domingo, 16 de maio de 2021

O senhor que se segue


Ou “Le roi est mort, vive le roi”, ou “Um por todos, todos por um”, ou “Depois da vacina o dilúvio”, ou José Régio, se possível recitado por João Villaret, para uma vacina de esperança… Ainda que isso nada signifique:

«era então que sucedia

Que em Portalegre, cidade

Do Alto Alentejo, cercada

De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros

Aos pés lá da casa velha

Cheia dos maus e bons cheiros

Das casa que têm história,

Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória

De antigas gentes e traças,

Cheia de sol nas vidraças

E de escuro nos recantos,

Cheia de medo e sossego,

De silêncios e de espantos,

- A minha acácia crescia.


Vento suão! obrigado...

Pela doce companhia

Que em teu hálito empestado

Sem eu sonhar, me chegara!


E a cada raminho novo

Que a tenra acácia deitava,

Será loucura!..., mas era

Uma alegria

Na longa e negra apatia

Daquela miséria extrema

Em que vivia,

E vivera,

Como se fizera um poema,

Ou se um filho me nascera.»

 

Tempestade perfeita

Não fora a formidável capacidade amortecedora do Presidente Marcelo e já estaríamos a navegar em águas furiosas. Mas as ambições estão à solta. Reina a desconfiança. E os que já perceberam o papel do Presidente querem agora ver-se livres dele. O que é perigoso.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 15 de Maio de 2021

Parecem reunidas as condições para uma grande tempestade. Perfeita ou não, é o que falta saber. Por onde passou, a pandemia deixou mortos e feridos. Isto é, por todo o lado. Na sociedade e na economia. Nas instituições e nas empresas. Nas comunidades e nas classes, sobretudo nas mais pobres. A desigualdade social aumentou. A tensão racial, deliberadamente exacerbada, está mais visível. Há gerações que vão sentir, por anos, as dores desta crise. Se houver força, meios e honestidade, talvez seja possível acudir aos vivos. Mas a sociedade está ferida, ninguém duvide. A ponto de que já poucos acreditam no optimismo: desconfiam mesmo de que este é o próprio do fala-barato.

Na vida política, previsivelmente, houve de tudo: cooperação, solidariedade, rivalidades e oportunismo. Mas o mais visível é muito negativo. O debate político está a ficar insuportável. O teor das discussões parlamentares atinge inéditos níveis de baixeza. Quem tem o poder (o PS e as esquerdas) tem cada vez mais receio de o perder, apesar de não ter adversário à altura. Quem não tem o poder (o PSD e as direitas) pressente que não vai ser desta que lá vai, que não tem pessoal nem argumentos. A extrema-direita não esconde uma espécie de justicialismo histérico que a toda a gente faz mal. Certos grupos de esquerda, a começar pelo Bloco, falam com o desespero de quem está a perder a revolução, a poucos metros da Bastilha ou do Palácio de Inverno. Ministros, secretários de Estado e autarcas perdem a compostura. Há responsáveis políticos que se exprimem como carroceiros. Já há ameaças à liberdade de expressão. Crescem as vontades de controlar a comunicação. O debate político está envenenado. Não apenas porque faltam décadas de experiência democrática e gerações de educação política, mas também porque tudo parece frágil e incerto.

As alianças, as reais e as esperadas, estão tremidas, entre parêntesis. Nada é seguro. Todos querem ver se escapam à necessidade de fazer coligações. O PS e o PSD sonham com maiorias absolutas, mas delas estão longe. Gostavam de se ver livres dos seus prováveis aliados, mas não podem dispensá-los. PCP, Bloco, CDS, PAN, IL e Chega querem absolutamente tornar-se indispensáveis. Sabem que, se falharem estas, não haverá tão cedo novas oportunidades.

