Contemporânea. Por JNP. Razões das guerras, tentativas de uns e outros para
vencer e convencer, utilizando material humano, ou material petrolífero, em
textos para reler e tentar perceber. E em meio da tormenta, um “rei” russo, que
assina um acordo e tenta de imediato destruir os meios para a concretização dele.
Dá para engasgar, embora já não espante.
Democracia e energia: Biden no Golfo
A necessidade de recuperar o apoio dos
produtores de petróleo para a cruzada das democracias liberais contra a Rússia
obrigou Biden a contradizer-se perante uma das assembleias menos liberais do
Globo
JAIME NOGUEIRA PINTO, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 23 jul 2022, 00:209
Para uma potência nem sempre é fácil harmonizar
ideologia (as convicções e princípios dominantes das suas
instituições políticas) e razão de Estado (os seus interesses nacionais).
Viu-se
isso durante a Segunda
Guerra Mundial, quando dois
Estados ideológicos, a União Soviética de Estaline e o Terceiro Reich
hitleriano, se
enfrentaram numa luta sem quartel: curiosamente, o enfrentamento viera
depois de um pacto de não-agressão que
escandalizara muitos militantes e simpatizantes de ambos os lados – o Pacto Ribentrop-Molotov. Isto em
Agosto de 1939, nas vésperas da invasão da Polónia.
Hitler, traumatizado pela memória da guerra em duas frentes,
queria estar tranquilo a Leste para enfrentar os ocidentais; Estaline esperava
que a luta entre as “potências capitalistas” as enfraquecesse e que, no final,
a Rússia comunista pudesse ser o árbitro do poder na Europa. Mas em Junho de 1941, Hitler
sucumbira à convicção de que a URSS, “governada
por judeus”, era o grande inimigo do povo alemão. Numa época
em que Estaline já eliminara a maioria dos “velhos judeus
bolcheviques”, não era um juízo muito acertado, mas Hitler achava que sim, tal como também achava que os Estados Unidos eram por eles comandados (apesar de ainda não se admitirem judeus nos clubes
restritos de Washington).
Esta política ideológica anti-semita levara o Führer a
abrir a porta à derrota, ao invadir a Rússia, rejeitando
o apoio dos ucranianos anticomunistas, prontos a marchar sobre Moscovo para
vingar os horrores sofridos na fome induzida do Holodomor. Ao contrário, Estaline, com a Rússia ameaçada de
derrota, metera o internacionalismo proletário na gaveta para apelar ao
patriotismo dos russos na defesa da pátria invadida.
A cruzada das democracias liberais
São
contradições de conveniência que não perdem a actualidade, como bem o
demonstrou o Presidente norte-americano na sua recente viagem ao Médio Oriente com visita ao Reino Saudita, que Biden, quando
candidato, definira como “Estado pária”.
Nada de mais diferente, em termos de
valores e cultura, que a monarquia teocrática saudita – um Estado com o nome de
uma família – e a república americana inspirada nas Luzes do século XVIII. No entanto,
os Estados Unidos e o Reino saudita eram velhos aliados desde que F.D.
Roosevelt negociara com o rei Saud uma aliança de interesses. Como quase sempre em quase todo o mundo, comandava
então a Realpolitik – e o deserto guardava grandes tesouros
energéticos.
Com
alguns atritos e problemas, este entendimento entre Rihad e Washington durou e
perdurou, apesar da aliança americana com Israel. E os sauditas
foram decisivos para o fim da URSS,
servindo de banqueiros dos interesses americanos em algumas da Guerra Fria – do
Afeganistão à África Subsaariana – e
inundando os mercados de petróleo barato, num tempo em que Moscovo vivia da
exportação de crude. De resto, a vitória do Ocidente deveu-se em grande
parte a alianças com Estados muito pouco liberais e democráticos, como a Arábia
Saudita e a China.
O homem forte de Rihad
O
actual homem forte da Arábia
Saudita é o
príncipe herdeiro Mohamed
bin Salman, de 36 anos, filho do rei Salman. O Rei tem 86 anos, está doente e Mohamed bin Salman é o poder de facto. Em 2018, no consulado saudita em Istambul, o escritor
e jornalista dissidente Jamal Khashoggi foi assassinado e esquartejado. Biden, na
campanha eleitoral de 2020, qualificou a Arábia Saudita de “Estado pária”,
interrompendo a política de aproximação de Trump. E, já na sua presidência, num relatório de 11 de
Fevereiro de 2021, os serviços de inteligência norte-americanos tinham
identificado Mohamed bin Salman como mandante da morte de Khashoggi,
colunista do Washington Post e residente nos Estados Unidos.
Ao
evocar razões ideológicas no conflito com Moscovo, insistindo na cruzada das
“democracias liberais” contra o “eixo do mal” das “autocracias iliberais” para
enfrentar uma Rússia que não parece muito abalada pelas sanções, Biden tenta
repetir a política da Administração Reagan, incitando os sauditas e o Médio
Oriente em geral a produzir mais petróleo para atirar para baixo os preços.
