Enfim, Costa tem tudo nas mãos. E aos
pés. Perfeita síntese no título da crónica de Paulo Tunhas. E na síntese em
epígrafe. Para seguir, até ver. Pouco importa, de resto. Afinal, a última
palavra estará em Putin… Ou numa União Europeia impotente. Costa conhece as linhas
com que cose. Sempre conheceu.
Estado da nação, nação do Estado
Os discursos sobrevoavam
sistematicamente a realidade, sem nunca a tocar. Com um quase virtuosismo na
matéria, só possível por uma total indiferença em relação à verdade, como
António Costa.
PAULO TINHAS OBSERVADOR,
21 jul 2022, 00:1816
Vi
ontem o debate do Estado da Nação, que foi sobretudo, como de costume, um
debate sobre a nação do Estado, que é o que Portugal é. O esforço para prestar
atenção a tudo aquilo foi propriamente desmesurado e não me perdoarei tão cedo
a decisão fatal. Nunca se deve supor uma disponibilidade de espírito que não se
tem – e foi justamente isso que eu fiz. Gostava de poder dizer que aprendi a
lição. Mas aos 62 anos estas coisas não se aprendem: sofrem-se apenas. Pathei mathos, uma ova! Não há nenhum saber novo, penosamente
conquistado, no horizonte. Só uma má recordação.
No
princípio, saltei para a Sport TV para ver o final da etapa da Volta à França,
a chegada a Peyragudes. Depois, sempre que me lembrava de alguma coisa para
fazer, aproveitava e saía a correr da sala da televisão. Arrumei várias
prateleiras. Costumo adiar estas coisas indefinidamente. Desta vez, fui lesto e
diligente. Em desespero, fui à Dona Rosália da mercearia S. Miguel comprar
víveres e, de caminho, abastecer-me com uma bebida gelada, de que bem precisava
para me animar. E, sempre que voltava ao triste poiso do sofá, as máquinas de
palavras lá estavam a falar. Falavam, falavam, com propósitos indecifráveis.
Contra todas as minhas forças, o espírito voava-me para longe. Cada vez para
mais longe. Mais umas horas e tinha saído do planeta Terra.
São
estas as notas que um cidadão comum foi tirando, arrancadas a um inominável
abismo de tédio. Vão por ordem alfabética dos nomes dos deputados e membros do
Governo que fixei.
André Ventura – Tem uma teoria: é a única oposição. É a teoria
dele e ele gosta muito dela. Gosta tanto que não cessa de a proclamar. Enquanto
o ouvia lembrei-me que me apetecia uma longa viagem à Escandinávia. Belas
paisagens, fiordes, lagos, o cisne de Tuonela, museus, etc. Aproveitava, de
passagem, para ver Hamburgo, onde nunca fui. Depois veio-me à cabeça “O Grito”
de Munch e a minha condição presente tornou-se-me clara.
António Costa – A pandemia e a guerra encontraram pela frente
a energia e a resolução do Governo e Costa soube e saberá contrariar o
“discurso do caos”, protegendo crianças e velhinhos. A resposta às “emissões
negligentes” causadoras dos fogos não tem sido, nem será, menos efectiva contra
o “discurso fatalista” dos Velhos do Restelo. Mais genericamente, o governo
encontra-se possuído por uma “agenda reformista” que tem por base uma reforma
do Estado, levada a cabo com confiança, firmeza e determinação. Venceremos mais
esta crise. O país não empobreceu. O Governo gasta uma chusma de dinheiro
connosco. Ou Malta? Também nunca fui a Malta. Li algumas coisas sobre a Ordem
de Malta. Valletta pode ser interessante. Comer-se-á bem?
Catarina Martins – A questão do empresário Mário Ferreira –
sobretudo os cruzeiros no Árctico, que julga inacreditáveis e danosos para o
planeta – interessa-lhe, tal como a Uber. Catarina é contra a “distopia
liberal”. Além de abominar os eucaliptos, é claro. A Croácia e a Bósnia
conheço, não conheço a Eslovénia. À Sérvia não me apetece ir. Vou pensar. Em
todo o caso, começa a parecer-me uma urgência.
