O excelente exemplo citado por Pacheco Pereira de um AO ofensivo da dignidade de um povo, perante a violência
de imposição de uns e a indiferença pateta de outros, juntamente com outros
muitos exemplos dos tais “telhados de vidro” a que não estão imunes os instalados
no poder, provam que afinal, a haver equidade, ninguém está isento de
condenação segundo a tal Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, há pouco
aprovada, julgo que sub-repticiamente, pois só agora estalam os protestos - os
atentos às políticas, só agora se pronunciando indignadamente. Quem manda,
pode, mesmo em democracia, como se tem visto, isso da Grândola era só para o “furo”,
naturalmente.
OPINIÃO
A aliança entre os censores e os que assinam de cruz
Ser enganado é um custo da liberdade,
mas é mil vezes melhor do que dar ao Estado o poder de decidir o que eu devo ou
não conhecer, pela censura do que é informação e do que é “desinformação”.
PÚBLICO, 29 de
Maio de 2021
Existe
um considerável desprezo entre os políticos e os que seguem a política – uma
minoria muito longe do interesse geral mínimo que é a regra – sobre as matérias
que não dão espectáculo mediático. Podem ser mais que importantes, mas, se não
contribuem para a festa dos títulos e para a jigajoga das opiniões tribais,
ninguém lhes liga. Dá-se então por regra um efeito de invisibilidade, por
detrás do qual se escondem dois tipos de pessoas: as que
têm um interesse próprio ou colectivo numa determinada questão e querem ver se
ninguém dá por ela, e os que
assinam de cruz, os da intenção e os da inércia.
Um exemplo é o Acordo Ortográfico, o maior atentado
à língua portuguesa das últimas décadas, que todos já perceberam ter dado
resultados contrários aos pretendidos – a começar no Brasil, o seu principal
pretexto –, é um desastre diplomático e, ao ser imposto à força e ilegalmente,
abastarda e degrada a língua nas escolas e na burocracia do Estado. Porque é
que não se acaba com essa aberração? Porque uns não querem, e outros não querem
saber.
O
mesmo se está nestes dias a passar com a aprovação de uma Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, um verdadeiro nome em linguagem orwelliana,
porque de “direitos fundamentais” não tem nada e é uma legitimação de todas as
censuras. Pode-se dizer que nunca vai ser aplicada, que é inócua de tão vaga,
genérica e mal feita que está, mas é só esperar até um dia, ou até quando
servir a algum poder ou a algum interesse. Tudo é mau, a atribuição de actividades censórias
à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o apelo à bufaria, a
inexistência de medidas para efectivamente combater o cibercrime sob controlo
judicial e não por uma “entidade” de nomeação partidária, o palavreado
politicamente correcto que é hoje norma do “politiquês”. (Diga-se de passagem que eu sempre defendi a
extinção da ERC, há já muito tempo.)
Como é que esta Carta passou? Proposta pelo PS, os primeiros censores,
votada a favor pelo PSD, CDS, BE, PAN, Joacine Katar Moreira e Cristina
Rodrigues, os segundos censores, e com a abstenção do PCP, PEV, Chega e
Iniciativa Liberal, a que benevolamente chamo assinantes de cruz. Depois, o Presidente da
República também assinou de cruz, embora não seja
impossível que a lei seja inconstitucional. A Europa assinou do lado dos censores, dado que tem muita
responsabilidade nestas coisas que têm a sua matriz. A
comunicação social, salvo raras excepções, ficou muda e calada, sem qualquer
sombra do sobressalto que qualquer irrelevante “estrume” lhes suscita.
Ou seja, toda a gente. É
também por coisas como esta, que são demasiado sérias, que não há verdadeira
crítica ao Governo. E é também porque não há liberais onde devia haver.
Liberais de liberdade, da causa da liberdade. Os do nome abstiveram-se.
Tudo
isto sob a capa de um “direito à protecção contra a desinformação”, em si mesmo uma coisa bizarra, que pensa que
numa sociedade democrática os cidadãos podem ser “protegidos” contra uma forma
peculiar de “narrativas”, um termo na moda, sem limitar a liberdade de
informação. Não estamos a falar de crimes, como a calúnia e a difamação,
que esses são crimes que, como disse já mais de mil vezes, devem obedecer à
regra de que o “que é crime cá fora é crime lá dentro” e mereceriam sem dúvida
um esforço legislativo para dar à justiça leis que entrem em conta com a nova
realidade das redes sociais, mas de “desinformação”, que é
suficientemente ampla para nela caber tudo.
