No pessimismo da
sua análise a nosso respeito, que colheu inúmeros comentários de apoio. Sim,
identificamo-nos com o descritivo de PAULO TUNHAS, mas esquecemos a “Cantiga da Rua” do mesmo filme, que democraticamente é “independente”,
não é de ninguém, mas vai de boca em boca, generosa e alegre e não acomodada.
Quando olhamos para a imagem de um Putin, poderoso de animalidade grotesca,
ficamos menos incomodados com a nossa fraqueza a tantos níveis, e gratos por
tanta gente que temos, diferente da do retrato que nos querem impingir de nós
próprios, esses governantes, eles próprios gente feliz com lágrimas, como os governados,
mais os que se governam, neste pequeno território que nos dá o sol amado da
nossa acomodação.
A nossa alegre casinha
Marcelo dá o exemplo nos dois
sentidos. Trata-nos como crianças constantemente agraciadas com os seus
afectos. Quer-nos ver felizes. E ele próprio se comporta como uma criança (se
bem que sobredotada)
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 14
jul 2022,
Não
é a primeira vez que me apanho a pensar que devo ser um dos poucos portugueses
que não tem nacionalidade dupla – ou mesmo múltipla. Acontece-me frequentemente
quando leio o que os meus compatriotas escrevem, sobretudo sobre os Estados
Unidos. Apaixonam-se e tomam partido, como se fossem eleitores locais e,
simultaneamente, guardiões da moralidade universal. Não me refiro, é claro às
pessoas que escrevem profissionalmente sobre a matéria, das quais se pode
discordar, mas que sabem daquilo que falam – e, sobretudo, falam com
preocupação de objectividade. Refiro-me a colunistas de vária pinta que, como
eu aqui, abordam temas mais ou menos variados de semana a semana.
Nos últimos tempos a dupla
nacionalidade luso-britânica tem andado particularmente na moda, assumindo o
mais das vezes a forma de uma detestação de Boris Johnson (de quem eu, por
acaso, gosto) que se declina a partir das várias modalidades do desprezo: um palhaço,
um ignorante, um aldrabão, etc.
Que os próprios ingleses usem esses pouco simpáticos epítetos (que, de resto,
me parecem grandemente injustos), eu percebo. Apesar de tudo, foram eles que
votaram nele de forma maciça e podem-se sentir desiludidos. Agora que, aqui
neste nosso cantinho, a mesma passionalidade se manifeste, como se andássemos
todos a votar no Reino Unido, parece-me muito estranho. Nos meus momentos mais
pessimistas, atribuo a coisa a um complexo de inferioridade nacional: é como
se Portugal não merecesse atenção e fosse preciso transportarmo-nos em espírito
para outras cidadanias mais conformes às nossas elevadas ambições. A mim,
parece-me parolice, mas não desenvolvo, porque não quero ofender ninguém.
E,
no entanto, Portugal é muito interessante. É preciso que alguém o diga alto e
bom som, até que a voz lhe doa. Estou aqui para isso. Por estes dias, com
efeito, tenho-me lembrado de um episódio fascinante, que já teve lugar há uns
anos, que, na sua singeleza, sempre me pareceu digno de alguma atenção.
Lembrar-se-ão sem dúvida dele. Num concerto dos “Xutos e Pontapés”, em Julho
de 2018, o grupo foi acompanhado, em “A Minha Casinha”, por um belo naipe de
artistas convidados: Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Ferro Rodrigues,
Fernando Medina e Catarina Martins. A festa foi linda, pá. E tão mais
linda quanto a versão dos “Xutos” omitia algumas das melhores passagens da
versão original, cantada por Milú no filme de 1943 de Arthur Duarte, “O Costa
do Castelo”. Mas “a minha alegre casinha / tão modesta quanto eu” não pode ser
verdadeiramente entendida, mesmo em segundo ou terceiro ou quarto ou quinto
grau, sem a referência ao tecto “baixinho”, à “casa pequenina” e, sobretudo, e
muito sobretudo, ao doce ensinamento segundo o qual “quase sempre o lar dos
pobres / tem mais alegria”. João Silva Tavares, o autor dos versos, certamente
que assim o entendia.
