Diana Soller, na
simplicidade com que impõe verdades numa análise política bem reveladora de
fragilidades na construção europeia, em função de dependências que hoje mostram
o seu falhanço. Assustador. Dificilmente se poderá já aplicar o provérbio “Os
cães ladram e a caravana passa”. Talvez que a caravana já não passe, porque há
sempre cães que ladram, subservientes aos ossos da sua conveniência, como
alguns comentários denunciam.
A Europa não é o que a Rússia quiser
Repetir a propaganda russa, nas nossas
línguas, nos meios de comunicação social europeus não passa de antiamericano e
antieuropeísmo que não nos faz falta nenhuma.
DIANA SOLLER Colunista do Observador
OBSERVADOR, 23 jul
2022, 00:1727
Não
há outra forma de dizer: a Europa construiu a sua paz e prosperidade com base
no fornecimento de segurança por parte dos Estados Unidos e da energia barata
fornecida pela Rússia. Esta
dupla dependência foi altamente favorável para todos nós. Permitiu-nos usufruir
de décadas de paz e bem-estar inéditas na história. Foi tão favorável, que precisámos de uma guerra no
nosso continente para questionarmos os fundamentos da nossa estabilidade
confortável.
Avisos sobre o risco da dependência
da Rússia não faltaram: a Guerra da
Geórgia, a Guerra da Ucrânia de 2014 e a consequente anexação da Crimeia e o
crescente desprezo de Moscovo pela Europa, que a diplomacia russa deixou de
esconder há já vários anos.
O sentimento antieuropeu da Rússia
deve ser lido no quadro da inimizade declarada aos Estados Unidos. Teve início
unilateral em 2007 – sublinho unilateral – na Conferência de Segurança de
Munique, onde Putin declarou a sua oposição hostil à unipolaridade
norte-americana e à arquitetura de segurança europeia.
Mas
é importante ter atenção a um pormenor: da perspetiva de Putin, a Europa não tem o mesmo
estatuto que os Estados Unidos. Não
é um estado soberano e por isso nunca poderá ser uma grande potência (como
de resto a Rússia é, na perspetiva de Putin); não pode
ameaçar a Rússia porque não tem estatuto militar autónomo; não
pode ser um par da Rússia porque é uma civilização decadente nos seus valores
pós-religiosos e pós-modernos.
Por isso – e porque o excepcionalismo
russo é messiânico-conservador – a Europa está condenada política, militar e
moralmente, perante uma Rússia em plena ascensão política (soberana), cheia de
capacidade militar e moralmente superior. Pior. A Europa é
“um vassalo dos Estados Unidos”, de forma a que nem chega a ser um inimigo. Não
merece muito mais que desrespeito diplomático e desestabilização permanente.
Por ataques híbridos de vária índole, inclusive pelo apoio a “homens (e
mulheres) fortes” europeus que partilham com o Kremlin a ideia de que as
democracias liberais são regimes fracos e sem futuro.
Quanto à outra dependência, é preciso
dizer que a relação transatlântica nem sempre foi um mar de rosas. Teve momentos bastante difíceis como as divisões em
relação à Guerra do Iraque e a quase-ruptura entre a Europa e a administração
Trump. Mas
ainda assim, comparar a relação transatlântica – assimétrica é certo –
com a relação com a Rússia é não querer ver a realidade como ela é. Os Estados Unidos são nossos aliados.
A Rússia é nossa inimiga.
Foi preciso a Guerra na Ucrânia para a
Europa olhar para as suas fragilidades de sempre e começar a enfrentá-las. A
nossa dupla dependência, que nos saiu barata durante décadas e o nosso sonho
(irrealizável, de resto) de que podíamos nunca mais pegar em armas e, ainda
assim, ditar regras de bom comportamento internacional, esfumaram-se, de um dia
para o outro, porque a realidade que já era impôs-se definitivamente.
Regressar ao mundo real – o que,
na minha opinião, só faz sentido no quadro transatlântico como bem têm
entendido os líderes dos países europeus – está a ser difícil e vai ser ainda
mais. Sem provocarmos, estamos indiretamente implicados
numa guerra militar e directamente implicados numa guerra comercial que não tem
data para terminar. E dependemos do nosso inimigo.