Para
se perceber o espírito censório da proposta original do PS, veja-se uma das
versões da lei onde se explica o que é “desinformação”:
Toda a narrativa comprovadamente falsa
ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas
ou para enganar deliberadamente o público, e que seja susceptível de causar um
prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos
processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.
As sociedades não são imunes à
mentira, à crença e à crendice, mas querer instituir por lei critérios de
conformidade que nada têm a ver com a democracia e a liberdade de expressão é
absurdo. A censura protege-vos, era o grande lema da censura dos 48 anos de
ditadura
“Toda a narrativa comprovadamente
falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens
económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja susceptível de
causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos
democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens
públicos.”
A parte final sobre a “ameaça aos
processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas
públicas e a bens públicos” serviria para impedir e punir qualquer crítica ao
Governo.
Numa
sociedade democrática, onde há liberdade de expressão, não se pode controlar e
muito menos punir através de uma qualquer ERC “informações falsas, imprecisas, enganadoras,
concebidas, apresentadas e promovidas para causar dano público ou obter lucro”. Esta fórmula aplica-se, por exemplo, à publicidade
e, por maioria de razão, a essa forma de publicidade que é a propaganda
política. O que é,
por exemplo, o “dano público”? E quem
o julga? Associemos ainda o apelo à denúncia, cuja eficácia tende a ser maior
exactamente nos meios que se pretendem controlar, nas redes sociais, que são em
si mesmo o terreno privilegiado para a bufaria. A
proposta de atribuição de “selos de qualidade” às publicações que o Estado
considera verdadeiras seria ridícula, se não fosse perigosa.
As sociedades não são imunes à mentira, à crença e à crendice, ou,
pior ainda, a interpretações diferentes dos mesmos factos, que um lado
considera mentiras e o outro verdades, seja com má-fé seja com boa-fé, mas
querer instituir por lei critérios de conformidade que nada têm a ver com a
democracia e a liberdade de expressão é absurdo.
Eu acho que certos discursos sobre a ditadura do Estado Novo proferidos no MEL
são falsos e enganadores; e os negacionistas acham que a covid é uma
“gripezinha” usada pelo PS para limitar as liberdades – tudo asneiras que
deveriam arrepiar qualquer pessoa, mas defendo a liberdade plena de dizerem o
que quiserem. Ser enganado é um custo da liberdade, mas é mil
vezes melhor do que dar ao Estado o poder de decidir o que eu devo ou não
conhecer, pela censura do que é informação e do que é “desinformação”. “A censura protege-vos” era o grande lema da
censura dos 48 anos de ditadura.
Historiador
TÓPICOS
LIBERDADE DE EXPRESSÃO CENSURA ESTADO DESINFORMAÇÃO PARTIDOS POLÍTICOS DEMOCRACIA MEDIA
COMENTÁRIOS:
Jorge Sm MODERADOR: Mau artigo sobre assunto sério. Interpretação abusiva e
exagerada da Lei. Implicações que não existem. Imputam-se intenções
censórias que me parecem ridículas. Regra básica desconsiderada: uma norma
nunca se interpreta isoladamente, mas no contexto da Lei onde ela está inserida
(e respectivos objectivos) e tendo em conta o resto do sistema jurídico. Dito
isto, a lei está mal feita, como é tradição desde sempre em Portugal. Pouco
cuidado nos conceitos e nas fórmulas usadas. Que existe um problema grave que urge
enfrentar – a praga das notícias falsas –, não há dúvida. Quando entramos no
"como", tudo é controverso. Claudio Bruno INICIANTE: Caro Pacheco, Não
se aflija. Basta invocar que foi uma paródia/sátira para estar tudo resolvido.
