domingo, 23 de maio de 2021

Já era tempo de crescer


Mas quando os que parecem bons se intimidam a ponto de soltar “bacoradas” inesperadas, contra aqueles que sempre poderão servir de exemplo, na honestidade como no respeito pelos valores respeitáveis, perdemos definitivamente a esperança.

Não, não gostei do texto de José Milhazes. Não pelo que disse de Putin que julgo ser retrato fiel de um homem ambicioso de poder e com poucos escrúpulos. Mas pelo que subentendeu de Salazar, equiparando o despotismo deste, que sempre pareceu ser um homem justo e amante da sua pátria, ao de um vulgar ambicioso dos nossos tempos, onde isso, de resto, é comum entre os do poder. Comparar Salazar a Lenine parece pura maldade, ou arrogância tola, ou, até baixeza de quem deseja cair nas boas graças desses todos sucessores dos que deitaram abaixo o regime desse “Estado Novo”, mais equilibrado e menos glutão do que o “Novo Estado” em que hoje vivemos, a expensas alheias. Já era tempo de se deixarem dessas designações patéticas e de paralelismos anedóticos.

Putin: o senilismo dos déspotas /premium

A corte de Putin prepara-se para a cimeira com o presidente norte-americano, marcada para breve. E o senhor do Kremlin pretende apresentar-se como o chefe de uma superpotência com interesses globais.

JOSÉ MILHAZES, Colunista do Observador. Jornalista e investigador

OBSERVADOR, 22 mai 2021

À medida que os déspotas prolongam os seus mandatos até que “Deus os chame”, os seus discursos tornam-se cada vez mais delirantes, distantes da realidade, mas incentivados por uma corte deles dependente. Foi assim com Lenine, com Salazar e é cada vez mais assim com o presidente russo, Vladimir Putin.

No dia 20 de Maio, numa reunião do comité organizativo “Vitória”, uma das muitas instituições criadas para despertar o “patrioteirismo” no país, Putin prometeu “partir os dentes a quem quiser tirar à dentada a Sibéria da Rússia”.

Os analistas e comentadores políticos começaram à procura de que político ocidental poderia ter pronunciado tal frase e concluíram que nenhum. O Presidente Putin baseou-se numa notícia falsa, que já foi várias vezes desmentida.

A frase citada é atribuída a Madeleine Albright, a primeira mulher a ocupar nos Estados Unidos o cargo de secretária de Estado (1997-2001), mas, na realidade, não existe qualquer documento que confirme essa declaração. Além disso, a política norte-americana, que trabalhou com o Presidente Bill Clinton, já veio desmentir várias vezes tal afirmação.

Mas qual a origem dessa “ameaça” à integridade territorial” da enorme Rússia?

Ela poderá ter surgido no seio de páginas russófonas da internet alemã, mas foi “oficializada” em 2005, numa entrevista concedida ao jornal Argumenty i fakti por Nikita Mikhalkov, conhecido realizador de cinema e político chauvinista e “patrioteiro”. “Ou a frase de Madeleine Albright, antiga secretária de Estado dos EUA: “Haverá justiça se uma terra como a Sibéria for propriedade de um só país?” – perguntou ele.

Este pensamento voltou a ser citado numa delirante entrevista de Boris Ratnikov, general do Serviço Federal da Guarda, órgão que responde pela segurança dos mais altos dirigentes russos, publicada na Rossiyskay Gazeta, órgão oficial do governo russo, a 22 de Dezembro de 2006.

O título da entrevista “Tchekistas [agentes secretos russos] scanaram os pensamentos de Madeleine Albright” fala por si. Mas vale a pena citar um parágrafo para mostrar o quão avançada vai a espionagem russa, mesmo que comparada com os filmes medíocres de Hollywood sobre o mesmo tema: “Encontrámos nos pensamentos da senhora Albright um ódio patológico para com os eslavos. Ela estava também indignada com o facto de a Rússia possuir as maiores reservas de minérios no mundo. Segundo ela, no futuro, as reservas russas deveriam ser geridas não por um país, mas por toda a humanidade, claro que sob o controlo dos Estados Unidos.”

