sexta-feira, 28 de maio de 2021

Desvendando


Tal o Poirot, no remate das suas investigações detectivescas, justificando, perante os intervenientes no processo investigado, o esplêndido funcionamento das suas células cinzentas, ou, numa perspectiva mais historiográfica – que concorda, aliás, com a designação de historiador que Pacheco Pereira justamente se atribui - o honradamente vivaço Fernão Lopes protestando a “clara certidom da verdade nas suas crónicas historiográficas. Mas, evidentemente que as mazelas sociais do nosso mundo anti-heróico mais facilmente nos levarão à preferência pela equiparação do nosso Pacheco Pereira com o esmerado detective belga, mais sociólogo, todavia, e menos psicólogo do que este, que não é este o seu fito, nem o das suas hábeis deduções de ledor e estudioso. Todavia, alguns comentadores apontam-lhe um certo retraimento na explicitação dos factos. Julgo que esse aspecto provém de uma discrição natural de estudioso, não propriamente polemista.

OPINIÃO

Por que razão há tanta indiferença face aos grandes devedores?

Para onde foram as centenas e centenas de milhões de euros, eles que não têm bens e que, os que têm, a banca acha que é melhor “não serem executados”? A essa pergunta sei responder; para o seu bolso e dos seus cúmplices. E, retiradas as despesas de “contexto”, ainda lá estão.

JOSÉ PACHECO PEREIRA

PÚBLICO, 22 de Maio de 2021

“Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração também. Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” Evangelho de S. Mateus

Em primeiro lugar, porque, não sendo políticos, o populismo toca-lhes muito pouco. Não são jogadores de futebol, nem cantores, nem personagens do jet-set, nem nobreza ou realeza. Dito em bruto, é isso mesmo. E quando lhes toca é por que o rastro das suas actividades empresariais vai ter ao poder político de forma mais ou menos explícita.

Em segundo lugar, porque alguns deles têm outras protecções, a começar pelo mundo dos grandes clubes de futebol, como é o caso do presidente do Benfica que continua lá. Podem referir que deles se dizem cobras e lagartos, mas se formos a ver é a disputa futebolística e clubista que explica essa má-língua, não os casos em si. São os partidários dos candidatos que perderam, são os adeptos do clube A contra o clube B que clamam vigorosamente contra o homem do clube alheio e são muito silenciosos sobre os seus. É o colectivo das claques prolongado pelas redes sociais, e é também porque o mundo do futebol, cheio de ilegalidades, de contratos esquisitos com jogadores, de offshores, de despesas sumptuárias, de corrupção e de violência, não suscita no populismo muita condenação.

Em terceiro lugar, porque os partidos, a imprensa, os comentadores com proximidade com o mundo dos negócios “liberais” tendem a desvalorizar aquilo e aqueles sobre os quais fazem um cordão sanitário, dizendo que “eles” não são o retrato do capitalismo português, “eles” são a fruta podre de um cesto limpo e sadio. Tomá-los pelo todo é fazer a propaganda do BE e do PCP contra os empresários “criadores de riqueza”.

Sim, tomá-los pelo todo é injusto com alguns dos grandes e muitos dos pequenos, mas a sua ganância, a sua falta de escrúpulos com os dinheiros alheios, a sua promiscuidade com políticos corruptos, o seu insulto a gozar com os que não foram lá buscar centenas de milhões de euros, mas que os vão pagar, e, nalguns casos, os seus crimes, são a regra. Eu, aliás, ainda estou para ver a Iniciativa Liberal falar destes homens sem ser só sob o chapéu dos malefícios do Estado (que existem) e as confederações empresariais, ou a alta finança, que, pelos vistos, sabiam de tudo, mas não disseram nada.

Em quarto lugar, porque os grandes devedores não caíram do céu ou exclusivamente do regaço de rosas de Ricardo Salgado, conluiado com José Sócrates, mas comprometem gente altamente “reputada” e qualificada do mundo da banca, gestores “de topo” que circulam de administração para administração, que fazem parte do círculo de confiança que manda neste país e que fazem de conta que não tiveram nenhuma responsabilidade com o que se passou.

