Só o Dr. Salles, para contar histórias
de uma gesta portuguesa que mais ninguém sabe ou deseja saber e muito menos contar.
Um relato como já se não lê em parte nenhuma, pelo menos os leigos como eu, que
me limitei a papaguear acções e nomes e datas, onde a Tailândia não entrava e
se consideravam as aventuras de Fernão Mendes Pinto - que esse sim, chegou ao
Japão - em todo o caso, fruto de muita imaginação, de tão ousadas e
estapafúrdias… É certo que encalhámos em Timor… Mas o Dr. Salles é assim como uma espécie de
último abencerragem… Devia citar a bibliografia, embora poucos se aproveitassem
dela, nos tempos que correm.
De Ceuta, sim, dizia-se que fora a
primeira conquista portuguesa no Norte de África, onde foram armados os filhos
de D. João I, e mais umas coisas a propósito do Infante “Santo”, onde já se
enfiou Tânger e outras conquistas, para vingar D. Fernando, que padeceu em Fez.
Mas de Ceuta se fala hoje, a propósito de uns “migrantes” juvenis, sem glória
mas com a coragem da fuga de África …
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 23.05.21
Este texto foi solicitado pelo jornal «O Heraldo», de Pangim, Goa, onde
aguarda publicação.
*
* *
Leão e Castela nunca viram com bons olhos a independência de
Portugal e desde o bafordo do vale do Vez, de tudo têm feito para acabar com
essa «rebeldia». Já do mesmo se tinham queixado os romanos relativamente aos
lusitanos e tal qual se diga dos soviéticos em relação às colónias portuguesas.
À
falta de dimensão local, ibérica, impunha-se o alargamento da área de
influência e o inerente ganho de recursos que permitissem suportar a sempre
latente necessidade de enfrentamento da agressão castelo-leonesa.
E
foi assim e por essa causa que nasceu a «aventura» ultramarina portuguesa
iniciada por D. João I em Ceuta no já distante dia 21 de Agosto de 1415 e com
epílogo no Largo do Carmo, em Lisboa, no dia 25 de Abril de 1974.
De início, a mistificação foi pelo
encapotamento da aquisição de dimensão política pelo alargamento da fé no
âmbito da Cruzada do Ocidente; no
final, a mistificação foi pelo encobrimento da entrega das remanescentes
colónias portuguesas ao Império Soviético pela conquista das falaciosas «mais
amplas liberdades».
Mas,
entretanto, ocorreram «coisas» interessantes, umas, importantes, outras…
O
início da «aventura» fez-se a partir de Tavira
(e não de Sagres) onde em
1430 já existia o «Hospital do Espírito Santo» (ainda hoje formalmente
existente) cuja principal missão consistiu na assistência a quem andava em
campanha no norte de África. Mas
a partir do momento em que as navegações se começaram a estender para além do
Cabo Bojador, deixou de ser útil transportar os doentes para Tavira e assim foi
que começou a instalação de hospitais de proximidade em relação às ocorrências
que geravam necessidades de assistência clínica ou mesmo cirúrgica. E foi desse
modo que foram instalados 17 hospitais entre Tavira e Baçaim cuja missão
principal foi a de prestar assistência aos tripulantes e passageiros na «rota
da Índia» mas também dispensando cuidados aos nativos de cada uma das ditas 17
localidades.
Assente pé em Goa e
desenvolvido o comércio até então
exclusivo de muçulmanos, foi fácil dar a volta até Coromandel onde se deparou a riqueza
fantástica do Estreito das Pérolas e sua base logística no extremo norte do
Ceilão, a Península de Jafna, ou
seja, o Jafanapatão na linguagem
típica dos portugueses de então. E o comércio
das pérolas mudou de
intermediários, no que foi um rude golpe em inúmeros interesses até então por
ali estabelecidos. A
missão evangelizadora foi entregue a franciscanos e jesuítas no que se revelou
um processo de conversões em massa como não se esperava nem se julgava possível. Era um povo dócil que a nada opunha resistência e que
os portugueses tomaram por indolência congénita. As querelas – e houve-as várias a ponto de termos
sido «obrigados» a depor um Rei e a colocar outro no trono – eram instigadas por povos vindos do centro da ilha
mas, a pouco e pouco, fomos nós, os portugueses a adoptar a indolência e quando
os holandeses chegaram para nos tirarem o negócio das mãos, fomos evacuados de
padiola e muitos morreram na viagem até Goa. Passado o
tempo que a História narra, foram os holandeses que não opuseram resistência
aos ingleses e estes levaram o gin que tomavam com quinino e não foram
apanhados pela indolência. O preço
das pérolas media-se
em doses letais de paludismo. Entretanto,
chegáramos ao extremo sul do Ceilão em busca de mais comércio e não tardou
muito para nos vermos envolvidos na política local com reinos agredidos a
pedirem-nos protecção contra reinos agressores. Eis como o Rei de Candi, D.