À
sua maneira, também o entendem assim os artistas convidados que tanto
abrilhantaram aquela noite musical. Não o podem dizer, é claro, mas os seus
gestos não enganam. O “lar dos pobres” é para eles o lugar de excelência da
“alegria”. Da alegria da casinha da Milú ou da do “Pátio das Cantigas”, que
Francisco Ribeiro (o “Ribeirinho”) realizara no ano anterior a “O Costa do
Castelo”. Da ditadura de Salazar às várias modalidades de putativo socialismo
(chamemos-lhe assim, para simplificar) que se oferecem ao “bom povo português”
(como o General Spínola apreciava começar, com voz tremelicante, os seus
discursos), há coisas que não mudam. O povo é composto por crianças que têm
de ser convenientemente educadas. E essa educação, se elas se portarem bem, se
não fizerem asneiras, deve ser uma educação plena de afectos. Na nossa “alegre
casinha”, ou no “pátio das cantigas”, modestos, a não ser quando o Estado nos
diz que não convém ser – praticamente só no futebol -, devemos e podemos ser
felizes. Nem no Butão, que está no topo mundial dos índices de “felicidade
nacional bruta (FNB)”, há gente como nós.
Marcelo,
o cantor (também já fez um dueto televisivo com Pedro Abrunhosa), dá o exemplo. Aliás, dá o exemplo nos dois sentidos. Trata-nos
como crianças constantemente agraciadas com os seus afectos. Quer-nos ver
felizes. E ele próprio se comporta como uma criança (se bem que sobredotada)
para vermos como se deve ser. Alegra-se efusivamente, por exemplo, quando o
recebem em Copacabana com abraços e beijinhos e não vê inconveniente de maior
em que o Presidente do Brasil desmarque o almoço que com ele tinha combinado
por ele se ir entreter com o seu adversário presidencial, Lula da Silva. Se
alguma coisa, foi óptimo: “Aquilo que podia ser um amargo de boca foi uma
coisa muito doce”. Aparentemente, receber um pontapé pode ser um
pináculo de doçura. Isto já não é um mero habitante do Butão. É um super-Butão
em pessoa, e com picos que vão muito acima dos 7.000 metros do original,
exibindo uma FNB galáctica. E as “coisas muito doces” acontecem-lhe
constantemente, onde quer que esteja e o que quer que esteja a fazer: a
mergulhar na praia ou a comentar um jogo de futebol, como acontece amiúde. É
uma pena que o remake que foi recentemente feito do “Pátio das
Cantigas” não tenha incorporado uma personagem inspirada em Marcelo. Imaginem
o achado que seria. Uma pessoa põe-se logo a sonhar com as traquinices que ele
faria com o Evaristo da drogaria, tudo acabando numa selfie. Ah, que povo
tão alegre, sem quase nunca deixar de ser (e de querer ser) modesto e humilde!
É
claro que às vezes é necessário prodigalizar-lhe reprimendas e açoites.
Dizer-lhe para não comer bacalhau à Brás nas folgazonas jornadas de veraneio,
não vá a festa da “casa pequenina” acabar em vómitos e em atentado à
sobrevivência do SNS. Ou então zelar para que as crianças (isto é, todos nós)
aprendam devidamente aquilo que fazem os americanos, que, sob este aspecto
(apenas sob este aspecto, note-se), estão muito evoluídos. Quer dizer: que
aprendam a maneira correcta de falar e não digam as palavras feias de que a
história multissecular da humanidade está cheia. O bom povo não deve viver na
ignorância. Se é verdade que o saber não ocupa lugar, também o é que quem não
quer saber não tem entre nós qualquer lugar. E o único saber que conta, em
qualquer domínio que seja, é aquele que o Estado dita: sem ele, o lar dos
pobres não conhece alegria. O Ministério Público de Famalicão mostrou-o
recentemente a quem, aparentemente, deseja ser infeliz – e, se calhar, que
horror!, rico. Mas no pátio das cantigas – que é também, à sua maneira, uma
Praça da Canção – ninguém deve querer ser infeliz ou rico. Felizes e pobres é
que sim. Temos que trabalhar todos, como se um só fôssemos, para que a nossa
FNB continue himalaica.
O
que implica, claro está, que não percamos tempo com as coisas tristes da
política. Na nossa “alegre casinha”, tão bem cantada pelos ilustres artistas
convidados, essa baixeza não entra. Por exemplo, há pouco tempo, um
ministro, Pedro Nuno Santos, e o primeiro-ministro, António Costa, discordaram
ferozmente sobre a vexata quaestio da localização do novo aeroporto
de Lisboa, com despachos, revogação de despachos, entrevistas televisivas, etc.
Num outro país, com menos ambição à primazia na FNB, teria havido sangue. No
pátio das cantigas, não. O ministro, com os olhos postos nos nossos Himalaias
colectivos, e sem pensar por um só instante em si mesmo, foi, como notou o
primeiro-ministro, modesto, seguindo o conselho da canção da Milú e dos
“Xutos”. E, como na versão original, a de Milú, abriu “a porta em tom discreto”
e pediu ao “tecto tão baixinho”: «Senhor tecto, / por favor deixe-me entrar»”.