Em quinto lugar, por que muita da imprensa económica, e não só, reflecte este mesmo tipo de preocupações, chamemos-lhe “de classe” para irritar com um vocabulário marxista, e tem dependências muito pouco transparentes. Seria muito interessante, por exemplo, conhecer como actuam as agências de comunicação, pagas a peso de ouro pelas grandes empresas e empresários individuais, e como é que elas, sem indicação de publicidade paga, controlam quem aparece e quem não aparece nas páginas dos seus jornais e como aparecem.

Em sexto lugar, a economia das indignações é dúplice em vários escalões. Atinge muito mais os que vêm de baixo do que a gente fina, que é de facto “outra coisa”. E aqui entramos por um processo mais vasto do que os protagonistas actuais visto que remete para as enormes diferenciações sociais em Portugal e o modo como elas se incrustam inconscientemente no populismo. Os “que sobem na vida” quando caem fazem-no com muito mais fragor, porque a inveja social é muito horizontal e eles são da mesma extracção e mundo dos escrevinhadores das redes sociais. Os de cima estão sempre mais protegidos. É um remake de uma tese que foi propagandeada por esse pai do populismo nacional que foi o Independente, que execrava os novos-ricos das “meias brancas” e não dizia uma linha sobre os grandes lobistas que estavam sossegadamente nos seus tempos livres na Assembleia da República e que sabiam comer à mesa com os talheres todos. E o Chega é muito selectivo nas suas indignações porque tem lá gente desta, como se sabe.

Podia continuar até ao infinito, “enésimo lugar” por cada milhão de euros e não acabava. Claro que estes homens são os que hoje são atirados às feras, que periodicamente precisam de ser alimentadas com os “maus” para não irem comer os “bons”. Desde aparecerem como atrasados mentais, ou esquecidos profissionais, até à arrogância ingénua de Berardo e a arrogância insuportável do homem da Ongoing, confortável no seu exílio brasileiro, depois de ter comprado deputados que “não sabiam o que era a Ongoing” e depois ficaram a saber muito bem, tivemos de tudo. Para onde foram as centenas e centenas de milhões de euros, eles que não têm bens e que, os que têm, a banca acha que é melhor “não serem executados”? A essa pergunta sei responder; para o seu bolso e dos seus cúmplices. E, retiradas as despesas de “contexto”, ainda lá estão.

Até breve. Até que os especialistas da “resiliência” ou, se quiserem, de disparar bazucas, não comecem a vir engrossar a lista dos grandes devedores e tudo se repita.

Historiador

BANCA  NOVO BANCO  CORRUPÇÃO  JUSTIÇA  BES  RICARDO SALGADO  LUÍS FILIPE VIEIRA

COMENTÁRIOS:

