena falar do estado da "Justiça" ou da forma
de preencher os lugares do Tribunal Constitucional ... Filipe
Brandao: A geração
mais “educada” deu a maioria ao PS, com os mesmo políticos do tempo do
Sócrates, que deixou o país na banca rota e muitos do tempo do Guterres que
deixou o país de tanga. Cheira-me que estão prontos a abandonar o navio
novamente.
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