Em 2007, numa daquelas enfadonhas “conversas com o povo” através da televisão, um físico perguntou a Putin o que pensava dessa “frase de Albright” e ele respondeu que não a tinha ouvido, mas que, em geral, essas ideias vagueiam nas cabeças de alguns políticos.

Contudo, sete anos depois, Putin já afirmava com maior convicção, numa conferência de imprensa: “Mas nós já quase ouvimos frequentemente de personalidades oficiais que é injusto que a Sibéria, com as suas imensuráveis riquezas, pertença à Rússia.”

Há alguns dias, a convicção de Putin já era tanta, que prometeu “partir dentes” a quem ousar dar uma dentada na Sibéria. Aliás, essa foi apenas uma das partes mais desafiadoras e aguerridas de um discurso que é mais um sinal alarmante para os vizinhos da Rússia e para todo o mundo. Ele afirmou, a determinada altura: “A União Soviética não era mais do que a Rússia histórica, apenas tinha outro nome… do ponto de vista geopolítico, era a Rússia histórica.”

Depois de afirmações deste tipo, não me perguntem porque é que os vizinhos da Rússia duvidam das “intenções e propostas de paz” vindas do Kremlin e procuram refúgio em instituições como a NATO. E isto diz respeito às 14 das 15 repúblicas que faziam parte da URSS.

É curioso assinalar que continuam a ser publicados e a circular na China mapas onde partes significativas da Sibéria e do Extremo Oriente aparecem representadas como territórios chineses perdidos, mas Putin não está preocupado com tais “insignificâncias”. Talvez porque, como se considera no direito de desenhar linhas vermelhas onde desejar, Pequim receie atravessar alguma delas.

Não sei se a agressividade de Vladimir Putin está ligada aos laços estreitos que mantém com personagens como o actor Steven Segal, ou ao facto de ele praticar karaté, mas Gleb Pavlovskyi, antigo conselheiro do presidente russo, considera que o problema reside no seguinte: “É preciso ter em conta o que se passa dentro do crânio, que baratas combatem entre si na cabeça de Vladimir Putin, que já não é jovem.”

Não restam dúvidas de que Putin se assemelha cada vez mais a Lenine e Salazar nos últimos anos de vida e não se pode excluir a possibilidade de vir a receber dos seus conselheiros jornais e programas televisivos especialmente preparados para agradar ao “grande líder”.

Pode também existir outra explicação para declarações tão aguerridas no futuro próximo. A corte de Putin prepara-se para a cimeira com o presidente norte-americano, marcada para breve. O senhor do Kremlin pretende apresentar-se como o chefe de uma superpotência com interesses globais, que só conversa com os Estados Unidos e em pé de igualdade.

Resta saber se a equipa de Joe Biden está disposta a ouvir estas e outras bravatas dos dirigentes russos.

Pavlovskyi receia que estamos simplesmente perante a destruição da própria política externa russa. “Como compreendo, o ídolo do senhor Putin, Estaline, não falava assim. Semelhantes declarações destroem a própria diplomacia, incluindo a de Putin, que já é bastante fraca.” Mas o ditador põe a diplomacia atrás da capacidade militar, que ele considera ser a garantia de que pode partir dentes aos mais ousados.

A política tresloucada do “czar russo” reflecte-se também no campo interno. A seu mando, o parlamento “fabrica” leis que visam impedir que qualquer oposição extra-parlamentar possa participar nas eleições legislativas de Outubro, os opositores, sob os pretextos mais ridículos, são julgados e condenados a pesadas penas de prisão, os órgãos de informação da oposição são rotulados de “agentes estrangeiros”, etc.

São sinais de que o Kremlin não está muito confiante no seu futuro e tenta prevenir qualquer onda de protesto.

