Contra factos não há argumentos que sirvam. As queixas
já vêm de longe.
OPINIÃO: A Hungria está a tornar-se uma
semiditadura enquanto a UE assiste, impávida
A UE não pode resolver todos os
problemas da Hungria – mas não é correcto que assista, impávida, enquanto Orbán
extermina os poucos meios de comunicação independentes que ainda operam no
país.
PÚBLICO, 14 de
Maio de 2021
Dirijo, em Budapeste, uma estação de
rádio chamada Klubrádió. Já há 20
anos que transmitimos para algumas centenas de milhares de ouvintes,
responsabilizando os políticos pelos seus actos e sobrevivendo à custa de
receitas publicitárias.
Sobrevivemos
neste nicho – conhecido por poucos fora do nosso país – até ao momento em que,
no âmbito da
“democracia iliberal” de Viktor Orbán,
nos encontramos agora na mira do seu regime. No Dia dos Namorados deste
ano, após anos de processos judiciais e luta, perdemos a nossa licença e a
nossa frequência de rádio. Os tribunais, gradualmente colocados sob a
influência política de Orbán durante a última década, tomaram partido contra
nós. Continuamos a nossa actividade na Internet – um poderoso
símbolo de resistência contra os ataques aos meios de comunicação social que
continuam num país da UE.
Esta
intimidação já dura há uma década. Assim que
o partido de Orbán, o Fidesz, recuperou
o poder em 2010, começou a controlar os meios de comunicação social. Os meios de comunicação social públicos, como um
todo, foram colocados sob alçada de uma única autoridade, o Conselho dos Meios
de Comunicação Social, controlado pelos nomeados de Orbán. Controlaram a
única agência noticiosa, assim como a atribuição de frequências às estações de
televisão e rádio. Foram-lhe concedidos amplos poderes para impor sanções e
conceder subsídios. A legislação foi deliberadamente redigida numa linguagem
ambígua, dando à autoridade enormes poderes discricionários. Além disso,
inconstitucionalmente, todos os cinco membros deste conselho são delegados do
Fidesz.
Em
vez de destruir a liberdade dos meios de comunicação social, prendendo
jornalistas ou censurando jornais, Orbán tem utilizado alavancas económicas para
enfraquecer os meios de comunicação social independentes. Foi
uma estratégia inteligente, evitando assim protestos internacionais – mas aos
poucos, um a um, os meios de comunicação independentes têm sido aniquilados.
O
Governo utilizou os seus enormes orçamentos de publicidade, promovendo o
financiamento de publicações flexíveis, coniventes com as posições oficiais do
Governo, destruindo assim os meios de comunicação que o escrutinavam. A maioria
dos anunciantes privados – esperando ordens governamentais ou receando
perdê-las – deixou de investir em publicações que fazem perguntas difíceis ao
Governo. Uma vez que a Klubrádió, a minha estação de rádio,
foi considerada um “meio de comunicação independente”, perdeu 90% das receitas
desde o início da década de 2010.
Neste
contexto, foram à falência publicações há muito consagradas e respeitadas.
Algumas destas vieram a ser resgatadas por investidores próximos do Governo.
Como resultado, houve uma
concentração inacreditável dos meios de comunicação social. Assim foi criado o conglomerado KESMA,
que abrange cerca de 500 meios de comunicação, incluindo canais de rádio e
televisão. Foi-lhe permitido contornar as restrições do próprio Governo na Lei
da Concorrência, tendo recebido o rótulo de “objectivo económico nacional
especial”. Este conglomerado — tal como os seus investidores – recebe milhares
de milhões em fundos públicos.
Importa saber como é que isto é
permitido num país da UE, estando consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia que a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação
social devem ser respeitados.
A UE tem ignorado o facto de
que, dentro das suas fronteiras, um Governo está a ignorar os valores
democráticos, levando o país a uma semiditadura populista-nacionalista,
enquanto recebe o dinheiro dos contribuintes europeus, que utiliza para
enriquecer aqueles que lhe são próximos. Não
tem havido quaisquer consequências para Orbán. Este
declarou uma luta pela liberdade em Bruxelas e, de forma única na história
mundial – uma vez que a Hungria é o maior beneficiário de fundos da EU per capita –, faz com que a sua
proclamada inimiga pague as contas da sua luta demagógica. É verdade que a UE não pode resolver todos os
problemas da Hungria – mas não é correcto que assista, impávida, enquanto Orbán
extermina os poucos meios de comunicação independentes que ainda operam no país.