Duarte Cordeiro – Ocupou-se das alterações climáticas. O Governo
faz tudo para proteger as nossas florestas. O que implica, como é bom de ver,
uma reforma estrutural da energia. É pelo crescimento e pela sustentabilidade.
Reformas, crescimento e sustentabilidade. Duarte Cordeiro está confiante.
Cracóvia parece que é uma linda cidade. Ah, a Polónia! Chopin, Paderewski.
Woodrow Wilson dizia que este último tinha a sensibilidade fácil. Não me
esquecer de responder aos mails deixados para trás. Amanhã.
Eurico Brilhante Dias – Está tudo a melhorar a olhos vistos. Está tudo
a melhorar a olhos vistos. Está tudo a melhorar a olhos vistos. Sempre gostei
de guias turísticos. Até tenho alguns Baedecker antigos. Não do século XIX,
exceptuando um sobre a Grã-Bretanha, mas do princípio do século XX. Aqueles da
DK, completamente diferentes, não são maus. Até gosto da fórmula. Já os Lonely
Planet são mais para jovens que têm boas pernas e querem beber uns copos
baratos longe de casa. Gente do século XXI. Eu devo ter nascido no século XIX.
Em todo o caso, sinto-me às vezes como se tivesse idade para isso. Regar os
metrosideros.
Hemiciclo –
O hemiciclo anima-se de vez em quando. Também me aconteceu a ver a Volta à
França. Ali, confesso que não percebo o ar de felicidade que por vezes banha os
deputados. E conseguem rir e bater palmas (têm a palma fácil) simultaneamente.
Chama-se a isto versatilidade. O passo seguinte é andar e mascar chiclete ao
mesmo tempo. Albânia? Dantes, havia muitos intelectuais comunistas italianos
que iam lá passar férias. Serão mesmo boas as praias? Afinal de contas, já não
é uma ditadura.
Inês Sousa Real – Luta contra os eucaliptos (com Catarina
Martins, já são duas). Os eucaliptos são a Uber exclusiva do PAN. E se os
motoristas da Uber plantassem eucaliptos? A Uber transformar-se-ia num tema
para a Inês. Não levou a bem que o ministro Duarte Cordeiro não tivesse falado
dos animais. Países bálticos? Ali no meio há Kalininegrado, a antiga Königsberg
de Kant e de E. T. A. Hoffmann, escritor fantástico e um dos maiores críticos
musicais do século XIX. Königsberg era a flor da Prússia Oriental, sobre a qual
me pus a comprar livros. O túmulo de Kant, a sua estátua e a placa na casa que
está no lugar daquela onde ele viveu, são regularmente objecto de vandalização.
Dizem que era “russófobo” (pobre Kant) e que ninguém compreende os livros dele.
Mikhail Kalinin, de onde vem o nome russo da cidade, foi Presidente do Soviete
Supremo no tempo de Estaline, célebre por ter mandado a mulher para o Gulag.
João Cotrim de Figueiredo – O PS contenta-se com o pouquinho e a
mediocridade. Por acaso, é verdade. Daí o auto-contentamento que por lá reina.
Há a Roménia, é claro. Também nunca lá fui. E também, como a Albânia, já não é
uma ditadura. Li há uns tempos um livro muito curioso sobre as pessoas que,
nesses países, são nostálgicas dos tempos das ditaduras. Tirar a limpo se o
Drácula vivia naquilo que hoje em dia é a Roménia ou se foi na actual Hungria.
Parecendo que não, pode ser importante.
Joaquim Miranda Sarmento – Os governos de Costa conduziram-nos a um cada
vez maior empobrecimento. O Governo fica com uma chusma de dinheiro nosso. As
partes da Suiça que não conheço? O problema é que a Suíça é caríssima. E o que
é que me dizem da turbulenta Tchizé dos Santos? Em Moçambique, chamam-lhe “a
princesa”. Bom, pelo menos os jornais deixaram de falar do falecido “Zédu”,
hábito que me parecia horrível. Há “apropriações culturais” que são
verdadeiramente inconvenientes.
Jerónimo de Sousa – Jerónimo é contra o domínio do grande capital
e dos grupos económicos, que obtêm lucros bilionários. Só uma política
patriótica e de esquerda, é claro, nos pode salvar. Notei que não falou de
“capitalismo de casino”, o que é sempre uma pena. A Ásia? É verdade: escrever à
Blé para lhe agradecer o envio da revista.