Para reforçar a ideia de que estas baixezas da política não são connosco,
António Costa decretou que aquele efémero acontecimento se tinha volatilizado
para todo o sempre e que qualquer nova conversa sobre a matéria seria espúria e
nojenta de póstuma. Decretou e decretou com fatal sucesso. A FNB é incompatível
com certos falatórios. Se até os ministros, eles que têm poder, percebem, quem
somos nós para não perceber?
Por
estas e por outras é que eu não vejo que certos espíritos de pena ágil e dada
ao aferro obstinado, precisem de sair mentalmente da pátria e desenvolver
passionalidades extravagantes no que respeita aos eleitos de outras plagas mais
fleumáticas. Portugal é tão intrinsecamente fascinante que a sorte grande
que nos saiu de vivermos neste “primeiro andar / a contar vindo do céu” poderia
perfeitamente concentrar a nossa passionalidade. Com exaltação, maravilhamento,
enlevo e doçura – e até, não fosse a danada da preocupação com a FNB, irritação
e desespero.
PRESIDENTE
MARCELO POLÍTICA CINEMA
PORTUGUÊS CINEMA CULTURA
COMENTÁRIOS:
Carlos Dias: Excelente
artigo de opinião Só posso humildemente acrescentar Quem tem um Costa Ai gosta
gosta José
Miranda: Excelente
crónica! Um presidente palhaço, um 1° ministro ilusionista de feira, um governo
mau e feio, incompetente, sempre a correr atrás do prejuízo. Finalmente, um
povo que quer viver assim, com medo que venha algo pior! José Paulo C Castro: A glorificação da pobreza é uma marca cultural
associada ao verdadeiro pecado português, o da inveja local. Não se trata da inveja de outros povos com as suas
civilizações e história económica. Trata-se da inveja do vizinho, do primo e do novo. A partir
daí, justifica-se e glorifica-se a situação como vantajosa. Se depois acertarem
na lotaria, mudam de atitude. S Belo: Um texto de excepcional
qualidade !
vitor Manuel: Soberbo, melhor seria estragar. Só de facto neste
Pátio das Cantigas à beira-mar-plantado poderia haver um Marcelo deste calibre.
Sobre o primeiro-merceeiro nada mais há a dizer tal o grau de incompetência que
desde sempre mostrou e que só um bom ambiente económico a nível mundial
permitiu camuflar, como as receitas no turismo demonstram. Sobre Marcelo,
espera-se que o futuro desvende a causa que leva o personagem a estas tristes
figuras. Aquilo não pode ser real. S Belo > vitor manuel: Infelizmente é real e
não pensemos que vai ficar por aqui. Miguel Costa: Marcelo é provavelmente dos piores presidentes
possíveis. Com os seus "afectos" promove a ideia de um estado
paternalista que trata os cidadãos como crianças emocionalmente carentes que
têm de ser guiadas pela atenção das "inteligências superiores (sobredotadas???)".
Governantes não são pais de crianças. Acreditar nisto é alimentar o
totalitarismo. Às
crianças muito pequenas é útil ter fé nos pais (e mesmo assim frequentemente
são traídas). Aos cidadãos adultos convirá portarem-se como adultos autónomos que
questionam as direcções dadas pelos outros adultos, seus pares, que quis a
Sorte ou o Azar que se tivessem tornado governantes. joão barbosa: E esta é a geração mais “preparada” de sempre. Deve
fazer exames ao domingo e nas novas oportunidades. Que tristeza! Manuel Cabral: «este “primeiro andar / a contar vindo do céu”» -
gostei especialmente desta! Abrç.º Bernardo Vaz Pinto: Isto, o país quero eu dizer, não é para levar a sério
… Rita Salgado:
Caro Paulo Tunhas, gostava imenso de ter
escrito este texto! Obrigada! Pedra
Nussapato. Como
alguém dizia algures, Boris foi um dos pontas de lança do Brexit, o evento que
mais ameaçou (e continua a ameaçar) a UE. Isso, associado um carácter, no
mínimo, duvidoso, faz com que Boris tenha colhido muita antipatia também fora
do UK. Não sei qual é a admiração do colunista. Luis Figueiredo > Pedra Nussapato: só com a diferença : foi o Blair que começou a falar
no Brexit para se sufragar no meio de uma crise parlamentar. Depois, foi o
Boris que ficou com o bebe nas mãos. Mario Areias: Excepcional texto. Maria Carreira:
Brilhante!! Joaquim Lopes:
Sobredotado? Discordo o homem lê muito
mas não apreende, acontece a alguns é o caso. Narcisista é o termo. servus inutilis > Joaquim Lopes: lê muito? nem as badanas. lê
ou treslê jornais e revistas e é um pau. Como académico é uma desgraça, mas
isso não se pode dizer. Sempre viveu das e nas televisões, e jornais. Isso é
incompatível com leitura Rolando Lima: Excelente como de costume bento guerra: Ele sabe e sempre se
considerou, muito inteligente, pelo que optou por tratar-nos como
crianças. Como temos uma comunicação que pensa o mesmo, está nas "suas
sete quintas". Os tugas gostam e merecem-no. Nunca pensei chegar ao fim
dos meus dias com tanto desdém pelos dirigentes do Estado Antonio
Bentes: Crónica antológica. Extraordinária e
que reflecte na perfeição a pequenez dos nossos governantes e do nosso povo.
