quarta-feira, 20 de julho de 2022

Parece evidente

Tudo o que refere o Professor André Azevedo Alves a respeito da decadência europeia subjacente a uma tal guerra porque sim, surgida no conforto e malignidade de uma figura tenebrosa, destituída de quaisquer analogias com um ser humano, rodeada, para mais de alguns espécimes de calibre paralelo, na sua animalidade absoluta, que fazem que ainda que se debele o mal primeiro, pelo castigo do opressor, outro que o substitua não aprendeu a lição e fará ainda pior, na escalada arrasadora. Tudo bate certo, a decadência é previsível, para uns como para outros, as urdiduras ruidosas romanescamente recriadas nos filmes da brutalidade física, consequente da brutalidade das recriações mentais dos seus inventores, ajudam certamente a estes cataclismos trazidos pela distorcida mente humana, para mais inspirada nas vaidades e ambições imperialistas de antecessores históricos a servir-lhes de lição.

 Pobres dos ucranianos, sujeitos primeiros a tais vandalismos, sem que dos ares desçam raios fulminantes a limpar o sebo aos seus fautores embora se desenhem já outras ameaças, que põem a China em lugar cimeiro de projecção no mundo…

 Ucrânia e a decadência da Europa

A guerra penaliza directamente as economias mais dinâmicas do espaço europeu. Isto além de colocar a já estagnada principal economia europeia – a Alemanha – em risco de colapso energético e industrial

ANDRÉ AZEVEDO ALVES. Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

OBSERVADOR, 20 jul 2022, 00:18

É cada vez mais claro que a decisão de Putin de invadir a Ucrânia foi um erro grave e que, independentemente do desfecho do conflito militar, a Rússia sairá da guerra mais pobre, debilitada e internacionalmente desacreditada do que estava antes da invasão. Mas infelizmente as consequências da guerra na Ucrânia deverão fazer-se sentir muito para além das fronteiras da Rússia e da Ucrânia. Depois do impacto das políticas associadas à Covid e da expansão monetária dos últimos anos num continente estagnado economicamente e em declínio demográfico, uma guerra prolongada entre Rússia e Ucrânia pode muito bem ser a garantia final da decadência da Europa.

O fraco dinamismo económico europeu não é novidade e as políticas motivadas pelas restrições associadas à Covid só agravaram o problema. O expansionismo monetário dos últimos anos – mais do que o gatilho da guerra – é responsável pela subida generalizada dos preços e respectivas consequências. Acresce que as políticas da UE – em especial a sua teia burocrática e os sucessivos programas de distribuição de fundos – geraram uma verdadeira indústria de rentismo à escala europeia que desvia sistematicamente recursos das actividades produtivas e favorece a especialização de vários sectores em rent-seeking. A principal excepção a este fraco dinamismo nas últimas décadas foram os países da Europa Central e de Leste nos quais a transição do totalitarismo comunista para economias de mercado gerou forte crescimento. Desgraçadamente para a Europa, mesmo que se evite uma escalada do conflito, serão estes precisamente os países mais afectados pelo prolongamento da guerra na Ucrânia. Ou seja, a guerra penaliza directamente as economias mais dinâmicas do espaço europeu. Isto além de colocar a já estagnada principal economia europeia – a Alemanha – em risco de colapso energético e industrial a curto prazo.

O Reino Unido pós-Brexit não oferece um panorama muito mais animador. É verdade que, em contradição directa com as previsões catastrofistas dos eurocratas, o Reino Unido não colapsou e até se tem afirmado no actual cenário internacional como um actor mais consistente e relevante do que a inconsistente e por vezes risível política externa da UE. Mas é também verdade que o Reino Unido enfrenta problemas internos sérios a nível político, económico e social e que o refúgio na esfera da Commonwealth e nas relações directas com os EUA dificilmente será uma solução salvífica para todos os seus problemas. Conforme procurei explicar numa recente edição das IAN Talks com Inês Domingos, seria altamente desejável que tanto do lado do Reino Unido como do lado da UE fossem adoptadas posturas mais realistas sobre as fragilidades partilhadas, os desafios comuns e os benefícios mútuos de facilitar e aprofundar as relações económicas no cenário pós-Brexit.

As guerras oferecem tradicionalmente um horizonte de redenção para civilizações em decadência. Isso é inequivocamente verdade para o caso da Rússia, mas não deve ser excluída a hipótese de o mesmo se aplicar à Europa e — talvez — ao Ocidente como um todo. hubris associado aos conflitos militares é geralmente mau conselheiro e a incapacidade de estabelecer negociações sérias com vista à paz não augura nada de bom. Pressionada pelas sanções ocidentais, pela sua própria debilidade interna e pelos erros de Putin, a Rússia acelera a sua transição para a esfera de influência da China, que assim soma e consolida um trunfo significativo para a sua afirmação como potência global e alternativa ao modelo ocidental.

Como sugere o historiador Niall Ferguson ao reflectir sobre a política externa dos EUA e as actuais relações com a China, talvez tenhamos algo a aprender recordando com frieza e lucidez a estratégia de detente prosseguida pelos nos anos 1970:

“(…) detente in the 1970s was not like appeasement in the 1930s: It successfully avoided a world war. The more I ponder that troubled, turbulent decade, the more I see detente as a smart solution to the mess the United States was in by the beginning of 1969, when Richard Nixon took up residence in the White House, with Kissinger down in the basement of the West Wing as his national security adviser. Unable to win its war against North Vietnam, deeply divided over that and a host of other issues, the US was in no position to play hardball with the Soviet Union, as John Kennedy had and as Reagan would. Moreover, with a mounting inflation problem, the US economy was in no fit state to increase spending on defense. The architect of detente had no illusions about the Soviets, whose cynicism and opportunism Kissinger understood only too well. Under Nixon and Gerald Ford, he pursued detente for two main reasons: to avoid World War III and to play for time, exploring the possibilities of an increasingly multipolar, interdependent world. And, as it turned out, that worked.”

Além dos seus efeitos económicos e geopolíticos, talvez a forma mais fácil e directa de compreender a absoluta insensatez da guerra na Ucrânia seja pensar nas dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, no ainda maior número de feridos e nos milhões de deslocados num continente em declínio demográfico. Paradoxalmente, em 2022 a Europa está a pagar os dois lados de uma guerra que aprofunda a sua decadência, infelizmente ainda sem resolução pacífica à vista.

Ainda que tal possa parecer uma demonstração de ingenuidade para muitos falcões da geoestratégia de sofá, importa por isso recordar e subscrever as palavras do Papa Francisco:

“Estou sempre próximo da martirizada população ucraniana, atingida todos os dias por uma chuva de mísseis. Como é possível não entender que a guerra cria apenas destruição e morte, afastando povos, matando a verdade e o diálogo? (…) Rezo e faço votos de que todos os atores internacionais se empenhem verdadeiramente para retomar as negociações, não para alimentar a insensatez da guerra.”

Para todos os líderes europeus, a prioridade deve ser conseguir um cessar-fogo que possibilite a construção de condições para a paz duradoura e reconstrução. Ter o engenho de construir a paz o mais rapidamente possível é fundamental não apenas para poupar o sofrimento dos inocentes e evitar riscos de escalada mas também para tentar travar o cada vez mais notório caminho para a decadência da Europa.

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