Filipe Jamasinha Bandara, nos pede protecção, nós lha dispensamos, ele assegura
o trono mas morre logo de seguida de causas tidas por naturais. O filho e
sucessor natural, D. João de Áustria Cândia, sendo criança, não foi confirmado
no trono pelo Conselho do Reino e foi substituído pelo tio, irmão do Rei acabado
de morrer. E, para aplanar problemas sucessórios no reino, foi D.
Lourenço de Almeida, «o gigante loiro», filho do Vice-Rei D. Francisco de
Almeida e que viria a morrer em Diu, que foi encarregado pelo Conselho de
Estado de levar o não-Rei para longe. Para Goa onde a vida continuou. Mas essa
é outra história…
No
Sri Lanka actual,
fala-se uma certa forma de português na costa leste, em Trincomalee e em Batticaloa.
Chegara,
entretanto, a hora de «passar além da Taprobana», a hora de o comércio
florescer entre todas as partes banhadas pelo Mar de Andaman, de o português
ter passado a ser a língua franca de toda aquela vastíssima zona e de Filipe de
Brito e Nicote, natural de Lisboa, ter sido eleito Rei da zona central da
Birmânia, ter governado durante 12 anos com grande proveito para os seus
súbditos e ter sido morto à frente das suas tropas em defesa da sua capital
contra o tradicional inimigo a norte de cujo temor popular resultara a sua
eleição.
Estava Portugal a braços com a Guerra da sua própria Restauração contra os Habsburgos de Espanha quando os
holandeses tomaram Malaca e escravizaram os portugueses lá residentes e os
deportaram para Batávia (Jakarta) com o intuito de os fazer de capatazes dos
sub-escravos locais nas plantações de seringueiras, as árvores da borracha. Mas os escravos portugueses
solidarizaram-se com os escravos indonésios e os holandeses não encontraram
outra solução que não a de negociarem a alforria dos portugueses. Assim foi que estes reconquistaram a liberdade,
ganharam um território próprio que passaram a habitar e a administrar, onde se
fala português e que ainda hoje, plenamente integrado na bela malha urbana de
Jakarte, continua a ser o «bairro dos portugueses», Tugu. Curiosamente, tanto
em Malaca como em Jacarta ainda hoje se falam formas específicas de português
enquanto que de holandês pesa a memória.
Entretanto, os comerciantes
portugueses haviam navegado pelo Golfo do Sião, subido o rio Praia e feito
comércio em Ayutaiah e em Bangkok. Os proveitos bilaterais desse comércio e relações
de amizade levaram o Rei do Sião a oferecer ao seu «irmão», o Rei de Portugal,
ali representado por Afonso de Albuquerque, um local fronteiro a Bangkok para
instalação duma feitoria. As relações entre os dois países têm sido de tal modo
exemplares que nesse local ainda hoje se localiza a Embaixada de Portugal junto
do Rei da Tailândia.
(continua)
Henrique
Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS;
Anónimo
23.05.2021 : Muito bom.
Bela lição. Obrigado
Anónimo, 23.05.2021: Muito bom.
Bela lição. Obrigado Caro Sr. Henrique,
Quando 1+1=3 Um dia gostaria de poder visitar esses países de que fala no seu
blog, inclusive e principalmente Timor, seria um dos sítios para a minha lua de
mel se a Maria também assim desejasse, claro. Ao visitarmos uma vez na vida
esses locais, podemos não ficar com a ideia real sobre os locais, só voltando,
vivendo e vendo segunda vez as coisas por outro prisma. Mas a dimensão do mundo
é tão enorme que, normalmente não gosto de voltar aonde já estive, porque
haverá certamente coisas novas e das boas para assistirmos e presenciarmos
junto das pessoas certas.
Desde que o Gil Eanes conseguiu passar o Cabo Bojador em Marrocos, tudo se
tornou possível. Curiosamente ainda hoje, se repararmos bem ao longo da costa
d' África estão muitos barcos esquecidos, naufragados, encalhados que deram à
costa em alturas de turbulência e que já nunca mais ninguém mexeu, e por ali
ficaram eternamente ganhando ferrugem ao tempo... Quando o saudoso Prof. José
Hermano Saraiva falava de história, Portugal ouvia e aceitava, sem contrapor,
mesmo não tendo vivido na era de que ele falava. - seja como for, o que
interessa é o cumprimento dos direitos humanos internacionais e da Constituição
Portuguesa no sec. XXI que é das melhores do mundo. Cumprimentos Bráulio
Raposo
Anónimo 24.05.2021: Belíssimo
'tour d'horizon' da epopeia dos Descobrimentos. A maneira como o Dr. Sales da
Fonseca sobrepõe os factos históricos no contexto e locais contemporâneos,
estabelece um elo entre o passado e o presente, permitindo o leitor a 'viver' a
História. Aguardo impacientemente a sequela. Muito obrigado. António
Fonseca
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