Luís Graça – Um senhor deputado do PS, que jura que a
cultura é o máximo, que o PS faz tudo por ela e a direita tudo contra. África?
Pedro Adão e Silva – O Governo não teme nada. Foi capaz de virar
todas as páginas: a da austeridade, a da pandemia, e por aí adiante. Dêem-lhe
um problema e o Pedro vira a página. Tirou um curso de leitura rápida e ei-lo
ministro. Tem uma doutrina sobre o que são as boas reformas e como as fazer. A
Oceânia? Mas não na Nova Guiné, que parece que ainda andam por lá antropófagos
e não me apetece acabar no papo de um papua.
Rui Tavares –
Sempre simpático, luta contra os eucaliptos (com Catarina Martins e Inês Sousa
Real, já são três). O Norte do Canadá? Rever o “Nanook” do Flaherty, sobretudo
aquela cena em que a família vai saindo toda dos fundos do kayak.
Sinceramente,
não me lembro de quatro horas tão perdidas como estas, e nos últimos tempos
tenho tido direito a várias. Juro que não me apanham outra vez numa assim. Os
discursos sobrevoavam sistematicamente a realidade, sem nunca a tocar. Com um
quase virtuosismo na matéria, só possível por uma total indiferença em relação
à verdade, como António Costa, ou com uma estranha debilidade, como Pedro Adão
e Silva. A oposição não foi menos fraca (aquela bancada do PSD, escolhida a
dedo por Rio – nem faltou aquele jovem de rabo de cavalo!). O toque na
realidade foi puramente instrumental, sem a força de uma qualquer visão que lhe
desse sentido político. Foi tudo, mesmo com aquele recurso constante ao
discurso dos “problemas estruturais”, como se nenhum problema fosse
verdadeiramente detectado. Enigmas e mistérios houve muitos.
Problemas, nenhuns. E, no entanto, são os problemas – não os enigmas e os
mistérios – que queremos ver resolvidos. Os enigmas e os mistérios não nos
fazem mal nenhum. Até nos fazem bem. O mal é eles estarem ali em vez dos
problemas. Estamos lixados.
ESTADO DA
NAÇÃO POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
Antonio Bentes: Que bela crónica e que bem fez
o Observador em apenas permitir comentários dos assinantes. Os desvairados que
por aqui vinham praticamente desapareceram. Respiram um ar mais civilizado.
: Poucos repararam mas o leque disponível de escolhas para ministro
de Costa é cada vez mais reduzido desde há uma legislatura e meia atrás. Devíamos
ter percebido a pressa de Centeno em sair para o Banco de Portugal. Com um
grupinho cada vez mais reduzido, as escolhas são o que são. Nos deputados,
então, nota-se o efeito 'capelinha privada' das distritais e concelhias deste
país. Quando algo fica tão fechado, o bolor alastra. : Quando as coisas não correm bem, há sempre espaço para umas
graçolas para acalmar a azia. As melhoras. :
O cliente têm sempre razão, e é sempre bom
vê-lo satisfeito...
: Confesso que pouca atenção prestei ao debate, mas ainda fui a
tempo de assistir à fase final com o inefável Pedro Adão. Diz-se que é o
ministro da Cultura, mas se de cultura falou, não sei… talvez dos ‘Monty
Phyton’. Mais parecia o ministro da Propaganda. Esta é de facto a nação do
Estado súcial(ista) das maravilhas onde a direita doméstica teve de recorrer ao
eufemismo para poder participar do debate político sem continuar a ser
vilipendiada como reaccionária, e coisas piores. O paradoxo que seria para a
Esquerda ter de ouvir expressões do seu universo linguístico, como
‘social-democracia’ ou ‘reformismo, pela boca da dita direita. Mas finalmente o
PS lá assumiu o ‘reformismo’, só falta dizer que é social-democrata. Coisa que
já é há muito... Infelizmente a única verdadeira oposição à Direita na AR
parece ser o «Chega!» É claro que à Esquerda do PS temos os amigos da
geringonça, mas esses sempre foram mais amigos da onça... : Obrigado ao cronista. É mesmo isto: o único efeito do debate
sobre o Estado da Nação (e só vi os resumos) é a vontade que dá de fugir para o
sítio que fique mais longe da Nação. PS: Hautacam, hoje: Imperdível! Mas na
RTP2, com o Sr. Marco Chagas (pode-se ouvir no CPU enquanto se trabalha). : Confesso que me fiquei pela Volta à França. : Malta, sem qualquer hesitação! Eu adoro tudo o que é
mediterrânico. Não perder Gozo e sobretudo Comino. Se o mar estiver picado,
ainda melhor. História por debaixo de cada pedra, uma rede pública de
autocarros que circula por toda a ilha, segurança, mar e aquelas
cidadezinhas em frente a La Valleta são deliciosas. Nada de especial no menu.