Pobres mas felizes. João
FlorianoHel > Marques Marques:
Aquela plateia que Paulo Tunhas refere
na crónica, Ferro Rodrigues de quem felizmente já nos livrámos, Catarina
Martins que ainda continua a passear a sua inutilidade no Parlamento
poderão cantar o tema com uma ou outra variação. Bem vistas as coisas são eles
os criadores da nova Casa Portuguesa. Se formos ainda mais melómanos podemos
avançar com o chamado grande coro da esquerda parlamentar. Tudo devidamente
regulado pela grande batuta do maestro Marcelo Rebelo de Sousa. Ou será
batota? Américo Silva: Não sei se a casinha dos pobrezinhos é mais alegre,
mas certamente será mais fornicativa. É vê-los sem trabalhar, cheios de
filharada, a usufruir do SNS, alguns até partem tudo, é vê-los sentados nos
aviões, economizarem em banhos, sabonetes e perfumes, lançando as banhas para
cima do passageiro do lado, é vê-los arranjar as unhas no emprego e coçar a
micose, é ver os empresários do subsídio sempre insuficiente, com a casinha no
algarve, mercedes, e o pinhal na santa terrinha a arder. Alberico Lopes: Só tenho a dizer o seguinte: Fantástico! Fantástico!
Fantástico! Alexandre
Areias: Está aí tudo: o PS é o digno herdeiro
do Salazarismo provinciano, atávico e infantilizador. Só faz diferença,
realmente, no nível de incompetência, arrogância e oportunismo que, com o PS,
batem todos os recordes Carlos
Quartel: Muito bom texto, analisando a política e definindo
muito bem o povo. O ideal continua a ser a casinha, talvez já não tão baixinha
e modesta, mas com força suficiente para milhares de casais jovens hipotecarem
toda a sua vida pela santa casinha. Um empréstimo de 50 anos, que os agarra ao
chão, que nunca os deixará voar. Todo o universo gira à volta
da casa e os mais atrevidos, comprem terreno no cemitério local, para, mesmo
depois de mortos, ficarem perto dela. Constatar a ironia de, depois
de tanto bater em Salazar, vejamos os "progressistas" com narrativa
semelhante. Uns aumentos de 9 euros, uma promoção de 10 em 10 anos e aí está o
povo feliz. Sem ambições, sem projectos, elegemos contabilistas sem imaginação,
só que muito menos genuínos do que o António de Oliveira. Antonio Sennfelt: Somos tão felizes, tão felizes
que nem reparamos no pedregulho em que estamos sempre a tropeçar. Pedregulho?
Qual pedregulho? Isso não é um pedregulho mas sim um problema estrutural! A
"saúde"? Um problema estrutural! A "Justiça"? Um problema
estrutural! O deficit? Um problema estrutural! A "educação"? Um
problema estrutural! A corrupção, o compadrio, a incompetência? Meros problemas
estruturais! Até os fogos já foram promovidos a problema estrutural! De
problema estrutural em problema estrutural, a nossa felicidade não tem
limites!
Pobre Portugal: Mais: em vez de andarmos a criticar estes políticos ridículos e as suas
consequentes políticas desastrosas, temos é que analisar (no sentido clínico)
estes 10 milhões de criaturas que os querem a governar. Andrade QB: Não é impunemente que Marcelo
já veio aculturado do tempo da "velha senhora", pobres, mas
alegretes. Antes era Eusébio para alegrar os pobretes, agora é Ronaldo, mais
todos os melhores dos melhores do mundo, que Marcelo acrescenta todos os dias.
Até a morrer de Covid e sem ser do Covid, Marcelo transformou os desastrosos
resultados lusos nos melhores dos melhores do mundo. Com a popularidade que um
Presidente destes ganha, não se pode esperar muito para o país.
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