Nada de compromissos. Muito espinhoso o
que se pede. Será que iria a tempo de mudança nos costumes? As palavras valem o
que valem, num país pouco habituado à transparência nas acções que põem,
habitualmente, a Justiça em rebuliço…
OPINIÃO
A quarta figura do Estado
Em 2021, é inconcebível que o
presidente do Supremo Tribunal de Justiça seja eleito sem programa, sem debate
e escrutínio público, por um colégio de 63 colegas, em ambiente fechado à
sociedade, com base em critérios de conhecimento e preferência pessoal.
PÚBLICO, 5 de Maio de 2021
Estamos à beira da eleição do 40.º
presidente do Supremo Tribunal de
Justiça (STJ), quarta figura protocolar do Estado e
primeira da Justiça. O
STJ abriu portas em 23 de Setembro de 1833,
em plena guerra civil entre absolutistas e liberais, pela mão
do grande reformador Mouzinho da Silveira, e foi instalado no terceiro
quarteirão dos edifícios pombalinos da Praça do Comércio, onde ainda se
encontra. No dia da posse do primeiro
presidente, José da Silva Carvalho –
um filho de lavradores pobres da aldeia de Vila Dianteira –, a
população foi convidada a entrar e assistir ao acto solene para romper
simbolicamente com o secretismo que cobria o exercício da justiça. 188
anos depois, ainda há secretismos para romper.
Em
18 de Setembro de 2018, quando foi eleito presidente António Piçarra,
que agora cessa funções, afirmei
publicamente que se tratava de “um juiz muito competente, muito
reconhecido pelas suas qualidades, um juiz independente, frontal, corajoso, que
diz o que tem a dizer quando acha que deve ser dito”, e que esperava dele mais
visibilidade, mais intervenção e mais proximidade dos portugueses. Não me
enganei. Sem prejuízo de algumas
divergências, é justo reconhecer que o presidente cessante percebeu melhor que
os seus antecessores a necessidade de estar presente no espaço
público, de assumir os riscos de falar sobre os assuntos relevantes e de não passar
todo o mandato escondido atrás dos discursos formais das ocasiões solenes a que ninguém dá atenção. Falou dos temas quentes do “Ticão”, dos megaprocessos e das demoras da
instrução criminal, do efeito corrosivo das bizarrias do “juiz
negacionista” e
condenou, de forma enérgica e peremptória, os actos que deram origem a
suspeitas de corrupção judicial e de manipulação da distribuição de
processos na Relação
de Lisboa. Nos
momentos críticos, esteve sempre do lado certo.
Apresentam-se
agora à sucessão dois juízes de carreira com 40 anos de magistratura e,
sinal de refrescamento e novidade, a
primeira candidata mulher, não oriunda da carreira judicial,
que entrou na magistratura em 2007 pela quota reservada a juristas de mérito. Não me cabe aqui manifestar preferência, até
porque não posso votar. Mas considero importante dizer que o próximo
– ou a próxima – presidente do STJ deve ser alguém com espírito “arejado”,
capaz de perceber o que significa liderar a justiça na segunda década do século
XXI, num mundo que não é igual ao dos anos 80, quando as suas estruturas
fundamentais foram concebidas. Alguém
que interprete a necessidade de se começar a discutir a reforma
da justiça a partir de dentro, na cultura, na mentalidade, nos métodos, na
linguagem e na mensagem, nas rotinas e na organização. Essa
liderança simbólica tem de partir do STJ e não vai acontecer se quem for
eleito encarar o cargo como uma medalha
de fim de carreira e se limitar a repetir o que já foi feito, enquanto o
tempo avança e nos deixa para trás.
Chegados aqui, há que dizer que o
ritual da eleição do presidente do STJ já não cumpre as exigências do tempo e
de uma democracia participativa, transparente e responsável. Em 2021, é
inconcebível que a quarta figura do Estado seja eleita sem programa, sem debate
e escrutínio público, por um colégio de 63 colegas, em ambiente fechado à
sociedade, com base em critérios de conhecimento e preferência pessoal. Ninguém sabe o que pensam os três
candidatos sobre a justiça e a sua função no equilíbrio dos poderes do Estado,
sobre a gestão e disciplina dos juízes, sobre a organização dos tribunais,
enfim, sobre coisa nenhuma, como se o assunto respeitasse apenas às paredes do
STJ e aos juízes que lá trabalham.
Disse-me
um jornalista que nem sequer conseguiu ter acesso às cartas que os candidatos
escreveram aos colegas a pedir o voto. Surreal. Se é assim, também não se percebe como é que a
comunicação social, que às vezes perde tempo com coisas irrelevantes, desiste
de ir mais fundo para cumprir a missão de informar, nem que tenha de ser
insistente e incómoda. Deixo
aqui, portanto, um desafio aos três candidatos: mostrem-se,
arrisquem, organizem um acto público onde possam debater ideias e projectos e
dizer aos portugueses porque querem presidir ao STJ e o que farão se forem
eleitos. É assim que se começa a conquistar respeito e confiança.
Presidente da Direcção da
Associação Sindical dos Juízes Portugueses
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