Acho que têm um coelhito bravo à caçadora que eu não experimentei. Preços muito
acessíveis. Eu adorei. Este ano vou a Dresden e Nuremberga via Berlim...... se
a TAP quiser. E já agora, André Ventura é mesmo o único que faz oposição,
espalhafatoso. é certo mas dá para irritar. Os outros nem isso fazem. Uma delícia, Malta. Ia exactamente fazer um comentário sobre a
dita, você antecipou-se 😅 Bom dia João Floriano. Tenho uma enorme curiosidade em visitar
Dresden. Bem sei que foi totalmente destruída pelos aliados no final da guerra,
ainda por cima sem qualquer necessidade estratégica militar (um crime de
guerra), depois conte qualquer coisa… Vim agora de umas férias bem burguesas em
Itália, agora vou rumar ao sul. Divirta-se e boas férias. Ah, cada vez
mais me impressiona a sua “adoração” pelo AV, é que no perfil que lhe tracei o
AV não encaixa 😁 : Também adoro Itália. Para além dos clássicos: Roma, Florença e
Veneza, os locais mais bonitos para mim são Siena, San Gimignano, Ravena
e a costa Amalfitana. Esperava mais da Sicília. Não posso deixar de
sorrir com o perfil que traçou da minha pessoa. Eu confio muito no meu sexto
sentido. Com todos os defeitos que tem identifico-me com o CHEGA. E também não
exageremos Valquíria: não tenho adoração pelo Ventura, mas aprecio o estilo,
sobretudo o ardor e nunca perder a pose quando está a ser entrevistado por
«profissionais» que o querem assustar com caras feias e juizos de valor
que não são compatíveis com o exercício de um jornalismo isento. : Partindo do principio de que o vosso diálogo não é de
"género" ,deixe-me dizer-lhe que aprecio imenso a sua postura e
atitude séria nos comentários.Tem a temperança e paciência que eu não tenho.Já
visitei todos lugares que mencionam.Dresden é a festa do barroco alemão,que os
ingleses miseravelmente destruiram,guerra acabada ,para vingar as "V2
sobre Londres".Eu não vejo o Ventura como PM ,por agora,mas é uma voz
indispensável na inação e compadrio entre políticos e comunicação :
Já que estamos em troca de galhardetes, tenho
também a declarar que gosto do seu estilo sintético e cirúrgico. Numa palavra o
Bento diz aquilo que eu digo em vinte. E mais uma vez acertou
quando destaca a importância de Ventura no momento presente: totalmente de
acordo.
: Penso que o sistema está bloqueado e que tudo isto não passa de
faz-de-conta. Com
maioria absoluta, com o PR do seu lado, por vezes até tomando atitudes e
fazendo declarações como se fosse o chefe do Governo, Costa está nas suas 7
quintas. Um cidadão consciente, inclusive, pode ter dúvidas sobre a
oportunidade da queda do PS. Tal só acontecerá se a situação se agravar de tal
modo que seja Costa a querer saltar do barco, se sentir que nada o
salva do naufrágio. E isto significa que quem pagará a fatura, como
sempre, será o povo, ironicamente, o mesmo povo que lá o pôs. Costa já está na fase de considerar ofensiva a pergunta sobre os
dinheiros para o tipo dos barcos do Douro. É ofensiva a pergunta, não é
ofensiva a atribuição da benesse. Curiosa concepção da democracia ............ : Muito bom, obrigado PT : Um Estado-narrativa, mérito dos
políticos, que a imprensa alimenta : Como popularmente se diz:
"pimba num olho"!
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