COMENTÁRIOS:

Nuno Pê: O senhor colonista odeia tanto Putin e a Rússia que nem tem vergonha de bajular o Biden que chama assassino ao Putin mas depois apoia Israel e a sua mortandade e aperta a mão à Arábia que esquarteja jornalistas. 

PortugueseMan: Meu caro,: Confesso que fico atónito, com estas perspectivas e voltas para explicar algo que nada tem a haver com o que refere. Mas você não vê o que se está a passar? o que se está a passar AGORA? Eu volto a relembrá-lo, a Rússia está a mudar de postura e muita coisa vai mudar. Resta saber até onde os EUA vão querer ir para testar a posição deles. Estas "advertências" da Rússia, são avisos sobre a posição russa sobre o Árctico e sobre a parte territorial. Vamos começar por algumas sequências cronológicas embora exista muito mais para falar:     - (8 de Março) Chegada de bombardeiros B-1 ao Árctico      - (17 de Março) Biden chama P.utin de assassino. - (26 de Março) 3 submarinos russos nucleares emergiram alinhados no Árctico, algo inédito. Abril: A Rússia submete nas Nações Unidas um pedido para que seja reconhecido que uma boa parte do Árctico seja território russo. – Maio: Encontro no Árctico CNN é convidada a visitar uma grande base russa no Árctico, onde podem aterrar aviões de carga de grande porte e de onde são efectuados testes com mísseis. Esta base está perto da Noruega, perto de onde estão os B1 americanos estacionados.       Uma equipa da BBC também esteve lá e faz um artigo é bastante detalhado.      Há vários factores a considerar no Ártico: - A Rússia criou uma nova rota marítima entre a Ásia e a Europa. Ao contrário do Canal do Suez e Panamá, esta rota é completamente controlada pela Rússia.   - A Rússia é que decide quem passa por esta rota. O que está a subir a tensão com os EUA, mas estes nada podem fazer.       - A Rússia para proteger esta rota, já tem e continua a abrir novas bases tal como a referida acima. - A Rússia está a querer expandir o seu território no Árctico. Se conseguir, o território russo vai ficar encostado ao Pólo Norte. Está a haver mudanças enormes em curso. E quando o Nord Stream 2 estiver concluído (Biden recuou nas sanções que afectassem a Alemanha, o que mostra o dilema dos americanos), e assegurado a energia à Alemanha e uma ligação entre a Ásia e a Europa sem controlo americano, estou convicto que os russos vão ter uma política externa extremamente agressiva para com os EUA. Isto vai acontecer AGORA, os russos vão começar a empurrar os EUA em várias frentes e só espero que se consiga acomodar um mundo multipolar sem uma desgraça para todos nós.  A Rússia avisou quando os EUA queriam lançar um ataque na Síria, tendo estes lançado dezenas de mísseis apenas para uma única base. A Rússia avisou quando os EUA queriam enviar navios para o Mar Negro em suporte da Ucrânia, tendo os americanos enviado um navio da guarda costeira (!!) para não dizerem que acabaram por recuar. A Rússia está a avisar que não vai tolerar interferências no Árctico. E os EUA não têm como os fazer recuar. Você, meu caro, está completamente alienado da realidade. Você não percebe as mudanças que estão a ocorrer. AGORA.           José MilhazesAUTOR >  PortugueseMan: ESqueceu-se de lembrar a sonda russa que aterrou em Marte!           Paulo Guerra: Tantas hipóteses e nem perto. Nem sei quem é que estará a delirar mais. Mas talvez me inclinasse mais para um jornalista monotemático com uma obsessão compulsiva pela Rússia e Putin. E digo eu, que também me fartei de rir com a expressão de Putin. Mas fiquei com a ideia que estava tudo relacionado com o degelo do Árctico, que os russos estudam como ninguém há muitos anos e a corrida mundial às maiores reservas mundiais de vários recursos. Como o petróleo, o gaz natural e sobretudo os minerais raros. Mercado tão importante hoje, que os chineses controlam globalmente. Mas também não é propriamente a minha área. Muito menos as exibições de poderio militar que acontecem em várias partes do globo mas que os olhos do Milhazes completamente imparciais vêem sempre só na Rússia.            Fernando Fernandes: Excelente, como sempre.

