Ou da nossa passividade. Mas tratados
com a coragem e a elegância literária usuais em MJA, que tanto
agradam, tirando os habituais da grosseria…
Dias prodigiosos /premium
A regressão vê-se a olho nu: na desqualificação socialista da polis; na
participação activa do PS na mediocratização do debate público; no cerco às
instituições; na prática governamental da impunidade
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR,
19 mai 2021,
1 A natureza humana costuma ser de bom
auxílio para o que espanta ou confunde.
Quando não percebo o que observo, vou lá e aprendo muito. Um gesto que porém já conheceu melhores dias:
tornou-se hoje um exercício complexo descodificar as prodigiosas semanas que
politicamente vivemos. Os dias têm produzido espanto em abundância na
ultrapassagem das linhas que — julgar-se-ia — balizam a convivência e a
urbanidade entre pessoas normalmente constituídas. Ou pelas quais — em
princípio — o ser humano se costuma decentemente reger, na política ou fora
dela — mas agora é de política que falo, estranhando as relações ditas
“humanas” entre protagonistas, pares, concorrentes ou adversários. E não
preciso de evocar o Estado de Direito para rejeitar a admirável, digamos,
plasticidade, dos últimos comportamentos socialistas.
2 São
uns atrás dos outros o que logo deixa alertas para quem observa: hábito do
poder? Uso privativo do poder? Excesso de poder? O carrocel
de insultos, agravos, abusos, humilhações, parece não conhecer paragem sem que
a ninguém do extraordinário universo governativo apeteça apear-se para lhe
abrandar o descontrole. Talvez porque
quando o exemplo vem do alto, o resto segue o passo. E aqui veio mesmo do alto:
não me lembro de ter ouvido palavras tao despropositadamente reles, rudes, rasteiras de um chefe
do governo sobre o líder da oposição como ouvi ao primeiro-ministro
referindo-se a Rui Rio. Sim, já foi
falado e lamentado, que importa? Estas coisas têm que ser ciclicamente
lembradas. Pode ser que
um dia haja algum sinal exterior de António Costa de que vive no mesmo mundo
dos que se espantaram com o lance.
3
Quando o infeliz ministro Cabrita
adjectiva pejorativamente um partido político fá-lo não só porque nunca lhe
explicaram — e ele sozinho não chega lá — a responsabilidade de representar o
Estado, mas sobretudo porque se sabe seguro: permaneceu no cargo, sem mácula nem remorso, após o
assassinato de um estrangeiro à guarda de um serviço sob a sua
responsabilidade, cometido no aeroporto da capital de um país antigo e europeu.
Porque não há-de insultar quem não deve se é de borla? E se não hesitou em
entrar de madrugada, com polícias, cães e imigrantes tirados à força de uma
enxerga, num aldeamento turístico privado mesmo que “insolvente”, é porque sabe
que pode: os socialistas já mostraram que são bons no exercício da imunidade e
da impunidade (Veja-se por exemplo o modo solto e desenvolto como
“requisitam”, e sempre pelas razões erradas). A titular da Justiça —
sim, relembremo-lo — ignorou olimpicamente o resultado de um concurso para um
cargo na UE a cumprir por um português, substituindo a preparada vencedora que
ficara em primeiro lugar por uma conveniente escolha política. E apesar
das deploráveis démarches ocorridas entre Lisboa e Bruxelas, e do trânsito de
documentos (sempre insatisfatórios) para cabal explicação da escolha do governo
português perante os responsáveis europeus, a vida continuou: desde quando é que os proprietários do mando se
incomodam com os não proprietários?
O tom
estranhamente deslocado usado por mais de uma vez pelo ministro da Defesa
para com ex-chefes militares também causa surpresa: que desconforto justifica
que se evoquem “manobras escusas de uma agremiação de antigos chefes
militares”. Assim
se vituperando os melhores das Forças Armadas por terem “ousado” discordar do
teor e conteúdo de uma projectada reforma do ministro. Visto de fora não só está mal explicado (que
diagnóstico conduziu à necessidade desta reforma?) como torna verosímil que a
tal “agremiação” prefira argumentos em vez de acusações de “manobras escusas”.
Um dia os socialistas descobrirão — espantados — que as sondagens podem não ser
tudo.
E agora há também isto: sob a capa da lisura, da cautela, do (nobre) cuidado
com a falsidade informativa na era do digital, surgiu inopinadamente uma
carta – as missivas podem ser perigosíssimas — propiciadora de abuso.
Chama-se Carta de Direitos na Era Digital e estende-nos um solicito guarda-chuva contra os
perigos das fake news. Usando porém de critérios onde não há fronteira definida
entre o trigo e o joio, havendo farto palco para a subjectividade, daqui à
perseguição em nome de uma “boa causa” pode ir um passo. Mau passo. Deus nos
livre de mais essa. (Ou muito me engano ou não gosto disto.)
4 Há
uns anos João Soares, ministro de António Costa, prometeu umas bofetadas
a um colunista que o tinha irritado. O chefe do governo não gostou e agiu em
conformidade: então não era verdade que “um membro do governo até no café
permanecia um membro do governo?”. Era: João Soares foi para casa.
