Hoje até com mais responsabilidade, se bem
que devagar ainda, por falta de brio, coisa antiga em nós, no que toca a preceitos de formação literária. O Dr Salles
preocupa-se, nós acompanhamo-lo, e muitos mais o fazem, confusos e
envergonhados, por não sermos mais enérgicos e ambiciosos em termos mentais -
não direi materiais, que nisso até acompanhamos bem o progresso de outros países, embora
sobretudo no que toca a enriquecimentos menos lícitos, diz-se por aí, porque os
que envolvem capitais lícitos são pouco estimulados por cá, em razão de os
capitalistas serem exploradores na sua maioria e todos nós engalinharmos com
isso, portanto, melhor será que não se estimulem demasiadamente as indústrias
propícias ao trabalho, sim, mas ao enriquecimento unilateral também, e, pois,
às desigualdades sociais – coisa que não acontece tanto lá fora por haver
maiores critérios distributivos, resultantes talvez da imposição mais antiga da
instrução pública em geral, e do respeito democrático em particular.
Mas de facto, o Dr. Salles conta a história da aldeia da praia dos cães com um realismo muito desagradável para nós, povo português, inscrito que está no nosso fado.
NA PRAIA DOS CÃES – 6
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,
24/7/22
Aqui,
na aldeia desta praia, tudo começou nas primeiras décadas do séc. XX com a
construção dumas cabanas de caniço e telhados feitos com ervas das dunas entrelaçadas
com mais canas. Os
homens andavam ao mar que aqui é benigno e as mulheres iam a pé pelos 14
quilómetros da praia vender o peixe na Costa de Caparica. Na volta, traziam o
que por aqui faltava. Houve quem nascesse algures no caminho, mas todas
faziam por dar à luz na Costa onde sempre havia algum apoio familiar. Hospital?
Faltaria quase um século para que aparecesse o primeiro na região. Escola?
Faltaria uma geração para que a aldeia visse uma professora.
Analfabetismo absoluto nesse
grupo de fundadores. A
primeira grande melhoria nas condições de vida foi a substituição do caniço nas cabanas pelo pau a pique com a madeira que
«sobrava» da “Mata dos Medos”, lá por cima da arriba, a fóssil. E foi nesta
escarpa que mãos e pés de gentes e mulas talharam a rampa que hoje está um primor de asfalto. E as
mulheres deixaram de ir a voltar a pé à Costa porque passaram a usar carroças.
E lá iam fazendo o seu comércio pela Charneca, pelos Capuchos e outros lugares
que hoje parecem cidades…
Esses
pioneiros «consumiram» duas gerações mas a dos que nasceram das mulheres
que corriam pela praia já deixaram os filhos «ir à escola» da professora que
alguém para cá mandou. Quem? Hoje já ninguém sabe mas eu adivinho que deve ter
sido o Almirante Tenreiro que era quem mandava nas pescas e suas gentes. A
escola era uma cabana de pau a pique e a professora tinha como missão principal
ensinar a ler, a escrever e a contar todos aqueles que quisessem aprender,
crianças ou adultos. Só se apresentaram crianças pelo que ainda foi possível
ensinar a tabuada e a fazer algumas contas – as de dividir… não mereceram a
simpatia generalizada. A conjugação dos verbos também não foi possível
ensinar. Mas, convenhamos, a escola foi um grande progresso e a
nova geração ficou alfabetizada. Já não há memória de quando a professora
deixou de aparecer e a escola acabou na aldeia.
Já
os cravos da revolução tinham murchado quando a aldeia viu a luz eléctrica da
rede geral e então, sim, iluminaram-se os espíritos com acesso regular à rádio,
à televisão e, enfim, ao mundo. Desta geração iluminada, a maioria frequentou o
ensino secundário com mais ou menos sucesso e há dois ou três casos de
licenciaturas universitárias.
Mas,
de um modo geral, o vocabulário é limitado, os verbos pouco mais têm do que o Presente
do Indicativo, os centros de interesse são, de um modo geral, a pesca, o
futebol e a vida local. Sintaxe? Sim, a de ouvido. Linguagem simples, rarefação
de raciocínios especulativo-conclusivos.
E a pergunta é: - Sobreviverá a
aldeia se a sua população se promover cultural e profissionalmente?
A minha resposta é: - A aldeia
sobreviverá, certamente, mas com um modelo económico e social completamente
diferente do actual: a pesca passará a ser folclore para entreter turistas à
semelhança do que, tendencialmente, acontecerá em todo o litoral português. O
peixe virá das aquaculturas instaladas pelas grandes redes comerciais. Tudo,
porque o método de formação dos preços na primeira venda é um primor de absurdo
com o risco todo concentrado na oferta e o lucro todo do lado da procura. RIP
pescas portuguesas.
COMENTÁRIOS
Nenhum comentário:
Postar um comentário