Pobres dos
ucranianos, sujeitos primeiros a tais vandalismos, sem que dos ares desçam raios
fulminantes a limpar o sebo aos seus fautores embora se desenhem já outras
ameaças, que põem a China em lugar cimeiro de projecção no mundo…
Ucrânia e a decadência da Europa
A guerra penaliza directamente as
economias mais dinâmicas do espaço europeu. Isto além de colocar a já estagnada
principal economia europeia – a Alemanha – em risco de colapso energético e
industrial
ANDRÉ AZEVEDO ALVES. Professor do Instituto de
Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
OBSERVADOR, 20
jul 2022, 00:18
É cada vez mais claro que a decisão
de Putin de invadir a Ucrânia foi um erro grave e que, independentemente do
desfecho do conflito militar, a Rússia sairá da guerra mais pobre, debilitada e
internacionalmente desacreditada do que estava antes da invasão. Mas
infelizmente as consequências da guerra na Ucrânia deverão fazer-se sentir
muito para além das fronteiras da Rússia e da Ucrânia. Depois do impacto das políticas associadas à Covid
e da expansão monetária dos últimos anos num continente estagnado
economicamente e em declínio demográfico, uma guerra prolongada entre Rússia e
Ucrânia pode muito bem ser a garantia final da decadência da
Europa.
O
fraco dinamismo económico europeu não é novidade e as políticas motivadas pelas
restrições associadas à Covid só agravaram o problema. O expansionismo monetário dos últimos anos – mais do que o gatilho da guerra – é responsável pela subida generalizada
dos preços e respectivas consequências.
Acresce que as políticas da UE – em especial a sua teia burocrática e os
sucessivos programas de distribuição de fundos – geraram uma verdadeira
indústria de rentismo à escala europeia que desvia sistematicamente recursos das
actividades produtivas e favorece a especialização de vários sectores em rent-seeking.
A principal excepção a
este fraco dinamismo nas últimas décadas foram os países da Europa Central e de
Leste nos quais a transição do totalitarismo comunista para economias de
mercado gerou forte crescimento. Desgraçadamente
para a Europa, mesmo que se evite uma escalada do conflito, serão estes
precisamente os países mais afectados pelo prolongamento da guerra na Ucrânia. Ou
seja, a guerra penaliza directamente as economias mais dinâmicas do espaço
europeu. Isto além
de colocar a já estagnada principal economia europeia – a Alemanha – em risco
de colapso energético e industrial a curto prazo.
O Reino Unido pós-Brexit não oferece
um panorama muito mais animador. É
verdade que, em contradição directa com as previsões catastrofistas dos
eurocratas, o Reino Unido não colapsou e até se tem afirmado no
actual cenário internacional como um actor mais consistente e relevante do que a
inconsistente e por vezes risível política externa da UE. Mas é também verdade que o Reino Unido enfrenta problemas internos sérios a nível
político, económico e social e que o refúgio na esfera da Commonwealth e
nas relações directas com os EUA dificilmente será uma solução salvífica para
todos os seus problemas. Conforme
procurei explicar numa recente edição das IAN Talks com Inês
Domingos, seria
altamente desejável que tanto do lado do Reino Unido como do lado da UE fossem
adoptadas posturas mais realistas sobre as fragilidades partilhadas, os
desafios comuns e os benefícios mútuos de facilitar e aprofundar as relações
económicas no cenário pós-Brexit.
As guerras oferecem tradicionalmente
um horizonte de redenção para civilizações em decadência. Isso é inequivocamente verdade para o caso da
Rússia, mas não deve ser excluída a hipótese de o mesmo se aplicar à Europa e —
talvez — ao Ocidente como um todo. O hubris associado aos conflitos militares é geralmente mau
conselheiro e a incapacidade de estabelecer negociações sérias com vista à paz
não augura nada de bom. Pressionada pelas sanções ocidentais, pela sua própria
debilidade interna e pelos erros de Putin, a Rússia acelera a sua transição
para a esfera de influência da China, que assim soma e consolida um trunfo
significativo para a sua afirmação como potência global e alternativa ao modelo
ocidental.
Como sugere o historiador Niall Ferguson ao
reflectir sobre a política externa dos EUA e as actuais relações com a China,
talvez tenhamos algo a aprender recordando com frieza e lucidez a estratégia
de detente prosseguida pelos nos anos 1970:
“(…)
detente in the 1970s was not like appeasement in the 1930s: It successfully
avoided a world war. The more I ponder that troubled, turbulent decade, the
more I see detente as a smart solution to the mess the United States was in by
the beginning of 1969, when Richard Nixon took up residence in the White House,
with Kissinger down in the basement of the West Wing as his national security
adviser. Unable to win its war against North Vietnam, deeply divided over that
and a host of other issues, the US was in no position to play hardball with the
Soviet Union, as John Kennedy had and as Reagan would. Moreover, with a
mounting inflation problem, the US economy was in no fit state to increase
spending on defense. The
architect of detente had no illusions about the Soviets, whose cynicism and
opportunism Kissinger understood only too well. Under Nixon and Gerald Ford, he pursued detente for
two main reasons: to avoid World War III and to play for time, exploring the
possibilities of an increasingly multipolar, interdependent world. And, as
it turned out, that worked.”
Além dos seus efeitos económicos e
geopolíticos, talvez a forma mais fácil e directa de compreender a absoluta
insensatez da guerra na Ucrânia seja pensar nas dezenas de milhares de mortos
de ambos os lados, no ainda maior número de feridos e nos milhões de deslocados
num continente em declínio demográfico. Paradoxalmente, em 2022 a Europa está a
pagar os dois lados de uma guerra que aprofunda a sua decadência, infelizmente
ainda sem resolução pacífica à vista.
Ainda
que tal possa parecer uma demonstração de ingenuidade para muitos falcões da
geoestratégia de sofá, importa por isso recordar e subscrever as palavras do Papa Francisco:
“Estou
sempre próximo da martirizada população ucraniana, atingida todos os dias por
uma chuva de mísseis. Como é possível não entender que a guerra cria apenas
destruição e morte, afastando povos, matando a verdade e o diálogo? (…) Rezo e
faço votos de que todos os atores internacionais se empenhem verdadeiramente
para retomar as negociações, não para alimentar a insensatez da guerra.”
Para
todos os líderes europeus, a prioridade deve ser conseguir um cessar-fogo que
possibilite a construção de condições para a paz duradoura e reconstrução. Ter
o engenho de construir a paz o mais rapidamente possível é fundamental não
apenas para poupar o sofrimento dos inocentes e evitar riscos de escalada mas
também para tentar travar o cada vez mais notório caminho para a decadência da
Europa.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO UNIÃO
EUROPEIA
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