sexta-feira, 21 de maio de 2021

Temas do nosso alvoroço

 

Ou da nossa passividade. Mas tratados com a coragem e a elegância literária usuais em MJA, que tanto agradam, tirando os habituais da grosseria…

Dias prodigiosos /premium

A regressão vê-se a olho nu: na desqualificação socialista da polis; na participação activa do PS na mediocratização do debate público; no cerco às instituições; na prática governamental da impunidade

MARIA JOÃO AVILLEZ

OBSERVADOR, 19 mai 2021,

1 A natureza humana costuma ser de bom auxílio para o que espanta ou confunde. Quando não percebo o que observo, vou lá e aprendo muito. Um gesto que porém já conheceu melhores dias: tornou-se hoje um exercício complexo descodificar as prodigiosas semanas que politicamente vivemos. Os dias têm produzido espanto em abundância na ultrapassagem das linhas que — julgar-se-ia — balizam a convivência e a urbanidade entre pessoas normalmente constituídas. Ou pelas quais — em princípio — o ser humano se costuma decentemente reger, na política ou fora dela — mas agora é de política que falo, estranhando as relações ditas “humanas” entre protagonistas, pares, concorrentes ou adversários. E não preciso de evocar o Estado de Direito para rejeitar a admirável, digamos, plasticidade, dos últimos comportamentos socialistas.

2 São uns atrás dos outros o que logo deixa alertas para quem observa: hábito do poder? Uso privativo do poder? Excesso de poder? O carrocel de insultos, agravos, abusos, humilhações, parece não conhecer paragem sem que a ninguém do extraordinário universo governativo apeteça apear-se para lhe abrandar o descontrole. Talvez porque quando o exemplo vem do alto, o resto segue o passo. E aqui veio mesmo do alto: não me lembro de ter ouvido palavras tao despropositadamente reles, rudes, rasteiras de um chefe do governo sobre o líder da oposição como ouvi ao primeiro-ministro referindo-se a Rui Rio. Sim, já foi falado e lamentado, que importa? Estas coisas têm que ser ciclicamente lembradas. Pode ser que um dia haja algum sinal exterior de António Costa de que vive no mesmo mundo dos que se espantaram com o lance.

3 Quando o infeliz ministro Cabrita adjectiva pejorativamente um partido político fá-lo não só porque nunca lhe explicaram — e ele sozinho não chega lá — a responsabilidade de representar o Estado, mas sobretudo porque se sabe seguro: permaneceu no cargo, sem mácula nem remorso, após o assassinato de um estrangeiro à guarda de um serviço sob a sua responsabilidade, cometido no aeroporto da capital de um país antigo e europeu. Porque não há-de insultar quem não deve se é de borla? E se não hesitou em entrar de madrugada, com polícias, cães e imigrantes tirados à força de uma enxerga, num aldeamento turístico privado mesmo que “insolvente”, é porque sabe que pode: os socialistas já mostraram que são bons no exercício da imunidade e da impunidade (Veja-se por exemplo o modo solto e desenvolto como “requisitam”, e sempre pelas razões erradas). A titular da Justiça — sim, relembremo-lo — ignorou olimpicamente o resultado de um concurso para um cargo na UE a cumprir por um português, substituindo a preparada vencedora que ficara em primeiro lugar por uma conveniente escolha política. E apesar das deploráveis démarches ocorridas entre Lisboa e Bruxelas, e do trânsito de documentos (sempre insatisfatórios) para cabal explicação da escolha do governo português perante os responsáveis europeus, a vida continuou: desde quando é que os proprietários do mando se incomodam com os não proprietários?

O tom estranhamente deslocado usado por mais de uma vez pelo ministro da Defesa para com ex-chefes militares também causa surpresa: que desconforto justifica que se evoquem “manobras escusas de uma agremiação de antigos chefes militares”. Assim se vituperando os melhores das Forças Armadas por terem “ousado” discordar do teor e conteúdo de uma projectada reforma do ministro. Visto de fora não só está mal explicado (que diagnóstico conduziu à necessidade desta reforma?) como torna verosímil que a tal “agremiação” prefira argumentos em vez de acusações de “manobras escusas”. Um dia os socialistas descobrirão — espantados — que as sondagens podem não ser tudo.

E agora há também isto: sob a capa da lisura, da cautela, do (nobre) cuidado com a falsidade informativa na era do digital, surgiu inopinadamente uma carta – as missivas podem ser perigosíssimas — propiciadora de abuso. Chama-se Carta de Direitos na Era Digital e estende-nos um solicito guarda-chuva contra os perigos das fake news. Usando porém de critérios onde não há fronteira definida entre o trigo e o joio, havendo farto palco para a subjectividade, daqui à perseguição em nome de uma “boa causa” pode ir um passo. Mau passo. Deus nos livre de mais essa. (Ou muito me engano ou não gosto disto.)