Há muitas lições a tirar do nosso
prolongado intervalo da história. Mas há duas imediatas. A primeira é que a Europa cometeu erros, mas
não é “fantoche dos Estados Unidos”. É aliada dos Estados Unidos. Nem é uma
entidade desprezível como Moscovo quer que pensemos. E repetir a propaganda
russa, nas nossas línguas, nos meios de comunicação social europeus, não passa
de antiamericano e antieuropeísmo que não nos faz falta nenhuma.
A segunda é que a Europa terá de fazer sacrifícios e terá de ser
solidária entre si, não só porque subscrevemos e comprometemo-nos com esse
valor (que não belisca o nosso interessa nacional), mas também porque os
estados são senhores da sua soberania, mas a economia, a nossa maior frente de
batalha, está indelevelmente interligada. Quer se goste quer não.
A guerra é um daqueles momentos na
história onde não há duas oportunidades para tomar uma boa decisão. Não fizemos
nada que evitasse este conflito, não fizemos nada que atenuasse as nossas
dependências. Mas também não tomámos decisões, desde o colapso da União
Soviética, que justifiquem o comportamento da Rússia. Agora temos de viver a nossa própria circunstância. Cabe-nos fazê-lo o melhor que pudermos. Cabe aos
governos nacionais explicarem essa nova circunstância para que o apoio da
opinião pública se mantenha firme. Joga-se aqui o futuro que, certamente,
não voltará a ser o que o passado foi.
Mas que se pode fazer de liberdade e democracia, que são bens em si só. Prefiro uma ordem transatlântica a uma ordem que até
poderá ser próspera (caso a China entre na equação), mas onde os nossos
direitos individuais não são reconhecidos.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO
COMENTÁRIOS:
FC: Concordo absolutamente! Vamos é precisar de novos "governos
nacionais" que assumam uma UE verdadeiramente independente como o nosso
desígnio futuro. Vamos precisar de políticos de uma outra estirpe e deixar de
louvar os "Costas" deste mundo —a que chamamos
"habilidosos" quando não o são— que apenas vivem para os seus curtos
e muito pouco ambiciosos calendários eleitorais. E para isso precisamos de
eleitores muito mais atentos e exigentes. De meios de comunicação muito mais
aguerridos. E de preparar as próximas gerações. Para já, importa ganhar a
guerra e chamar os bois pelos nomes.
Liberales Semper Erexitque: Li o subtítulo e tive a esperança de encontrar aqui,
finalmente, alguém que repetisse a propaganda russa, à qual não tenho acesso -
nisso a Ucrânia ganhou a guerra ainda antes desta começar. Foi tempo perdido!
Vou continuar a consumir apenas propaganda ocidental, já estou habituado e já
desenvolvi anticorpos mais saudáveis do que os das "vacinas"
covinhas! Sempre que leio acerca de alguma "grande vitória" da
Ucrânia, já nem preciso de ir aos pormenores, já sei que é mais uma "peta". ………….Francisco
Tavares de Almeida > Pontifex Maximus: No plano teórico tem toda a
razão. Mas no plano prático, qual ou quais são as alternativas? O petróleo do Mar do Norte não
tem grandes reservas, tem uma extracção cara e vulnerável a acidentes
meteorológicos. Diversificar as aquisições? Gás do Qatar, da Nigéria e da
Argélia, não chega e, além da sempre possível instabilidade política desses
fornecedores, a Europa não pode garantir a segurança das rotas marítimas. Mesmo
a Inglaterra, com dois porta-aviões modernos, teve de cortar o orçamento e não
construiu os navios de apoio. Assim terá de os integrar numa força conjunta com
os americanos no âmbito do AUKUS, com a prioridade no Índico-Pacífico. França
tem um porta-aviões nuclear, o Charles de Gaulle, e os caças-bombardeiros
Rafale. À justa, se não insuficientes para as suas rotas de abastecimento
mediterrânicas. A Alemanha, cujo rearmamento ainda assusta muitos, levará
alguns anos até ter uma marinha e terá de dar prioridade ao Báltico. Petróleo é
ainda pior. Instabilidade política, fornecedores ideologica e religiosamente
hostis ao Ocidente e a concorrência fortíssima da China, que é e será o maior
importador mundial de hidrocarbonetos. Novas energias e energia verde? Poucos
sabem mas até as eólicas dependem de metais e terras raras que a Europa
simplesmente não tem e que se encontram maioritariamente na China, na Rússia e
na zona de influência desta última, especialmente na Transcaucásia. O mesmo
para carros eléctricos ou meramente "chips" de que tudo
depende e a Europa é fortemente deficitária. Excepto um ou outro
especialista isolado, ainda ninguém teve a coragem de explicar que o nuclear é
incontornável e no tempo que irá demorar a construir centrais, sobretudo a
testar e ultimar o mininuclear, ainda não operacional, ou a Europa tem o apoio
