sábado, 23 de julho de 2022

Equivalências


Forçadas, que, pressupondo a eterna semelhança do Homem, ao longo da sua História, no seu jogo de ambições de conquista, parecem excluir a evolução tecnológica como causa fundamental para a progressiva destruição – da civilização, como do planeta, o Homem certamente já impotente para uma regressão de equilíbrio e sensatez, que as descobertas científicas elevam a um patamar de louca pretensão. Por isso, parece limitado o paralelismo do Professor, que alguns comentadores criticam.  

O suicídio da civilização

O nosso problema não são as subidas de taxas de juro ou no cabaz de compras. O que nos assola são os sintomas da doença que gerou a desgraça do segundo quartel do século XX, o suicídio da civilização.

JOÃO CÉSAR DAS NEVES, Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics

OBSERVADOR, 22 jul 2022, 00:1821

A situação mundial é, de novo, crescentemente preocupante: inflação explosiva, rupturas de fornecimentos e riscos de derrocada económica. Aumentam os avisos de uma possível fome global e faltas de energia no Outono. Já nesta Primavera a carestia gerou tumultos em países como Sri Lanka, Iraque, Sudão, Albânia, etc. Num mundo ainda a sair da pior crise dos últimos 75 anos, causada por um vírus microscópico, é fácil ficar assustado. Mas o verdadeiro perigo não é nenhum destes.

Se a humanidade descrevesse o pior pesadelo da história, certamente lembraria os terríveis quinze anos de 1914 a 1929, onde a sequência da Grande Guerra de 1914-18, a epidemia da Gripe Espanhola em 1918-20 e a derrocada financeira de 1929 conduziram à calamidade global dos quinze anos de 1930 a 1945, com a devastadora Grande Depressão e a maior catástrofe da humanidade, a 2ª Guerra Mundial. Hoje, cem anos passados, os terríveis quinze anos de 2007 a 2022 repetiram a primeira sequência, na ordem inversa: à crise financeira de 2007-09 seguiu-se a pandemia COVID-19 em 2020 e a guerra na Europa em 2022, envolvendo a Rússia contra a Ucrânia apoiada pela NATO. Será exagero dizer que olhamos de novo para o abismo?

Isso chega para mostrar que o nosso problema actual não são as subidas de taxas de juro ou aumentos no cabaz de compras. Aquilo que nos assola é, um pouco por todo o lado, os sintomas da doença que gerou a desgraça do segundo quartel do século XX, a que pudemos chamar “o suicídio da civilização”. Essa pandemia é fácil de descrever: tudo começa com uma perturbação ‒ gripe, guerra, falência ou carestia ‒ que afecta gravemente as populações e deixa os governos impotentes. Perante o inegável sofrimento, a irritação dos eleitores derruba os partidos tradicionais e promove forças extremistas, de esquerda ou direita, que, sem resolver nada, acrescentam raiva, medidas abstrusas e destruição das instituições, que conduzem à desgraça.

É inegável que hoje, em quase todos os parlamentos do mundo democrático, temos cópias dos radicais de há cem anos a celebrar vitórias; não por apresentarem melhores ideias e soluções, mas porque os problemas são difíceis e os eleitores querem punir os poderosos. Até regressam os demónios dos nossos avós: é indiscutível que Trump parece Mussolini, Putin parece Hitler e Xi Jinping parece Estaline; podemos descrever inúmeras diferenças, mas as semelhanças são apavorantes.

Existe alguma credibilidade neste paralelo centenário? De facto, o mundo de 2022 pouco ou nada tem a ver com o de 1929. Cem anos depois estamos mais bem equipados tecnologicamente, mais sólidos nas nossas instituições e sobretudo mais ricos, até os mais pobres. Por isso, os sofrimentos das actuais bolhas, pandemia e guerra, mesmo dramáticos, são incomparáveis com os antigos. Os próprios clones contemporâneos das ideologias dos anos 1930 são muito menos credíveis que as originais, porque lhes falta a frescura da novidade. Dificilmente a história se repete. Apesar disso, o perigo é evidente.

Em certas dimensões, as coisas até estão piores hoje. Pela primeira vez desde 1962 uma potência nuclear ameaça outras de utilizar armas atómicas. Pela primeira vez desde 1952 um país abandonou a União Europeia e prepara-se para violar o acordo de saída. Pela primeira vez desde a fundação não existiu uma transferência pacífica de poder na presidência americana. Pela primeira vez na história do planeta a capital de um estado rico foi destruída por um furacão (Nova Orleans, 2005). Pela primeira vez na história da humanidade a maior economia do mundo é uma ditadura comunista.

Durante 75 anos após 1945 a questão central do mundo foi económica, porque o horror nuclear coibia a opção militar. Todos os países, cada um à sua maneira, investiram, comerciaram, globalizaram, desenvolveram. Mas os tumultos dos últimos quinze anos foram crescentemente desafiando essa linha. Por isso, invertendo o Burke de 1790, podemos dizer que a era dos economistas e calculadores está a acabar; a da cavalaria regressa, e a glória da Europa renasce ensanguentada.