Fernando Dias.896153 EXPERIENTE: O problema está nos disfuncionamento dos bancos, sobretudo nos "too big too fall", na falta de controle sério sobre o seu funcionamento. Os "too big too fall", devido ao risco sistémico e de forçarem ao salvamento pelos contribuintes deveriam ser sujeitos a mecanismos de controle adicionais. Se não é o caso, não culpem os empresários, a não ser q haja prova de ilícitos em cumplicidade, e.a. com os bancos. O simples facto de 1 empresa ter falido, ter deixado uma grande ardósia por pagar ao banco q a financiou e q não haja garantias suficientes -imobiliárias ou outras- para executar não é razão para lançar o anátema sobre o empresário em questão. Há imensas situações legítimas e honestas onde isso acontece na vida real. Tampouco é razão se o empresário não garante pessoalmente o passivo.                Pedro de Souza EXPERIENTE: Não defendo a Maçonaria, que até acho hoje uma coisa meio ridícula, mas essa Máfia dos grandes credores dos Bancos é que é a verdadeira maçonaria, é essa que deveria ser exposta. Por que razão a Justiça ou o Banco de Portugal não procedem à desratização? Porque circulam nos mesmos meios, quando deixam o serviço público têm quem os agasalhe.             Jose Luis Malaquias INFLUENTE: As verdades que JPP aqui vai repetindo têm o condão de me deixar deprimido e sem fé no futuro deste país e deste mundo. Antonio Pacheco INICIANTE: Os bancos fornecem crédito de biliões sem garantias. O dinheiro desaparece, o dinheiro era do povo e o estado mete lá mais dinheiro do povo. Biliões de euros que podiam ser investidos em causas sociais ou em investimento…. O estado vai distribuindo côdeas de pão em subsídios ou em empregos públicos e o povo aplaude. Por sinal um desses devedores é o rei do circo, e o povo aplaude. Temos um povo que se contenta com pouco, o pão. Temos uma elite que gosta de dar espectáculo circense. É tudo mais do que suficiente, pão e circo!                FPS MODERADOR: "Não servirás a dois senhores. Servirás a Deus ou a Dinheiro" esta tradução, a propósito da citação inicial de Pacheco Pereira, parece-me mais clara. Vi-a, há uns anos, fundamentada, numa obra de Anselmo Borges (Quem foi, quem é Jesus Cristo). O Dinheiro, nome próprio e com estatuto divino, pois nos garante a vida e o poder... Li esta crónica de Pacheco Pereira e não descortinei uma palavra, uma única palavra que fosse, sobre a justiça. Não consigo perceber esta sistemática ausência de JPP sobre a complacência, a impotência(?) e a inoperância da justiça em casos desta grandeza e dimensão... Vou esperar que algum dia se desate, porque penso que alguma coisa de importante saberá...                 joaquim pocinho EXPERIENTE: O senhor Pereira não gosta de sombras..              AARR EXPERIENTE: Pode explicar melhor o seu raciocinio?                joaquim pocinho EXPERIENTE: O Senhor Jose Pereira , sempre o senhor Pereira..                     bentoguerra69.1045698 INICIANTE Indiferença ,ou conivência?     Hugo Miguel Campos Rodrigues dos Santos INICIANTE: Bravo!             Mario Coimbra INFLUENTE: Uma revista semanal onde escreve vinha este semana com uma lavagem ao Rei dos Frangos. Muito comovente. Eu acho que toca no ponto fulcral. A banca e os negócios da banca têm muito pouco escrutínio. Ninguém no seu perfeito juízo faz negócios para ir á falência mas parece que foi isso que os nossos bancos fizeram. Eu continuo a achar que o Banco devia ter caído. Era um sinal crítico que se mandava a todos os outros.              JPR_Kapa INFLUENTE: JPP caracteriza bem este tipo de "ingenuidade", mesmo aqui no texto ao lado. Com que então, para si, isto é um problema de Portugal. Em mais nenhum lado os bancos e as suas elites, funcion(ar)am assim, a crise de 2007/8 é uma invenção, etc.....                Jose MODERADOR: O Capitalismo funciona assim, mesmo que os capitalistas se mostrem escandalizados com o funcionamento do sistema em que são a classe dominante, é hipocrisia e cinismo. As sociedades comerciais cumprem o Código comercial, os bancos cumprem as leis aplicáveis e observam as decisões das reguladoras. As sociedades comerciais compram, transformam, vendem, facturam. É no acto de facturar que recolhem a riqueza e alguns impostos e taxas. Depois distribuem para os accionista, os administradores, o Estado, a Segurança Social, os fornecedores e finalmente para os trabalhadores. Quem parte e reparte fica com a melhor parte ou não tem arte. Essas instituições têm ainda o direito à insolvência cuja massa falida administrada pelo administrador de insolvência paga, do que restar, aos credores. Ponto!            M Cabral EXPERIENTE: Pois é.

 

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