Sucede que nessa altura o primeiro-ministro abusava provavelmente menos da
coisa pública; estava menos farto; tinha mais pudor; não mandava sondar
Bruxelas sobre um possível destino europeu; o seu governo não era tão
profissional a pulverizar as linhas divisórias da decência. O certo é que hoje a regressão —
cívica, política, moral — vê-se a olho nu: na desqualificação socialista da
política; na participação activa do PS na mediocratização do debate público; no
cerco às instituições e depois nas tentativas da sua captura; no uso da
arrogância como instrumento de comunicação; na prática governamental da
impunidade; na imunidade de que PS e Executivo se acham possuídos para tudo se
permitir.
Todos
os sinais do fim de um ciclo politico parecem subitamente acesos (mesmo se ainda sem data marcada, não é esse o
ponto).
5Nos antípodas disto tudo — e mudando felizmente de assunto – está
um cavalheiro cujo solitário percurso à frente do Sporting me habituei a ir
observando da minha janela benfiquista. A sua jovem e formidável equipa –
muitos trabalhando pro bono – talvez não goste que eu considere que o percurso
de Frederico Varandas até a vitória se fez solitariamente, quando todos eles
disseram e estiveram tão activamente presentes. Sucede
que a vida me ensinou que quando as marés altas, as intempéries e as agruras se
seguem por muito tempo e sem trégua como ocorreu com Varandas – para resistir
sem desistir, a solidão está lá: é um dos garantes da capacidade de resistência. A resistência não a pandemias e
confinamentos, estádios fechados, academias encerradas, prejuízos — o que já
não seria dizer pouco –, mas à mentira, ao insulto, à armadilha, à inveja, à
manipulação, à intriga, ao implacável combate à sua liderança, dentro e fora do
seu clube. Sério, são, simples, persistente,
capaz, corajoso, Frederico Varandas fez mais do que levar o seu clube à
vitória do campeonato 19 anos depois e por isso se transformou num líder:
devolveu-lhe a decência, a honra perdida, os valores esquecidos, o caracter, a
nobreza do desportivismo. Permitam-me que ache isto mais decisivo do que ter
reduzido o “budget “ para metade: é que o ar do futebol nacional ficou mais
limpo.
6 Por
nada deste mundo deixarei de ser benfiquista. Por nada deste mundo teria
deixado de escrever este elogio.
PS: Uma
imensa melancolia ontem. Mais um dos grande que parte. Paulo Gaio Lima era um grande músico. E por isso foi um excepcional
violoncelista e um magnífico professor. Tão novo ainda… Os violoncelistas
que hoje nos encantam, requisitados e aclamados, aprenderam tudo com este homem
doce, pedagogo que também sorria com o olhar. Um dia tocou para mim o primeiro
andamento da Suite para violoncelo nº 1 de Bach. Partiu sem que eu pudesse
despedir-me nem oferecer-lhe as minhas lágrimas. Consolo-me sabendo como o céu
deve estar agora unidamente, silenciosamente, a ouvi-lo. Jubilosamente a
ouvi-lo.
COMENTÁRIOS:
João Diogo: Com que então
os dirigentes do SCP são pro bono, vê-se que nunca viu o relatório de contas do
SCP, só o presidente custa 500 mil euros anuais e as dividas a fornecedores a
curto - prazo são 60 milhões de euros, dividas a empresários são 30 milhões ,
quer mais. Margarida
Chaves: Caríssima Maria João, como sempre as suas análises
são excelentes. Sem dúvida que aprendemos muito a ver a natureza, mas esta
gente não está habituada a contemplar tal obra de arte. Os lugares estratégicos
foram preenchidos, todos escolhidos a dedo, agora é só navegar em frente. A esmagadora
maioria do nosso povo precisa que lhes indique o caminho a seguir. Lentamente estamos
a entrar num buraco que cada vez é maior e mesmo assim não olham para trás. Só
espero que haja um sinal de stop, pois com este tipo de pessoas à frente do
nosso País só vamos em sentido contrário. Obrigada. Jal Morgado: Excelente análise. «Um Estado
que não se regesse segundo a justiça, reduzir-se-ia a um bando de ladrões»
Agostinho de Hipona (354-430). Graciete Madeira: Excelente texto Andrade QB: A degradação é tanta que até a Ministra da Saúde reivindica aplausos por
cumprir em 2021 com 10% do objectivo garantido em 2016 para 2017 de médicos de
família para todos. Numa sociedade não degradada, com jornalistas que não
estivessem sempre com as calças nas mãos, tais insultos não passariam por
normalidade. O governo mente, o PSD apoia-o, o Presidente justifica-o, os jornalistas
ampliam a mentira, que outro destino existe para o país que não o que o espera
no fim desta continua degradação? mamadorchulo dostugas: Este é o desgoverno mais
incompetente de sempre, o do 44 tinha ministros mais capazes, tinham era um
chefe trafulha josé
maria: E o PS com 38%
nas mais recentes sondagens, superando os 36% de 2019, a esquerda predominante,
a direita na zona do afundanço e as tias de Cascais alvoroçadas... Dias
prodigiosos, que nunca são de mais repetir... Temos as direitas mais inábeis do
mundo, vejam só como elas são tão más... Rúben faria Faria >
josé maria: E os miseráveis vão festejando a miséria! Obrigado
José por toda a miséria que trazes ao pais! O PS e a esquerda ter muitos votos
não significa que sejam bons, só demonstra a ignorância presente neste país.