A civilização está em risco. A única forma de a preservar é confiar nela e, perante os seus inimigos, usar meios civilizados. Diálogo, paciência, confiança, serenidade, precisamente aquilo que é mais difícil em situações destas, são a nossa única salvação. Nunca podemos, em defesa da civilização, usar os meios e a fúria dos que se lhe opõem, porque isso destrói tanto a paz quanto eles. É preciso assegurar-nos continuamente de que estamos do lado da civilização. Senão, num mundo mais rico e poderoso, a desgraça será muito maior.

ECONOMIA EM DIA COM A CATÓLICA-LISBON   OBSERVADOR   CIVILIZAÇÃO   SOCIEDADE

COMENTÁRIOS:

Nunya business: Um bálsamo, voltar a ler JCN. Sempre super interessante. E dos poucos que sempre traz perspectiva nova, não papagueia nada. Sempre gostei do que escreve este senhor. Aguardo por outros textos seus. Bem-vindo. Não sei a que o autor chama civilização, mas se por civilização entende que é a da europa e dos estados unidos é um conceito limitado de clubite  As civilizações fazem-se em várias geografias por razões ancestrais e culturais e não são uniformes como pretendem os arautos do globalismo. A imposição global de uma, acelera o processo de autofagia de todas.           Paulo Orlando: Não perfilho a análise do JCdN, mas leio com atenção tudo o que ele escreve. Este artigo dá que pensar. Eu próprio fui muitas vezes susceptível à sedução dos radicalismos e à motivação do ódio. A percepção de injustiça sobre todos os que não são portadores de talentos ou virtudes é o rastilho para a hecatombe anunciada. JCdN é um brilhante académico com uma estrutura lúcida que não é acessível aos milhares de milhões que estão condenados à nascença ao falhanço, à humilhação, à subserviência, à escravatura e à insignificância. Uma sociedade cada vez mais discriminatória, mesmo dissimulada atrás de narrativas de inclusão, só promove a raiva a todos os que sentem que ficam para trás. A civilização tem de ter a capacidade de construir sociedades equilibradas em vez de insistir no cosmopolitismo compulsivo. Não deveríamos ter de conviver com quem não suportamos. Está comprovado que as sociedades mais homogéneas mais facilmente remam no mesmo sentido enquanto sociedades heterogéneas estão mais talhadas para o conflito. A razão de existência de fronteiras pretende segregar incompatibilidades, promovendo que haja cantinhos diferentes adequados à diversidade sem que se tenha de se submeter a usos e costumes alheios.             Alexandre Barreira:O outro é que tinha razão. Adeus mundo cada vez pior.  E tudo o resto são lenga-lengas !         mais um: O grande problema da humanidade é o Ser Humano.             Paulo Salvador: excelente         Liberales Semper Erexitque: Mais um artigo do maior interesse de João César das Neves, mas com uma omissão, quanto a mim, importantíssima. Diz o autor que as ideologias comunista e fascista já não têm o charme de outrora, por já se saber ao que levam. Esquece-se no entanto da ameaça fresca que paira sobre todos nós, o "ambientalismo" e sua mecânica de pobreza em nome de planetas que cantam. O planeta não cantará de qualquer forma, mas a pobreza é para já. E os povos são chamados a fugir dos charlatães para se atirarem para aquilo que vêem como o único refúgio, a extrema-direita. Infelizmente, Trump e o ridículo "Bojo" inglês não foram o fim da História.               João Ramos:  Pela primeira vez na história da humanidade a maior economia do mundo é uma ditadura comunista.” não querendo discordar do artigo que é sem dúvida motivo de séria preocupação, mas voltando à frase entre aspas gostaria de relembrar que a China é uma ditadura comunista politicamente mas não o é em termos económicos, daí o seu enorme crescimento e isso poderá um dia traduzir-se numa tomada de consciência das populações contra o comunismo. Isto poderá ser “wishful thinking” mas oxalá…           Liberales Semper Erexitque > João Ramos: Já aconteceu em 1989. Oxalá!             Luis Martins: O mundo dá  muitas voltas e muitas vezes a civilização não aprende com os erros do passado. Por exemplo Portugal fez o 25 de Abril para depois os nossos governantes pseudo democráticos venderem em saldos as melhores empresas a uma ditadura comunista como a China? A União Europeia e os Eua andaram carradas de  anos numa guerra fria contra a Rússia e países comunistas para depois da queda do muro de Berlim e desmembramento da URSS,  terem deslocalizado a sua indústria e fábricas pada um país  com uma ditadura comunista? Fecharam os olhos a uma ditadura travestida de democracia em vigor na Rússia,  andaram a fazer grandes investimentos na Rússia para agora fugirem a sete pés da Rússia abandonado tudo com pesadas perdas financeiras,  foi preciso a ditadura nazi de Putin no dia  24 de Fevereiro invadir a Ucrânia com o objectivo de a anexar para a Europa e os EUA finalmente se aperceberem de que estavam a financiar a ditadura em vigor na Rússia? Tem alguma lógica eu  não conseguir comprar terrenos,  nem casas ou empresas na  China ou outros países como na Tailândia ou Vietname etc e eles poderem comprar tudo e mais alguma coisa em Portugal na Europa e nos EUA? Tem lógica o povo português andar sempre a votar nos mesmos bandos chamados de partidos políticos que se especializaram a assaltar o pote dos impostos e dos subsídios vindos da UE e a distribuir e criar grandes tachos para os seus militantes?         