forte dos EUA ou vai passar calor no Verão e frio no Inverno. Se não passar
alguma fome pois, sem a marinha americana, a Europa não consegue por si
assegurar o fornecimento de cereais e, sobretudo de adubos. Liberales Semper
Erexitque > Pontifex Maximus: Só acabando com a NATO e
fundando uma política de defesa da UE poderemos livrar-nos dessas
"dependências". J Sm: Insistir no erro não é muito
saudável. Veja lá se percebe que a Rússia faz parte da Europa e em termos
culturais é mais Europa que a sua Europa americanizada. manuel
soares Martins: Tem toda a razão: era só o que faltava! A Europa é o
que EUA querem e mais nada! Francisco
Tavares de Almeida: É certo que a Europa dependeu dos EUA, não só na sua defesa como no
comércio. Meios de pagamento, estabilidade monetária, rotas comerciais seguras,
tudo foi assegurado e pago pelos EUA. E a energia só se manteve barata
porque os EUA, para conter a Rússia, influenciaram e mesmo intervieram junto
dos produtores do Médio-Oriente. Com energia barata, baixa despesa militar e
possibilidade de ir buscar bens e mão-de-obra onde eram mais baratos, a Europa
sustentou as suas democracias, luxos caríssimos, com despesas renovadas a cada
eleição. Pior ainda, estribada na superioridade moral de um sistema político,
em parte pago por terceiros, criticava os EUA pelo Iraque e a Rússia pela falta
de liberdade. Momentos difíceis na relação com os EUA? Haja Deus! Pior que as
críticas ao Iraque foi o escandaloso apoio de França e Alemanha a um Irão que
desesperadamente se quer nuclearizar, Pior do que o Iraque, foi a oposição e
promessas falsas à entrada da Turquia na CEE, que a foi afastando do Ocidente,
permitiu Erdogan e estava já à beira do desastre - para a Europa - quando optou
por adquirir mísseis S-400 à Rússia. A crise deu-se quando Trump verificou a
inutilidade dos avisos que vinham já muito de trás, para a Europa cumprir os
orçamentos de defesa de 2%, como acordado na NATO. Bruto e malcriado como era,
disse aos dirigentes europeus para irem tratar de vida. Na minha interpretação,
disse para crescerem, deixarem-se de idealismos juvenis, e começarem a pagar as
suas contas com dinheiro a sério e não papel saído das rotativas dos bancos
centrais e do BCE. Salvo erro em 2017/2018, começou a pressionar Merkel para
não avançar com o Nordstream-2. Em 2019, quando constatou que nada a demovia,
bruto e malcriado como era, disse que ela não servia nem para porteira de uma
das suas torres. Pessoalmente acho engraçado que em 2019, Merkel era quase
santificada e menos de três anos depois, qualquer cronista da imprensa
portuguesa já se acha no direito de a criticar e comparar a Schroeder. E já se
começa a dizer que o seu apoio è imigração também contribuiu para enfraquecer a
Europa. Menos de três anos para passar de bestial a besta. Diana Soller
conclui bem. A Europa não tem outra possibilidade e a alternativa é a
irrelevância e o empobrecimento, não para os nossos netos mas já para os nossos
filhos. Se a Europa ainda tem força anímica para esse caminho é duvidoso. Se
continuar a permitir a destruição da sua base histórica, moral e ética - a
profética judaica, a religião cristã, a filosofia grega e o direito romano -
parece-me que já não será possível. Se persistir nestas democracias
desvirtuadas em que são eleitos os que mais prometem, no fundo os que mais
mentem, e nunca ninguém é responsável, é mesmo impossível. Eduardo L: Quando é que as crianças saem
da sala e entram os adultos?? cristina
elias: Muito bom
João Ramos: Bom e realista artigo de Diana Soller, como aliás nos
tem habituado, só não vê quem não quer ou não consegue, o mundo está muito
perigoso e grande parte da culpa provém da Europa e do seu desleixo! Carlos Quartel: Um texto escorreito, sem
grandes novidades, mas com a verdade necessária. Apetece convidar os leitores
(os que o possam fazer) a ler a crónica de Miguel Sousa Tavares no Expresso. Branquear Putin e a pôr as
tintas no Ocidente, no dia em que Putin, após a assinatura do acordo a libertar
os portos ucranianos resolveu presentear os esforços de Guterres e de
Erdogan, mandando uma salva de misseis sobre o porto de Odessa, anunciada
principal via de escoamento dos cereais. Felizmente para ele, em Portugal um cronista
sobrevive, mesmo depois de uma série de disparates publicados. E sobrevive com
a imagem intocada .... Miguel
Ramos: Excelente texto,
de facto, o único caminho possível é o reafirmar da nossa aliança com os EUA. A
Rússia de Putin é um estado criminoso, castrador das liberdades e direitos
fundamentais do Homem, que não merece credibilidade nem a nossa confiança. bento guerra: Outra que deve ser paga à peça.