Na
viagem da semana passada, o Presidente garantiu
aos líderes do Conselho do Golfo – Arábia Saudita, Qatar, Kuwait, Bahrein, Omã
e Emirados Árabes Unidos – e aos responsáveis do Egipto, do Iraque e da
Jordânia que os Estados Unidos
não iam abandonar a região à China, à Rússia e ao Irão. O Presidente americano apelou então aos líderes
presentes que liberalizassem e democratizassem os seus países, permitindo que
os cidadãos os criticassem sem medo de punições ou represálias. Entre os
representantes ali reunidos havia sete monarcas autoritários, o general Abdel
Fattah el-Sisi do Egipto que, perante ameaça dos Irmãos Muçulmanos, dera um
golpe de Estado e substituíra o presidente eleito com a bênção dos Estados
Unidos e de outras democracias aliadas, e o primeiro-ministro iraquiano. Não
seriam a assembleia mais liberal do Globo.
A crise de credibilidade dos Estados
Unidos na região acentuou-se simbolicamente quando Obama decretou uma linha
vermelha que o sírio Assad ultrapassou.
Não lhe aconteceu o que quer que fosse e Putin salvou o regime de Damasco.
Trump conseguiu aproximar Israel dos Emirados e do
Bahrain e contribuiu para o discreto degelo entre os sauditas e Israel que o
“inimigo comum”, o Irão, estava já a causar.
A posição de Biden não é fácil: a guerra da Ucrânia, o impasse no terreno e as
sanções ocidentais à Rússia parecem estar a deixar os sancionadores, os países
europeus, à beira de uma crise energética, económica e social de graves
consequências. Para encontrar alternativas, numa altura em que são os próprios
russos a cortar fornecimentos, países como a Alemanha estão a pôr em causa a transição
energética e a reabrir
centrais de carvão. Daí
que Biden quisesse convencer os seus interlocutores árabes da OPEC a
intensificar a produção para fazer baixar os preços. Mas na quinta-feira,
21 de Julho, a Bloomberg e a Reuters noticiavam que os Estados Unidos não
esperavam para já um aumento de produção naqueles países e que o crude
continuava acima dos 100 dólares.
Contradições
Além deste insucesso, o Presidente
americano teve de mudar radicalmente de atitude em relação ao príncipe Salman.
Salman
começou por mostrar-se um autocrata
reformista – liberalizando
espectáculos, cinemas, teatros e concertos e anunciando que o Reino voltaria a
“um Islão moderado, aberto ao mundo e a todas as religiões”, com a autoridade
da temida “polícia religiosa” restringida e as normas de vestuário liberalizadas. Mais importante, fora a legislação
sobre os direitos das mulheres, que tinham passado a poder guiar e a
protagonizar sem tutela masculina uma série de actos jurídicos de família.
As
reformas de Mohamed bin Salman
não eram total novidade – o anterior rei, Abdullah, já abrira o direito de
voto às mulheres e alargara a sua esfera de acção. Só que, paralelamente a esta
modernização, o Príncipe intensificara a repressão das oposições, dos dissidentes
e dos próprios familiares, escalara a guerra no Iémen e teria mandado liquidar
Kashoggi.
Este tipo de políticas não era novo
entre os “déspotas esclarecidos”.
Daí o choque dos observadores com a informal saudação pandémica, o amistoso
“toque de punhos”, entre Biden e Mohamed bin Salman, que uns viram como uma
intimidade entre compinchas, outros como uma forma de Biden não apertar a mão a
Salman. (Segundo o New York Times, os jornalistas americanos, ao
contrário dos sauditas, não tiveram acesso a este primeiro encontro e foram os
serviços de informação sauditas que divulgaram profusamente o filme e as
fotografias do evento).
Fred
Ryan, do Washington Post, o jornal onde escrevia o desaparecido
Kashoggi, comentou que o fist bump fora pior que um aperto de
mão, “ao projectar um nível de intimidade e à-vontade” que dava a Mohamed bin
Salman a “injustificada redenção” que desesperadamente procurava.
Interrogado
pelos jornalistas, Biden afirmou que levantara o problema do assassinato de
Kashoggi no seu encontro com o Príncipe herdeiro, e que Salman lhe dissera não
ter sido pessoalmente responsável pelo crime, retorquindo-lhe o Presidente que
não acreditava nele. Mas o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Adel al
Jubeir, contrariou a versão de Biden, dizendo que o Presidente não falara do
assunto com Mohamed bin Salman e que se limitara a discorrer sobre direitos
humanos em geral.
Segundo
Peter Baker (New York Times, 15 de Julho 2022), a noiva de Kashoggi, a turca
Hatice Lengiz, reagiu no twitter às notícias do encontro, imaginando a reacção
do noivo ao comportamento do Presidente norte-americano: “É esta a
responsabilização que Biden garantiu pelo meu assassinato? O sangue das
próximas vítimas de Mohamed bin Salman está nas suas mãos”.
