quinta-feira, 14 de julho de 2022

Um cheirinho a Camões


Arriscado apresentar, sem confirmação de autoria, o soneto atribuído a Camões, segundo notícia que me foi enviada pelo Ricardo e que me apressei a transcrever, lamentando a omissão do soneto. Na ânsia de uma notícia que dele desse conta, consultei a Internet, mas apenas vi que a notícia foi publicada “há 6 horas”, segundo o apontamento seguinte:

 

 «Poema inédito de Luís de Camões é descoberto em biblioteca https://www1.folha.uol.com.br › ilustrada › 2022/07

há 6 horas — O investigador também declarou à Lusa, que, há uns anos, descobriu o poema "Leite da Virgem", também atribuído ao maior poeta épico da língua ...»

 

Eis o texto que me enviou o Ricardo, que agradeço, o qual, a par de alguns dados sobre Camões, refere igualmente  dados pessoais de Nuno Miguel Júdice, como autor consagrado e premiado:

 

«Descoberto soneto inédito de Luís de Camões

13 jul 2022 18:07 • Vida • MadreMedia / Lusa

O poeta, professor e investigador Nuno Júdice disse hoje à agência Lusa ter descoberto um soneto de Luís de Camões, “Cristo Atado à Coluna”, num manuscrito datado de 1666, editado por Manuel de Faria, no século XVIII.»

 

TIAGO PETINGA/LUSA

«Nuno Júdice afirmou que o poema é atribuído a Camões e a autoria não lhe suscita dúvidas, apesar de uma possível edição implicar “o trabalho de especialistas”.

O manuscrito foi encontrado pelo investigador na Biblioteca Digital Hispânica, onde se encontram vários outros poetas “do barroco, que merecem ser mais bem estudados”.

Nuno Júdice salientou que esta sua descoberta demonstra “que há ainda muito por revelar nas bibliotecas e por estudar e dar o devido valor”, na área da literatura.

É uma esperança para os investigadores”, disse o também director da revista Colóquio Letras da Fundação Calouste Gulbenkian, referindo que “não está tudo estudado ou descoberto”, profetizando que há território literário por desvendar.

Referindo-se ao poema, Júdice disse que Manuel de Faria “foi o primeiro editor a sério de Camões”, no século XVII, e não seria este soneto que tornaria Camões um poeta maior e tão conhecido.

Esta poema, segundo Nuno Júdice, “desenvolve uma ideia nada ortodoxa”, com o catolicismo vigente na época, já que Camões argumenta que o amor liberta.

Segundo o investigador, neste soneto, Camões afirma que “Cristo é torturado e chicoteado, mas liberta-se pelo amor à humanidade”.

Camões recupera a ideia do “cárcere por amor”, que tinha sido já desenvolvida pelo poeta Diego San Pedro (1437-1498), autor de “Cárcel de Amor”.

O soneto foi escrito em língua portuguesa.

Refira-se que Camões escreveu também em castelhano e, neste período, dois países ibéricos estavam unidos sob a mesma coroa, o que facilitou a circulação de ideias.

A denominada “monarquia dual” vigorou de 1581 até 1640.

Luís de Camões, de vida incerta, terá nascido em Lisboa, em 1524, cidade onde morreu em 1579 ou 1580, tendo recebido uma reduzida tença do Rei Sebastião pela escrita do poema épico “Os Lusíadas”, publicado em 1572.

Camões é ainda autor de vários poemas, como redondilhas, rimas e sonetos, e de teatro, como “Auto d’El Rei Seleuco”, “Filodemo” e “Anfitriões”.

A sua poesia foi cantada por Amália e José Afonso, entre outros.

O poeta encontra-se sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, apesar de suscitar algumas dúvidas aos académicos que seja o seu corpo que se encontra na urna de pedra.

Não é a primeira vez que Nuno Júdice 'se encontra' com Camões.

O investigador contou à Lusa, que, há uns anos, descobriu um poema atribuído ao épico, “Leite da Virgem”, que entregou aos cuidados da especialista camoniana Fiama Hasse Pais Brandão, que, entretanto morreu em 2007.

Poeta, ensaísta e ficcionista, Nuno Júdice, 73 anos, foi, até 2015, professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Júdice desempenhou o cargo de director da revista literária Tabacaria (1996-2009), foi comissário para a área da Literatura da representação portuguesa na 49.ª Feira do Livro de Frankfurt.

Desempenhou funções como conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em França (1997-2004) e diretor do Instituto Camões em Paris.

Organizou a Semana Europeia da Poesia, no âmbito da Lisboa'94 - Capital Europeia da Cultura.

Actualmente, dirige a Revista Colóquio-Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian.

Literariamente, estreou-se em 1972 com o livro de poesia "A Noção de Poema".

Ao longo da carreira literária, Nuno Júdice tem sido distinguido com diversos prémios, os quais o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, em 2013, o Prémio Pen Clube, o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus.

Recebeu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, por "Meditação sobre Ruínas", finalista do Prémio Europeu de Literatura

 

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Finalizo com um cheirinho de Camões, génio literário, com um soneto de perfeição clássica, no qual considera, lapidarmente, as manigâncias do destino humano, que eternamente são causa de espanto, pelo contraste entre o mérito e a sorte de cada um, que levam à desistência de se entender, e à adopção final da Fé, silenciando qualquer resquício de revolta, na incompreensão do desconcerto – tema igualmente ironizado por um Pessoa, cujo Cristo, contudo, “não percebia nada de finanças, nem consta que tivesse biblioteca”. 

 “Verdade, Amor, Razão e Merecimento”


Verdade, Amor, Razão, Merecimento,

qualquer alma farão segura e forte;

porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte,

têm do confuso mundo o regimento.

 

Efeitos mil revolve o pensamento

e não sabe a que causa se reporte;

mas sabe que o que é mais que vida e morte,

que não o alcança humano entendimento.

 

Doutos varões darão razões subidas,

mas são experiências mais provadas,

e por isso é melhor ter muito visto.

 

Cousas há i que passam sem ser cridas

e cousas cridas há sem ser passadas,

mas o melhor de tudo é crer em Cristo.

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