Vamos pedir à América que adira ao "euro"? Nelson Soares >
bento guerra: Que visão simplista (diria até
simplória) do Mundo : Os EUA mandam em tudo (excepto na Rússia e China), e quem
não partilhe uma visão anti-americana do Mundo é algum sem qualquer pensamento
critico e que repete apenas a propaganda que lhe foi incutida. Apenas um
pequeno punhado de iluminados (nos quais está incluido) anti-americanos e
anti-globalistas é imune a qualquer propaganda e fake news....Dê algum crédito
às pessoas que têm ideias diferentes das suas e não os tome por marionetas
acéfalas. bento
guerra > Nelson Soares: Eu fico na minha e você na sua que
não sei qual é).Esta Diana,do que escreve aqui e fala na televisão, não merece
um argumento João Ramosbento guerra: Pois merece muito mais que uma
pobre mente acéfala… à bon entendeur…
António Gomes > bento guerra: Mais um que continua ser pago
pelo putin... espero que lhe pague bem ou que um dia lhe ofereça uma datcha...
desde que não seja num gulag!!!
Paulo Neves: Leia o artigo de novo e se ainda não compreender,
pergunte. Nuno
Filipe; Enquanto não tivermos armas nossas em número dissuasor (inclusive ter + armas nucleares)
ninguém nos leva sério. Os americanos só continuam a “proteger” a Europa porque
lhes compramos muitos produtos (inclusivamente armas)…. José Dias:
E repetir a
propaganda ucraniana - ou, melhor dizendo, a propaganda norte-americana
difundida por ucranianos e não só - será mais exactamente o quê? CarLos > José Dias: O ataque russo ao porto de Odessa menos de 24 horas
depois de assinado o acordo é propaganda de que lado? Eu digo-lhe: é o estado
terrorista e amoral russo a mostrar a sua verdadeira face. A rússia é inimiga
da europa e de Portugal, e você, por tudo o que escreve, também. Paulo Morisson: “o excepcionalismo russo é
messiânico-conservador” mas não é só. É também um regionalismo instrumental de
algo bem mais perene e profundo: o movimento progressista/Woke/comunista. O
Império do Meio que vai assim finalmente tomar o Mundo à frente da
Internacional Comunista / Nacional Chinesa. Depois de lançar Putin aos
cães, repete-se o erro da Segunda Guerra mantendo a segunda mas principal
ditadura viva e a democracia exaurida falece aos seus pés. Ou finalmente
acordamos? Fernando
Fernandes:
Excelente artigo que retrata muito bem a apatia e condescendência com que a
Europa aceitou o regime de Putin e ajudou a enriquecer. Nada de novo, a próxima ameaça será a expansionista
China, com as suas ilhas artificiais e a ameaça constante sobre Taiwan. Estamos
avisados. Paulo Morisson > Fernando Fernandes:
A mesma conclusão em simultâneo!
Coincidência? Sim, perante o óbvio só podemos ter visões coincidentes. Fernando Fernandes > Paulo Morisson: Nem mais. Negociar com regimes autocráticos sectores
chave como energia, águas e todas as áreas de interesse nacional (exemplo os
portos) são um verdadeiro tiro no pé. Não
são parceiros comerciais, são rivais que nos vêm pilhar, sem darem nada em
troca. Que as guerras não são só bélicas. Cumps
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