4 Há uns anos João Soares, ministro de António Costa, prometeu umas bofetadas a um colunista que o tinha irritado. O chefe do governo não gostou e agiu em conformidade: então não era verdade que “um membro do governo até no café permanecia um membro do governo?”. Era: João Soares foi para casa. Sucede que nessa altura o primeiro-ministro abusava provavelmente menos da coisa pública; estava menos farto; tinha mais pudor; não mandava sondar Bruxelas sobre um possível destino europeu; o seu governo não era tão profissional a pulverizar as linhas divisórias da decência. O certo é que hoje a regressão — cívica, política, moral — vê-se a olho nu: na desqualificação socialista da política; na participação activa do PS na mediocratização do debate público; no cerco às instituições e depois nas tentativas da sua captura; no uso da arrogância como instrumento de comunicação; na prática governamental da impunidade; na imunidade de que PS e Executivo se acham possuídos para tudo se permitir.

Todos os sinais do fim de um ciclo politico parecem subitamente acesos (mesmo se ainda sem data marcada, não é esse o ponto).

5Nos antípodas disto tudo — e mudando felizmente de assunto – está um cavalheiro cujo solitário percurso à frente do Sporting me habituei a ir observando da minha janela benfiquista. A sua jovem e formidável equipa – muitos trabalhando pro bono – talvez não goste que eu considere que o percurso de Frederico Varandas até a vitória se fez solitariamente, quando todos eles disseram e estiveram tão activamente presentes. Sucede que a vida me ensinou que quando as marés altas, as intempéries e as agruras se seguem por muito tempo e sem trégua como ocorreu com Varandas – para resistir sem desistir, a solidão está lá: é um dos garantes da capacidade de resistência. A resistência não a pandemias e confinamentos, estádios fechados, academias encerradas, prejuízos — o que já não seria dizer pouco –, mas à mentira, ao insulto, à armadilha, à inveja, à manipulação, à intriga, ao implacável combate à sua liderança, dentro e fora do seu clube. Sério, são, simples, persistente, capaz, corajoso, Frederico Varandas fez mais do que levar o seu clube à vitória do campeonato 19 anos depois e por isso se transformou num líder: devolveu-lhe a decência, a honra perdida, os valores esquecidos, o caracter, a nobreza do desportivismo. Permitam-me que ache isto mais decisivo do que ter reduzido o “budget “ para metade: é que o ar do futebol nacional ficou mais limpo.

6 Por nada deste mundo deixarei de ser benfiquista. Por nada deste mundo teria deixado de escrever este elogio.

PS: Uma imensa melancolia ontem. Mais um dos grande que parte. Paulo Gaio Lima era um grande músico. E por isso foi um excepcional violoncelista e um magnífico professor. Tão novo ainda… Os violoncelistas que hoje nos encantam, requisitados e aclamados, aprenderam tudo com este homem doce, pedagogo que também sorria com o olhar. Um dia tocou para mim o primeiro andamento da Suite para violoncelo nº 1 de Bach. Partiu sem que eu pudesse despedir-me nem oferecer-lhe as minhas lágrimas. Consolo-me sabendo como o céu deve estar agora unidamente, silenciosamente, a ouvi-lo. Jubilosamente a ouvi-lo.

GOVERNO    POLÍTICA    PS

COMENTÁRIOS:

João Diogo: Com que então os dirigentes do SCP são pro bono, vê-se que nunca viu o relatório de contas do SCP, só o presidente custa 500 mil euros anuais e as dividas a fornecedores a curto - prazo são 60 milhões de euros, dividas a empresários são 30 milhões , quer mais.         Margarida Chaves: Caríssima Maria João, como sempre as suas análises são excelentes. Sem dúvida que aprendemos muito a ver a natureza, mas esta gente não está habituada a contemplar tal obra de arte. Os lugares estratégicos foram preenchidos, todos escolhidos a dedo, agora é só navegar em frente. A esmagadora maioria do nosso povo precisa que lhes indique o caminho a seguir. Lentamente estamos a entrar num buraco que cada vez é maior e mesmo assim não olham para trás. Só espero que haja um sinal de stop, pois com este tipo de pessoas à frente do nosso País só vamos em sentido contrário. Obrigada.            Jal Morgado: Excelente análise. «Um Estado que não se regesse segundo a justiça, reduzir-se-ia a um bando de ladrões» Agostinho de Hipona (354-430).           Graciete Madeira: Excelente texto               Andrade QB: A degradação é tanta que até a Ministra da Saúde reivindica aplausos por cumprir em 2021 com 10% do objectivo garantido em 2016 para 2017 de médicos de família para todos. Numa sociedade não degradada, com jornalistas que não estivessem sempre com as calças nas mãos, tais insultos não passariam por normalidade. O governo mente, o PSD apoia-o, o Presidente justifica-o, os jornalistas ampliam a mentira, que outro destino existe para o país que não o que o espera no fim desta continua degradação?       mamadorchulo dostugas: Este é o desgoverno mais incompetente de sempre, o do 44 tinha ministros mais capazes, tinham era um chefe trafulha            josé maria: E o PS com 38% nas mais recentes sondagens, superando os 36% de 2019, a esquerda predominante, a direita na zona do afundanço e as tias de Cascais alvoroçadas... Dias prodigiosos, que nunca são de mais repetir... Temos as direitas mais inábeis do mundo, vejam só como elas são tão más...           Rúben faria Faria > josé maria: E os miseráveis vão festejando a miséria! Obrigado José por toda a miséria que trazes ao pais! O PS e a esquerda ter muitos votos não significa que sejam bons, só demonstra a ignorância presente neste país. Quando deitares os teus filhos à noite pensa na vida miserável que vão ter, fruto da tua ignorância! Triste personagem que fica feliz por ver os outros mais pobres! É a sina socialista a funcionar: acabam se as desigualdades, somos todos igualmente pobres! As tías de Cascais que apertem o cinto, queriam aproveitar os estudos, o trabalho e dinheiro investido? Nem pensar, em Portugal somos todos pobres!...............              Rúben faria Faria > Cruzeiro O Verdadeiro: Diz me lá campeão quem é que não é derrotado em Portugal?? Deves viver num país cheio de prosperidade para falar de vencedores e derrotados! De facto os que votaram na esquerda vivem como reis se calhar. Lá subiram o seu salário mínimo 50 euros e nem repararam que pagam mais 60 por gasolina e electricidade só em impostos               Maria Oliveira: O Presidente da República tem responsabilidades no estado a que isto chegou. Parece que pretende tornar a Guiné-Bissau mais democrática! Esquece-se de olhar para o seu próprio País...             Manuel Magalhães: Muito bem Maria João, nunca será demais insistir e desmascarar a vergonha que Portugal está a viver com toda esta procissão de sem vergonhas que constituem o PS e o seu governo!!!           Antonio Mello: Muito bem ! O Ps no poder é sempre um abandalhamento do País! De alto a baixo. Lá iremos mais tarde ou mais cedo pagar a factura!          VICTORIA ARRENEGA: A Senhora Maria João Avillez hoje está mesmo zangada. Costuma ser mais doce, mais diplomática. Confesso que gosto de a ver zangada. Mas não estaremos em fim de ciclo. Tendo em conta as sondagens e a fraca direita que temos, o ciclo ainda vai continuar em 2023. Até que ponto irá a degradação? Sabe-se lá!       Alberico Lopes > VICTORIA ARRENEGA: A "Senhora Maria João Avilez" como lhe chama, é uma jornalista que escreve o que vive e sente que muitas outras pessoas diriam o mesmo ou mais ainda se pudessem! Não é como estes avençados que pululam por todo o lado, inclusive no Observador, a soldo do tal "estadista", para mim mais um artista de circo e em que nós, feitos bobos, nos deixamos enredar! Quanto nos dera que houvesse muitos jornalistas a sério como a D. Maria João! Peço desculpa por me ter metido consigo! Creio que o seu comentário não tinha como finalidade menosprezar a grande Senhora que até é jornalista!           Joaquim Moreira: Não podendo deixar de concordar no essencial e de uma maneira geral, tenho, no entanto, algumas diferenças desta sua abordagem bem real. Sobre a razão por que demitiu o filho do Mário Soares tenho outra explicação. Não o tendo em grande consideração, até porque nunca foi um homem de mão, aproveitou para brilhar com a sua demissão. Tecendo considerações e pontos de vista que até pareciam vir dum estadista. Quando afinal, é só um grande artista! E sobre a forma como atacou o líder da oposição, tenho também uma outra explicação. Deve-se ao facto de ter tanto apoio na CS, que se permite dizer tão mal. Uma vez que está convencido, a ver pelos resultados das sondagens, que tem todas as condições para vir a ganhar as próximas eleições. Já que a CS, em geral, não o vai deixar ficar mal. Não é por acaso que só jornalistas do calibre de Maria João Avillez, tem a veleidade, de levantar uma questão que é desconhecida da maioria da sociedade. Tanto mais que, o silêncio da CS ou sua muita pouca análise da grave acusação ao líder da oposição, já fez com que o tal personagem, esteja agora a tentar mudar a imagem! Tendo em vista parecer um estadista!             Clarisse Seca: Parabéns Sra. Maria João. Ainda há valores e portadores da verdade em Portugal. Precisamos mudar este regime que corrói a nossa cultura, a economia, as liberdades e as instituições democráticas em Portugal.          Francisco Tavares de Almeida: Muito bom e muito agradável de ler. Joaquim Rodrigues: Chamo a atenção para o excelente artigo publicado neste jornal do colunista António Pais Vieira com o título " A Tentação Totalitária do Socialismo Português". Muito bom!           Alberico Lopes: como sempre, Maria João! Que bom ler os seus artigos! Que são mesmo um alerta para que o Povo acorde! Porque se não acorda depressa, depois poderá ser tarde e encontrar-se nos braços do costa Maduro!.....................

 

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