Art.6: "4 - Não estão abrangidos pelo disposto no presente artigo os
meros erros na comunicação de informações, bem como as sátiras ou
paródias." Também seria interessante analisar os programas eleitorais
à luz de: "2 - Considera-se desinformação toda a narrativa
comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter
vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja
susceptível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos
políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a
bens públicos." Talvez seja uma lei que permita o eleitorado processar
os partidos pelas falsas promessas. SE EXPERIENTE: Se bem entendi, a verdade passa a ser
uma coisa democraticamente eleita. Poderá ser errado, frustrante e assustador,
mas não deixa de ser cómico. É a tragédia salazarocha repetida como farsa. Tristão Bretão EXPERIENTE: «A parte final
sobre a “ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de
elaboração de políticas públicas e a bens públicos” serviria para impedir e
punir qualquer crítica ao Governo.» Lamento dizê-lo, mas isto é mentira. Uma
crítica ao Governo (sobretudo num país como o nosso, em que criticar o
Governo é, desde as "Farpas", desporto nacional) não cabe em
nenhum dos conceitos que a lei propõe que devem ser defendidos de campanhas
organizadas. JPP recusou-se,
como Barreto, a identificar o problema que gera a lei. Esse
problema é o da manipulação de massas a partir da criação deliberada de
falsidades em redes sociais. Não vale a pena invocar Salazar: não havia
Facebook nem Twitter nem Whatsapp nessa época. O mundo é outro. O Capitólio que
o diga.
Jonas AlmeidaEXPERIENTE: Em cheio, os
frutos da união entre quem assina de cruz (e pelos outros!) e a censura bem à
vista. Acrescento aos parabéns ao autor por tantos comentários aqui, o realçe
para a chamada de atenção por PP que a "Carta de Direitos Fundamentais na
Era Digital" é uma proposta de censura digital à escala continental.
O regresso do totalitarismo por essa via torna-se numa possibilidade bem
real com esta "carta". Espero que o Público dedique algum tempo a
informar-nos sobre isto.
Jose Leite INICIANTE: O assunto tratado
hoje por JPP e AB é muito sério e está muito relacionado com o editorial de MC.
Qualquer poder tem tendência para controlar, mesmo que apresente boas
razões. Em democracia sólida a oposição contrabalança. Mas como diz MC hoje não
há alternância. As direitas deixaram passar porque mais tarde lhes pode convir
para pior uso. Que dilema para o cidadão comum: manter o PS no poder, mesmo com
coisas menos perfeitas, que a oposição não combate, ou entregar-se a derivas
que não se sabe onde vão dar? O povo não é parvo. Precisa-se de PSD forte,
livre de "chegas", ou a alternância perde-se. José Cruz Magalhaes MODERADOR: Um texto que não
deixará ninguém indiferente; alguns leitores discordarão da posição de JPP, por
entenderem que a liberdade de expressão e de opinião só pode ser defendida, contra
a mentira e a falsidade, com estabelecimento de limites claros. Outros, em que
me conto incluir, concordarão que assiste ao cidadão, ao leitor ou
espectador, decidir por vontade própria, o que será de aceitar como verdade e
aquilo que deverá recusar como lixo, que é aquilo que muitos leitores e
comentadores, adquiriram como adquirido, desde há muito. pronouncer EXPERIENTE: Obrigado pela
partilha do documento crivado pelo lápis azul, uma verdadeira exibição da coisa
nojenta que foi o Estado Novo. A passagem da ‘Carta’ referida no artigo é
arrepiante. Apesar de tudo, não me revejo nos discursos dicotómicos sobre o
controlo de informação. Não quero os bombeiros a entrar-me em casa quando ligo
o fogão a gás, mas espero vê-los em acção quando há um incêndio numa floresta.
Na minha opinião, estamos ainda no adro dos danos que a propagação de
informação falsa pode provocar nas sociedades. A este respeito, já estamos
imersos numa guerra. O século XX mostrou-nos o quão danoso pode ser acharmos
que podemos escapar de certas guerras por entre os pingos de chuva. GMA EXPERIENTE: Portanto, Pacheco
Pereira, a lei é má (não sei se é sem ouvir quem a defende) e a alternativa é
ser enganado. Interpretei bem? Se sim, então como é que uma "sociedade de
enganados" é livre? Não estou nada convencido com aquilo que parecem ser arrufos
libertários do Pacheco Pereira, que a eles também parece não ser imune. João Cebolo INICIANTE: PP não diz que
existe uma dictomia e que a alternativa à lei é “ser enganado”. Diz que a
liberdade de expressão e o acesso livre à informação tem como risco a
possibilidade de ser enganado. Risco tal que é muito inferior às limitações e
imposições trazidas pela censura GMA EXPERIENTE: No pressuposto de
que existe, ou existirá, censura, certo Sr. João? O que enviesa tudo é a
inevitabilidade da censura que parece ser para si um adquirido. Vivi o
tempo da censura, a sério, e não a desejo de novo; esta é uma certeza. A
incerteza é se o "mercado livre da intoxicação" não terá as mesmas
consequências da "mão invisível" dos mercados. Entre a total
liberdade de ser enganado e o efeito regulador da "mão visível",
tenho dúvidas. Mas, provisoriamente pelo menos, prefiro este.