César Neves: E para nada ficar para o gato digo-lhe. O Putin disse de facto uma idiotice. E o "senhor comentador" por acaso pensou porque é que o Putin, manhoso e esperto que nem um alho, (classificação sua), disse a idiotice? Pensou um bocadinho? Não pensou de certeza: porque se tivesse pensado, concluiria que o Putin disse a idiotice que disse, para os idiotas avençados e não só, andarem a falar apenas na idiotice, e deixarem pró boneco as atrocidades que por lá anda a fazer. Percebeu? Consegui chegar lá?          José MilhazesAUTOR > César Neves: Duvido que tenha lido o texto com atenção.           César Neves > José Milhazes: Caro Senhor: Obrigado pela sua resposta, sinal de convicção e empenho na defesa das suas ideias. Acredite: não é a norma: por isso sentidos parabéns. Tomei nota, louvo, e terei em consideração em conversas futuras. Sobre o seu texto, e sobre a sua resposta, dou um exemplo. Logo no início do seu mandato, o Trump, que já tinha expresso as barbaridades do seu currículo, veio à Europa. E estranhamente passou incólume entre os pingos da chuva na comunicação social, apesar de já ter proferido, entre outras, a frase de não se ensaiar nada de espetar uma bomba atómica numa cidade europeia. Pois estranhamente ninguém o incomodou com esses assuntos. E porquê? Porque todos, mas todos, se concentraram no pequeno pormenor, de ele à saida do avião, ter fingido agarrar na mão da mulher, e ela ter por sua vez fingido afastá-lo. Resultado: enquanto cá esteve só se falou nessa idiotice. Infelizmente é esta a comunicação social que temos. Ora Putin sabe isso muito bem: que faz então: idiotices para só se falar nas idiotices, e não se falar do resto. E foi o que quis dizer. Disse-o com excesso de linguagem, que agora lamento, fruto de ter tirado ilações indevidas, em resultado do cansaço e irritação, por ver na generalidade dos comentadores, muita parra, e pouca uva: e na pouca uva: muita torcida e a martelo. Lamento ainda, só ter percebido de todo, o âmbito do que disse, depois da sua resposta. Ainda bem que a fez. E lamento muito mais, tê-lo colocado na panela que referi, onde de facto o senhor não está de todo. Não volta a acontecer. Bem haja com consideração.          Pontifex Maximus: A verdade é que Putin se inscreve na linha de praticamente todos os governantes da Velha Rússia desde Ivan. Mesmo os que mereceram o cognome de “Grande”, como Pedro e Catarina, foram sempre déspotas e governaram com pulso de ferro. Aliás, se quisermos ser justos, mais vale uma Rússia totalitária mas confiável, que democrata e imprevisível. O pior no caso é que Putin tem sido déspota, pois claro, e também previsível, mas a sua previsibilidade é apenas nunca sabermos o que fará a seguir! A Crimeia voltou ao regaço da mãe Rússia, de onde de resto nunca deveria ter saído, é bom reconhecer, mas a Ucrânia está por um fio e aos Bálticos só lhes resta os EUA e a OTAN, pois a Europa de nada lhes servirá no momento em que os tanques avançarem. Isto para não falar da Bielorrússia, hoje claramente um estado vassalo da Rússia... Mas Putin é mesmo o senhor do Kremlin e da Rússia, superpotência mundial e com interesses globais...          Mario Guimaraes: Vivemos tempos estranhos onde os ditadores são eleitos e onde o conceito de um voto um homem está adulterado (entrevista de um líder chinês). O futuro de Putin será o de Estaline: adorado enquanto vivo e odiado quando morrer.

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