É no povo húngaro que reside uma
grande fonte de esperança, pois, embora Orbán desfrute de uma maioria absoluta,
seria errado presumir que a maioria dos húngaros apoia as suas medidas de
repressão das liberdades.
Depois de ter sido retirada a
frequência à Klubrádió, os ouvintes mudaram-se para a Internet – tal é o desejo
de notícias independentes. Há fundos
que foram até mesmo angariados para os ouvintes, sobretudo os idosos, que não
conseguiam pagar as assinaturas — e que tinham perdido o seu contacto mais
importante com o mundo exterior. Para compensar a perda de receitas
publicitárias, passámos a adoptar um modelo de subscrição, através do qual, graças
aos nossos apoiantes, foram conseguidos cinco milhões de euros durante os
últimos dez anos, mantendo-se assim viva a voz da Klubrádió.
Estamos
todos impressionados com a forma como políticos, cidadãos e meios de
comunicação internacionais em todo o mundo têm seguido o destino da Klubrádió.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria descreve os meios de
comunicação social globais como “mentirosos”. Para nós, é uma honra estar do
lado deles. Não merecemos ficar famosos globalmente, mas estamos
felizes por sermos um símbolo da liberdade dos meios de comunicação num mundo
em que há forças obscuras a miná-los um pouco por todo o lado. Na tradição dos
líderes autocráticos, Orbán sabe que um meio de comunicação social livre e
independente – que diga a verdade sobre o seu Governo – é o maior perigo que
enfrenta.
András
Arató é Presidente e director executivo da Klubrádió
Presidente e
director executivo da Klubrádió
Tradução de Nelson
Filipe
TÓPICOS
EUROPA HUNGRIA VIKTOR
ORBÁN MEDIA
LIBERDADE DE
IMPRENSA UNIÃO EUROPEIA DEMOCRACIA
COMENTÁRIO:
duas
da manhã e isto EXPERIENTE: Colocar os amigos a controlar a justiça e a comunicação
social faz parte do modus operandi de qualquer ditador. Por cá também já há
quem ande a atacar a comunicação social independente, quem ande a fazer o seu
caminho para chegar a Orbán português. E sim, a UE não existe...
TEXTO
DE APOIO:
UM
TEXTO DE : OPINIÃO: A UE está a dormir? Viktor Orbán e a
corrupção na Hungria durante a covid-19 – PÚBLICO, de 26 de Fevereiro de
2021
A pandemia tem servido de disfarce a
uma série de movimentos do Fidesz para consolidar o poder. A distribuição e
externalização de vastos fundos públicos a empresários amigos do Fidesz, bem
como a instalação de figuras do partido em conselhos públicos, será difícil de
inverter.
…..É
crucial que a UE intervenha. Sem controlos e equilíbrios eficazes, a
distribuição abusiva de riqueza em tão grande escala minará, em breve, a
oportunidade para uma mudança democrática de governo. Na Hungria, é isso que
está em jogo Como consequência, a administração de Orbán transferiu uma enorme
quantidade de património público para fundações públicas criadas recentemente –
uma medida que acelerou a privatização de centros de educação e investigação,
bem como de quinze universidades estatais. O governo húngaro tem agora um
controlo mais estrito dos fundos das universidades e pode exercer uma
influência excepcional no corpo docente e nos demais funcionários. A
resistência de várias semanas de estudantes e professores/as da famosa
Universidade de Teatro e Artes Cinematográficas (SZFE) em Budapeste, no ano
passado, foi um exemplo da desesperada mas condenada batalha que as
instituições outrora independentes enfrentam agora. A distribuição e
externalização de vastos fundos públicos a empresários amigos do Fidesz, bem
como a instalação de figuras do partido em conselhos públicos, será difícil de
inverter, mesmo que o partido de Orbán perca o poder. Sendo assim, não
constituiu uma surpresa que, durante os acesos debates sobre o
orçamento e o fundo de recuperação da UE, Orbán tenha exortado os líderes a
distribuir fundos rapidamente e a discutir mais tarde as normas do Estado de
direito……
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