Francisco Tavares de Almeida: Não subscrevo o comentário anterior de Joaquim Lopes. Para mim João César das Neves vale sempre a pena ler mas é facto que, invariavelmente, fica sempre aquém. Também não subscrevo a análise de hoje, embora concorde com muito do cenário e quase tudo dos riscos. Mas, na sua análise, falar das diferenças entre 1929 e 2022 no que aos extremismos respeita, sem equacionar a "net" em geral e as redes sociais em particular, é mais uma vez ficar aquém.            Joaquim Lopes: ...é indiscutível que Trump parece Mussolini, Putin parece Hitler e Xi Jinping parece Estaline; podemos descrever inúmeras diferenças, mas as semelhanças são apavorantes." Indiscutível as diferenças entre os 3 ou a confusão que vai na cabeça de um indivíduo que é Professor Universitário afirmar uma barbaridade destas? Ora por este artigo, se justifica o suicídio da civilização, é por afirmações que revelam uma ignorância  que não creio existir é por escrever e o deixarem publicar este chorume, mas o seu santo espanhol não o incomoda decerto, então na linha de afirmações que fez, posso afirmar que ele é igual aos comunistas da guerra civil espanhola. Assim se faz a desgraça civilizacional, com professores universitários deste gabarito.           Fernando CE: O Homem sempre teve a tentação pelo abismo. Veremos como conseguimos sobreviver a esta nova “crise” mundial.          Alberto Rei: sabe qual é um dos problemas da civilização que não apontou ? é um país querer impor a sua vontade aos outros. é simples, esse modus operandi tem sido uma constante desde há anos a esta parte, uma vontade desmesurada de impor a vontade deles aos outros. se aceitarem os outros, e a maneira deles viverem, aqueles que o Neves diz que são os Mussolinis, o Hitler e o Estaline, talvez comecemos a ter um mundo melhor       bento guerra: Olha o Homem das Neves. Sendo ele um cristão engajado, deve acreditar que a nossa espécie e actual civilização tem uma capacidade de resiliência extraordinária."Tudo vai fica bem-whatever it takes"           Miguel Ramos: O Mundo não aguenta o stock actual de estupidez por hectare. Só há 2 soluções, educação ou eliminação selectiva dos estúpidos.            Luís Barreto: O problema maior é demográfico. Não há como viver num planeta com não sei quantos bilhões de gente.              Liberales Semper Erexitque > Luís Barreto: É um argumento com centenas de anos, esse.          Cláudio Lopes > Liberales Semper Erexitque: Tendo em conta que só chegamos ao bilhão no final do século XIX não se pode falar em centenas de anos          Liberales Semper Erexitque > Cláudio Lopes: Procure Thomas Robert Malthus, nascido em 1766. É possível que o argumento da barreira demográfica seja mais antigo ainda.             Manuel Cardozo: O problema está identificado há muito. O problema é que as soluções q existem são frágeis para não dizer falsas. Tutti fratelli aponta alguma das estratégias para sair da crise. É estranho que não fale disso. A propósito pode ler o artigo q escrevi há 15 dias no Diário de Coimbra. Talvez fique a compreender um pouco melhor.           Américo Silva: A humanidade está bem, até demais, dos desertos aos mares coalhados, dos picos montanhosos às grutas profundas, o mundo está infestado de gente, sempre e cada vez mais, uma verdadeira praga. Quem parece um pouco mal é o indivíduo, que continua a ser um cadáver adiado cada vez mais acorrentado e possuído pela sociedade.             Meio Vazio: Bem-vindo.          Rui Lima: Sem dúvida que os tempos são difíceis, há muito mais do que escreve nas sociedades ocidentais multicivilizacionais há um problema mortal a autoridade acabou, se um polícia tem uma “má origem” não tem condições para interpelar um criminoso de “boa origem “.  Hoje nos primeiros minutos de leitura da imprensa : 18 pessoas morreram esta noite na favela do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, luta entre polícia e criminosos , no Brasil a polícia morre e mata . Em França só apanha, vídeo de Lyon 3 polícias contra um muro são atacados por várias dezenas dali vão para o hospital , em Dijon foto de um polícia dá pena o estado da a sua cara … em Paris já  não é notícia sim nas pequenas cidades ainda estranham e  a imprensa regional dá a notícia . O dinheiro tem comprado a paz se acabar será a guerra civil.

 

 

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