Por Teresa de Sousa. E a sua opinião sempre favorável a A. Costa, o
intransigente defensor da solidariedade europeia. Ou não fôssemos nós bons de
morrer! Nós, portugueses esmoleres, “pro bono” próprio. O alheio é apenas
pretexto.
ANÁLISE: O
Porto e a “reconstrução” europeia
Há hoje uma feliz constelação de
líderes europeus que pode dar um sentido a esta fase de transição. É uma enorme
oportunidade. O Porto deu a sua contribuição.
TERESA DE SOUSA PÚBLICO, 16 de Maio de 2021
1. Atendendo
às actuais circunstâncias políticas europeias, as cimeiras do Porto correrem bastante bem. A presidência portuguesa conseguiu
colocar a questão dos direitos sociais na agenda
política europeia de uma forma efectiva e visível e era esse o seu objectivo
primeiro. Fê-lo
recorrendo a uma fórmula inédita – convocar os parceiros sociais e
múltiplas organizações da sociedade civil para um debate aberto e público sobre as
questões sociais e a sua importância na reconstrução económica pós-pandemia. Que ainda não sabemos exactamente o que deve ser, a
não ser que não poderá ser um simples regresso ao passado. Que
envolve as consequências sociais da transição verde e da transição digital –
dois chavões que atravessam o discurso europeu, mas que correspondem a desafios
económicos e sociais extremamente complexos.
Numa palavra, a reconstrução tem de levar em conta o combate
às desigualdades que a pandemia expôs, por vezes de uma forma brutal; implica um
olhar diferente sobre os problemas demográficos que a velha Europa enfrenta;
exige uma maior solidariedade entre os países-membros, não tanto para
“igualizar” os direitos, mas para organizar as políticas económicas de forma a
permitir a convergência em vez de aumentar a divergência. Afirmar a importância
politica desta dimensão social significa, também, olhar para a politica económica de outra maneira.
2. As
dificuldades que impediram o desenvolvimento de uma dimensão social da
integração estiveram sempre ligadas aos diferentes modelos sociais que
coexistem dentro da União Europeia. De uma maneira geral, podemos dizer
que, nos países do Norte (incluindo a Alemanha), os direitos sociais e as
regras do mercado de trabalho resultam principalmente da negociação directa
entre associações patronais e sindicais, praticamente sem interferência dos
governos. Isso implica uma grande estabilidade social e uma partilha mais
equilibrada dos ganhos de competitividade, mas exige sindicatos fortes e
representativos que não dependam, por exemplo, de ideologias políticas.
Na Europa do Sul, este modelo nórdico quase nunca funciona,
obrigando as negociações a contar com um terceiro parceiro, que é o Estado.
Para intervir nas negociações colectivas, para fixar o valor de salários
mínimos ou para regular mais equitativamente os mercados de trabalho. O litígio predomina sobre a negociação de consensos.
Os sindicatos são mais ideológicos. A instabilidade maior. Com a integração da
Europa Central e de Leste, juntou-se ao puzzle um conjunto de países mais
preocupados em recuperar economicamente para competir no mercado europeu e
menos interessados em importar o seu modelo social, que é, apesar das
diferenças, o forte traço comum entre o Norte e o Sul. São, por isso, bastante
avessos a qualquer ideia de harmonização de direitos sociais. É a partir desta realidade complexa e
diversa que a União Europeia tem de encontrar um caminho que permita
a um trabalhador búlgaro esperar que a Europa tenha um efeito benéfico na sua
vida e a um trabalhador sueco dormir descansado, sem receio de uma “igualização
por baixo” dos seus direitos sociais. Mas há, entre a Bulgária e a Suécia, traços comuns que podem estar na
agenda europeia. A “Grande
Recessão”, que resultou da crise financeira de 2008, pôs em
evidência novos problemas que são comuns a quase todos os países – o aumento
da precariedade, o trabalho sem regras para as plataformas digitais, o desemprego
dos jovens ou a sua condenação a empregos de segunda ordem, a necessidade de
integrar com justiça os imigrantes no mercado de trabalho legal, uma maior
justiça salarial entre mulheres e homens, o direito à formação, o combate à
exclusão. Foi isto também que começou a ser levado em conta no Porto e no
momento certo: o
início de uma nova fase de reconstrução, que não pode correr o risco de
aumentar as divergências económicas e sociais no quadro do mercado único
europeu e da zona euro, mas antes encontrar as políticas mais acertadas para
permitir a convergência.