How true is that?
Numa
crónica para o New York Times intitulada “Biden says he confronted the
Saudi prince over Kashoggi. How true is that?”, Peter Baker conta ainda que
a Casa Branca confirmou a versão de Biden, dizendo que o ministro saudita dos
Negócios Estrangeiros mentira. No entanto, Baker não deixa de referir a tendência de Biden para efabular – “Mr. Biden is by nature a storyteller with a penchant for embellishment.” –, apresentando vários exemplos de autoatribuição de
frases corajosas em confronto com
ditadores, que
testemunhas presenciais não confirmaram.
A
crer no relato do Presidente, em Moscovo, em 2011, quando era vice-Presidente
de Obama, Biden teria, por exemplo, dito a Putin: “Estou a olhar para os
seus olhos e não creio que você tenha alma”. Várias testemunhas da conversa
não se lembram de ouvir semelhante coisa. Também em 1993, o então
senador Biden teria dito ao líder sérvio Misolevic, responsável de graves
crimes de guerra, que o considerava um “damn war criminal” que “deveria
ser julgado como tal”. Biden contou-o em livro, em 2007, mas nenhuma das
pessoas presentes no encontro se lembra de ter ouvido tal.
Histórias como esta povoam a
narrativa de um Presidente que tende a autorretratar-se como um americano
tranquilo a enfrentar os tiranos deste mundo em nome dos valores do Ocidente.
Mas, how true is that?
CRÓNICA OBSERVADOR ENERGIA ECONOMIA ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO MÉDIO ORIENTE GUERRA NA UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA
COMENTÁRIOS:
Carlos Costa: O que me deixa parvo, se já não o sou, é como
um país da dimensão dos EUA, com 300 milhões de habitantes, e não encontraram outra personagem para
presidente. Lamentável Manuel
Fernandes: Recordo uma linha do "The Hunt for
Red October" em que o personagem supostamente Secretário de Defesa dos USA
se define: " Eu sou um político. Quando não estou a dar beijinhos às
criancinhas estou a roubar-lhes o chupa chupa". Sempre achei esta definição
absolutamente definitiva. De qualquer político e, mais ainda, dos que têm poder
real. E quando consegue fazer as duas coisas ao mesmo tempo, temos o estadista.
Só que o Sleeping Joe, ou por feitio ou pela idade, atrapalha-se, rouba a
criancinha e beija o chupa chupa. Isto ainda vai acabar mal... Eduardo L: Excelente. Hitler a atacar a Rússia. Já a recusa do
envolvimento dos ucranianos, poderia ter a ver com anti-semitismo.
Que o petróleo era essencial será evidente.
Sem limitações de combustível, suspeito que Rommel teria batido Montgomery. Com
combustível limitado, Patton não poderia ter feito os seus avanços em
profundidade. Mas o que mais
me surpreende na operação Barbarossa é que Hitler, antes de invadir a Polónia,
tinha assegurado ao Estado-Maior que não faria a Wehrmacht combater em duas
frentes. Admira-me não ter havido uma revolta de altas patentes, sobretudo
depois do desaparecimento do 6º exército de von Paulus em Stalinegrado.
Fernando Carvalho: É interessante verificar a ausência, nas negociações
sobre o acordo dos cereais, dos USA. O que o Joe Biden conseguiu. Ainda não há
muito tempo tal seria impensável. Alberto Rei: Quando era miúdo lia aquelas histórias de quadradinhos
da Majora, o Patinhas, o mickey, o Nestor.. e o inventas, O Prof. Pardal. É este, é a alcunha
perfeita, vou começar a chamar o Bidé, de Prof. Pardal. João Diogo:
Mas quem acredita
no velho senil , nisso Trump tinha razão " Joe soneca ". Miguel Benis: Ainda bem que as altas
temperaturas não diminuíram a qualidade das análises políticas! José Carvalho:
Com todo o
respeito pela opinião do Dr. JNP, acho que Hitler não invadiu a URSS pelos
judeus mas sim pela indispensável energia russa. Foi também pela energia russa,
mais concretamente para reduzir as receitas da mesma, que Biden se
rebaixou com a impensável visita a Riad. Afinal para nada, talvez porque a
pregação no deserto se lhe transviou para os direitos humanos. bento guerra: Viagem inútil, de pura propaganda Rui Lima: Como é possível que Biden nada tenha aprendido com as primaveras árabes ao
pedir : “ apelou então aos líderes
presentes que liberalizassem e democratizassem os seus países” A liberdade neste países permite a conquista do
poder por grupos islâmicos radicais, na verdade o povo vota em líderes
religiosos ainda mais brutais em termos de direitos humanos, mal por mal, depois
de ver o que se passou em vários países, já chega assim .
Américo Silva: Capitalistas, liberais e
comunistas estiveram na mesma luta contra os czares, na luta pela posse da
rússia, das matérias-primas, do território, e têm tido bastante sucesso, se
virá a ser total ou não, quem viver verá. Biden é uma figura menor.
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