Quando deitares os teus filhos
à noite pensa na vida miserável que vão ter, fruto da tua ignorância! Triste
personagem que fica feliz por ver os outros mais pobres! É a sina socialista a
funcionar: acabam se as desigualdades, somos todos igualmente pobres! As tías
de Cascais que apertem o cinto, queriam aproveitar os estudos, o trabalho e
dinheiro investido? Nem pensar, em Portugal somos todos pobres!............... Rúben faria Faria
> Cruzeiro O Verdadeiro: Diz me lá campeão quem é que não é derrotado em
Portugal?? Deves viver num país cheio de prosperidade para falar de vencedores
e derrotados! De facto os que votaram na esquerda vivem como reis se calhar. Lá
subiram o seu salário mínimo 50 euros e nem repararam que pagam mais 60 por
gasolina e electricidade só em impostos Maria Oliveira: O Presidente da República tem responsabilidades no
estado a que isto chegou. Parece que pretende tornar a Guiné-Bissau mais
democrática! Esquece-se de olhar para o seu próprio País... Manuel Magalhães: Muito bem Maria João, nunca será demais insistir e
desmascarar a vergonha que Portugal está a viver com toda esta procissão de sem
vergonhas que constituem o PS e o seu governo!!! Antonio Mello: Muito bem ! O Ps no poder é sempre um abandalhamento do
País! De alto a baixo. Lá iremos mais tarde ou mais cedo pagar a factura! VICTORIA ARRENEGA: A Senhora Maria João Avillez hoje está mesmo zangada.
Costuma ser mais doce, mais diplomática. Confesso que gosto de a ver zangada.
Mas não estaremos em fim de ciclo. Tendo em conta as sondagens e a fraca
direita que temos, o ciclo ainda vai continuar em 2023. Até que ponto irá a
degradação? Sabe-se lá! Alberico
Lopes > VICTORIA ARRENEGA: A "Senhora Maria João Avilez" como lhe chama,
é uma jornalista que escreve o que vive e sente que muitas outras pessoas
diriam o mesmo ou mais ainda se pudessem! Não é como estes avençados que
pululam por todo o lado, inclusive no Observador, a soldo do tal
"estadista", para mim mais um artista de circo e em que nós, feitos
bobos, nos deixamos enredar! Quanto nos dera que houvesse muitos
jornalistas a sério como a D. Maria João! Peço desculpa por me ter metido
consigo! Creio que o seu comentário não tinha como finalidade menosprezar a
grande Senhora que até é jornalista! Joaquim
Moreira: Não podendo deixar de concordar no
essencial e de uma maneira geral, tenho, no entanto, algumas diferenças desta
sua abordagem bem real. Sobre a razão por que demitiu o filho do Mário Soares
tenho outra explicação. Não o tendo em grande consideração, até porque nunca
foi um homem de mão, aproveitou para brilhar com a sua demissão. Tecendo
considerações e pontos de vista que até pareciam vir dum estadista. Quando
afinal, é só um grande artista! E sobre a forma como atacou o líder da
oposição, tenho também uma outra explicação. Deve-se ao facto de ter tanto
apoio na CS, que se permite dizer tão mal. Uma vez que está convencido, a ver
pelos resultados das sondagens, que tem todas as condições para vir a ganhar as
próximas eleições. Já que a CS, em geral, não o vai deixar ficar mal. Não é por
acaso que só jornalistas do calibre de Maria João Avillez, tem a veleidade, de
levantar uma questão que é desconhecida da maioria da sociedade. Tanto mais
que, o silêncio da CS ou sua muita pouca análise da grave acusação ao líder da
oposição, já fez com que o tal personagem, esteja agora a tentar mudar a
imagem! Tendo em vista parecer um estadista! Clarisse Seca: Parabéns Sra. Maria João. Ainda
há valores e portadores da verdade em Portugal. Precisamos mudar este regime
que corrói a nossa cultura, a economia, as liberdades e as instituições
democráticas em Portugal. Francisco
Tavares de Almeida: Muito bom e muito agradável de ler. Joaquim Rodrigues: Chamo a atenção para o
excelente artigo publicado neste jornal do colunista António Pais Vieira com o
título " A Tentação Totalitária do Socialismo Português". Muito bom! Alberico Lopes: como sempre, Maria João! Que
bom ler os seus artigos! Que são mesmo um alerta para que o Povo acorde! Porque
se não acorda depressa, depois poderá ser tarde e encontrar-se nos braços do
costa Maduro!.....................
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