3. É
este, de resto, um dos maiores e mais exigentes desafios que a União enfrenta
nos próximos tempos – o de reformar as regras de funcionamento da zona euro e do
próprio Mercado Único para conseguir conciliar diferentes objectivos, que
passam pela convergência económica interna, mas também pelo aumento dos níveis
de crescimento potencial das respectivas economias. Os dois propósitos são
complementares. Com o colete-de-forças das regras macroeconómicas da zona euro,
sem os mecanismos orçamentais necessários para as compensar, a economia
europeia continuará a crescer a um ritmo bastante inferior ao das suas grandes
congéneres mundiais – em primeiro lugar, os EUA e a China. E não vale a pena olharmos só para nós e
para as nossas dificuldades, para lamentar o fraco crescimento da economia
portuguesa (que estava a crescer acima da média da zona euro antes
da pandemia). O fraco crescimento das economias europeias é geral, quando
comparado com outras democracias desenvolvidas.
4. Há,
no entanto, um problema. A Alemanha não estará, provavelmente, em condições de
se comprometer seja com o que for até às eleições legislativas de 26 de
Setembro, de resultados que nunca
foram tão incertos. Não apenas porque a chanceler vai sair de cena,
mas porque a tradicional estabilidade e previsibilidade da vida política alemã
está posta em causa desde que a AfD fez a sua entrada
em força no Bundestag nas eleições de 2017. Hoje, os factores de
incerteza são outros. Segundo todas as sondagens, a CDU está em queda, os
Verdes em acelerada ascensão, o SPD a lutar pela sobrevivência e a
extrema-direita continua bem implantada, principalmente no Leste. Desta vez,
felizmente, são os Verdes que podem constituir o factor de mudança.
Não
há grandes divergências entre os três partidos do mainstream – CDU/CSU, Verdes
e SPD – quanto a um conjunto de questões essenciais, que vão da fidelidade ao
projecto europeu à pertença à NATO, passando pela defesa de uma economia social
de mercado, à velha maneira alemã. Há diferenças significativas em algumas
opções políticas que têm a ver com a Europa – desde a forma como olham para o
défice e a dívida até à política externa alemã. Os Verdes, que são hoje um
partido de centro-esquerda liberal, graças à “revolução” levada a cabo por
Joschka Fischer em 1998, opõem-se, por exemplo, à lei-travão que impõe
limites ao endividamento público, encontrando agora um clima mais favorável,
incluindo em sectores da própria CDU. Outra diferença substancial: defendem
a suspensão imediata do Nord Stream 2 e são bastante críticos de uma política demasiado
condescendente em relação à China. Atendendo a que são várias as hipóteses
de coligação para formar governo (CDU-Verdes; Verdes-SPD-Die Linke;
Verdes-CDU-FDP), a Alemanha vai levar algum tempo a reencontrar a estabilidade
política necessária para saber o que quer da Europa. O problema é que a
Europa não pode ficar eternamente à espera.
5. Há
hoje uma feliz constelação de líderes europeus que pode dar um sentido a esta
fase de transição. Emmanuel Macron continua
a ter uma visão da Europa mais ambiciosa, aberta e mobilizadora do que a
generalidade dos seus pares. Mario Draghi não traz apenas o seu enorme prestígio para o
Conselho Europeu, como volta a colocar no mapa um dos grandes países da União,
cuja longa ausência foi particularmente negativa para os seus equilíbrios
internos. António Costa pesa no
Conselho Europeu muito mais do que o peso relativo do nosso país. Como outros
primeiros-ministros portugueses antes dele, consegue fazer pontes entre
interesses e visões diferentes e abrir algumas janelas para que a Europa não
fique demasiado centrada sobre si própria. Só mesmo
por cá é possível desvalorizar o prestígio que conquistou em Bruxelas. Só mesmo
por cá é que não se valorizou o trabalho desenvolvido por Augusto Santos Silva
para colocar a Índia no lugar que deve ter no mapa das relações externas
europeias, iniciando uma mudança fundamental na forma como a Europa olha para o
mundo e compensando, na medida do possível, a ausência do Reino Unido. Falta
ainda ver se este desempenho português terá continuidade no fortalecimento da
relação transatlântica, depois de uma fase talvez demasiado “continental” do
nosso alinhamento europeu.
A
“reconstrução” europeia também passa por aqui. É uma enorme oportunidade. O Porto
deu a sua contribuição. tp.ocilbup@asuos.ed.aseret
TÓPICOS: OPINIÃO
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COMENTÁRIOS: Roberto34MODERADOR: Mais um excelente artigo da Teresa de Sousa como
sempre, a explicar bem a razão da dificuldade em ter uma política social comum
na UE e pelo facto de esta nunca ter figurado nos Tratados enquanto competência
exclusiva da UE. Eu acho que a UE estará bem preparada para os desafios e
mudanças. A Comissão Europeia tem imensa competência nessa área. Só precisamos
de líderes Europeus com visão e sem medo de arriscar. Não há que ter receio em
fazer mudanças nos Tratados se for preciso. GMA EXPERIENTE: Pode ser repetitivo, mas não deixa de ser verdadeiro.
A Teresa de Sousa justifica em boa parte continuar a ser leitor-assinante do
Público. Já agora, observe-se, por sociologicamente significativo, que a tribo
de indignados instantâneos-selectivos não dá por aqui sinais de vida. ………………..
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