Luís Manuel Braga INICIANTE: Portanto, vc
não quer ser enganado. Ok, tudo bem. A lei em questão vai dar-lhe conforto
em relação a esse ponto. E, já agora, quem define o que é certo ou enganador? O
Estado. Melhor os funcionários, para isso designados pelo estado, isto é, por
quem na altura estiver a governar. Certo? Já agora, pense bem em que tipo de
regimes é o estado a dizer-nos o que é certo e o que é errado? Os livros ou as
notícias que devemos ou ñ ler? Percebeu? Aceito que seja esse o ideal ou até mm
o necessário para si. Para que tenhamos uma sociedade de “pessoas de bem”! FPS MODERADOR: Esta posição de PP é conhecida... e
confesso que fico sempre baralhado pois nunca encontrei a pergunta perfeita
para confrontar Pacheco Pereira. Ao ler o seu comentário (brilhante) foi um
clic: é isto mesmo. E olhe que gostava de saber como PP responderia à sua muito
clarividente questão. GMA EXPERIENTE: Caro(a) FPS,
permita que me associe à sua curiosidade. Achando que não vamos ter resposta. Fundo do Mar EXPERIENTE: Muito bom o
artigo de PP. Destaco esta passagem: "A parte final sobre a “ameaça aos
processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas
públicas e a bens públicos” serviria para impedir e punir qualquer crítica ao
Governo". Já dizia o ditado, de boas intenções ... Fernando. Camecelha INICIANTE: Proponho que
releia o artigo do Público de ontem sobre o Quanon. Jose MODERADOR: Incomoda sentir
mentiras, insinuações, ofensas, calúnias, injúrias, aberrações, branqueamentos,
enormidades... a jorrar de todas as fontes. Pelos vistos também incomoda o PS,
partido socialista que mente logo no nome. Incomoda todos os representantes da democracia
representativa, os quais submetidos, por vontade própria, não da democracia, ao
poder fático de Bruxelas desmentem ser representantes dos eleitores ao
exercerem delegação de Bruxelas contra o seu Povo eleitor. Eu sei que não são
estas mentiras graves que incomodam quem quer censurar a vozeria. O que querem
censurar não é um deputado mandar outro p'ra sua terra ou chamar bandidos a
cidadãos. Não é chamarem-se reciprocamente de mentirosos e irresponsáveis em
público e em funções. Não é a persistente campanha anti-sindical... FPS MODERADOR: Desta crónica, gostei, muito
especialmente, da informação e do despacho do Sr. Major da PIDE, a propósito de
uma obra de 1962, do saudoso, irreverente, teso de carácter e hombridade, José
Viena, em tempos da única música que se fazia ouvir não passar de um
"Samba de uma nota só" (quem esquece Tom Jobim, grande também como
músico e singular hombridade). Se acompanho o raciocínio de Pacheco Pereira, a
verdade é que o que se passa em boa parte da comunicação social, especialmente
nas TVs, é de arrepiar. Como pôr cobro a isto, não faço a mínima ideia...
mas que é por estas fontes que escoa a imundice que cultiva o radicalismo e as
redes do ódio, não duvido. Ontem, creio, li escrito algures que nunca se odiou
tanto no país. Também me parece, como se calhar nem no tempo de José Vilhena. FPS MODERADOR: ET: A propósito, quando é que Nicolau
Santos toma posse do lugar na RTP? Feio, torto e ignorante INICIANTE: Eu defendo a
liberdade de o Sr. P. Pereira, enquanto administrador da Fundação de Serralves
nomeado pelo Estado, ir ao parlamento dizer anormalidades sobre os direitos do
trabalho e algumas mentiras sobre o que se passa naquela instituição, como bom "liberal"
que às vezes finge não ser. Como de facto foi, sobranceiramente. Ricardo Fernandes INICIANTE: Concordo
plenasd++
*mente. Viva a liberdade abaixo a
censura seja com que justificação for. 25 Abril para quê??? Figueira da Foz EXPERIENTE: Termina de forma
excelente. É pena que que ainda não seja desta que surjam, organizados,
cidadãos promovendo acima de tudo ideias liberais. Jose Luis Malaquias INFLUENTE: Bravo!
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