Desta vez com gaivotas, figuras raras de
fábula, de que ficámos a conhecer hábitos e sentimentos, numa praia real, com
fainas reais, de que se podem extrair simbolismos, em descritivo de realismo e
beleza, e evocações saudosistas de quem partiu e não esquece o seu ninho
pátrio, mau grado o que se passa no Portugal de hoje, de tristeza e medo, como,
de resto, num mundo a desfazer-se… ou talvez a reconstruir-se, na estranheza de
quem envelhece, lembrando.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 04.07.22
Choveu
durante a madrugada e os cães ainda se espreguiçavam quando me cumprimentaram.
Parece que o velho pescador mandou embora o galo-chefe que já estava um bocado
depenado e o novo líder ainda está a afinar a goela. Hoje não houve cantorias.
Galos e galarós parece estarem a medir distâncias…
Subimos
todos à duna e eles, os cães, claro, espantaram duas gaivotas que estavam por
ali alapadas. Só podia ser uma relação secreta pois os ninhos regulamentares
delas são lá em cima na arriba fóssil ou suas cercanias. Na duna é que não pode
ser nada pois não tem a segurança que elas querem para ovos e pintos. Nada
de aberturas, vale o recato e o ocultismo. Mas também porque os barcos da
arte da xávega zarpam às sete da tarde (horas a que as gaivotas começam a
pensar na deita) e arribam pela uma da manhã não dando sossego à praia, à Lota
«et pour cause» à duna e os barcos das redes fixas zarpam pelas sete da manhã e
regressam antes do meio-dia. Apesar de haver menos um barco na faina (diz-se
que está na doca seca a remendar um forte rombo provocado por marinheiro
novato), esta é uma praia buliçosa, não é para fazer ninho nem para ocultar
ilícitos. E as gaivotas fugiram. Não deu para lhes ver o rubor da
vergonha nas faces. Ou seria no bico? Não sei, não vi. Também já não vi o
pessoal que passara pelas tascas onde se vai matabichar à base de ginjinhas,
bagaços e outros «combustíveis de aquecimento central» para quem vai manhã cedo
ao mar.
Foi,
pois, em serenidade que me deixei ficar no topo da duna a olhar para nenhures…
e a pensar.
Voltei-me
para o mar e pensei no Portugal sólido que se estendia para lá das minhas
costas, pensei no Portugal líquido que se estendia à minha frente e pensei no
Portugal imaterial que enche os sonhos de tantos lusófilos espalhados por todo
o mundo… Sonhos de saudades, sonhos de um eventual regresso, sonhos de Pátria
longínqua no tempo depois duma separação ditada pelas vicissitudes da História.
Para todos, um Portugal representando uma terra prometida, uma Nação
acolhedora de milhões de sonhos urdidos em todas as longitudes e em todas as
latitudes. Sonhos tão sonhados que nem os telejornais conseguem apagar.
E
o telemóvel tocou a dizer que o pequeno-almoço de café com leite e torradas,
estava à minha espera na varanda da casa sobranceira à praia dos cães.
3
de Julho de 2022
Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Henrique Salles da Fonseca 04.07.2022 18:02:
Such strong and romantic thoughts and words on
Portugal,,,,and the sea the sands. the dogs,,,,,what beautiful writing,,,,!!!!!
Ely Ossy
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