As batalhas e as intrigas pela sucessão estão abertas e são visíveis em todos os principais partidos. É bem provável que, dentro de três anos, nenhum dos actuais líderes se mantenha em exercício. O que nunca se faz sem sangue

Todos esperam pelas autárquicas (o que nem sempre é uma boa medida) para ajustar contas internas nos partidos. Em todos, às abertas ou discretamente, prepara-se a substituição ou a sucessão de líderes. Nenhum escapa, PS, PSD, CDS, Bloco e PCP. As batalhas e as intrigas pela sucessão estão abertas e são visíveis em todos os principais partidos. É bem provável que, dentro de três anos, nenhum dos actuais líderes se mantenha em exercício. O que nunca se faz sem sangue: as lutas internas têm sempre causas e consequências cá fora.

São notórias as dificuldades em manter a ordem pública. Uma evidente incapacidade revelou-se em Odemira, como se vê no futebol e noutras manifestações. Parece que a ordem pública só se mantém e é garantida quando está protegida por organizações civis ou quando uma entidade privada decide mantê-la, como se tem visto. A tranquilidade e a segurança parecem mais dependentes da Igreja católica, do PCP e da CGTP do que das autoridades.

Algumas das mais importantes funções de Estado ou de soberania estão em crise aberta. A Justiça, já se sabia. Agora, de modo inesperado, o governo abriu um profundo e inútil diferendo com parte importante das Forças Armadas, que já sofriam há muito de insuficientes recursos humanos e financeiros. A declaração pública assinada por quase todos os mais importantes e prestigiados chefes militares das últimas décadas, a começar pelo Presidente Ramalho Eanes, ele próprio antigo CEMGFA e CEME, é de uma gravidade extrema, pelo que é assustador o silêncio do Parlamento, do governo OPINIÃO

e dos partidos. Espera-se todavia que o Comandante Supremo das Forças Armadas, o Presidente da República, se exprima com brevidade, até porque tem de se definir perante os diplomas legais que lhe vão chegar às mãos.

Há dinheiro. Muito dinheiro. Para quem o apanhar. Para quem estiver no poder, no governo ou na autarquia. Dos antigos fundos europeus, sobram milhões não utilizados. Dos novos, que estão quase a chegar, esperam-se milhares de milhões. O seu gasto não depende de privados, nem de empresas, depende exclusivamente das autoridades, do governo e dos autarcas. Haver dinheiro pode ser tão perigoso quanto a sua falta. Os apetites vão agudizar os nervos e as energias.

Há falta de dinheiro. Muita. As empresas que sobrevivem estão exaustas. Os trabalhadores e empregados dos sectores privados estão inquietos e empobrecidos. Os possíveis investidores nacionais não querem arriscar. Os grupos internacionais não estão por enquanto interessados. As famílias não têm para poupar, muitas delas aliás nem sequer para chegar ao fim do mês. Se a vida económica recomeçar ainda em 2021, vão ser necessários anos de esforço para recuperar, relançar o turismo, elaborar projectos, atrair investimentos, criar emprego, poupar, refazer o sistema educativo e reorganizar os serviços de saúde actualmente exaustos e endividados. Vão ser precisos anos para recompor os sentimentos, a esperança e até as famílias.

A sociedade e a economia estão dependentes de recursos financeiros anormais e excepcionais. Que não dependem do curso regular das actividades económicas. Dependem, isso sim, das decisões políticas, da importância de cada um, do poder negocial, da força das convicções, da capacidade de persuasão e do interesse clientelar. Como é sabido, à vista das últimas décadas, Portugal não tem revelado aptidão e experiência para tratar com honestidade a decisão política, económica e financeira.

Não fora a formidável capacidade amortecedora do Presidente Marcelo e já estaríamos seguramente a navegar em águas furiosas e em tempestades impossíveis. Ao contrário de todos os seus antecessores, o Presidente percebeu desde o início que tinha de ter uma aliança forte e durável com o governo e a maioria parlamentar. O que muito tem ajudado no seu papel moderador. Mas as ambições estão à solta. Os nervos em brasa. Reina a desconfiança. E os que já perceberam o papel do Presidente querem agora ver-se livres dele. O que é perigoso.

Sociólogo

TÓPICOS

OPINIÃO  FORÇAS ARMADAS  PRESIDENTE DA REPÚBLICA  GOVERNO  PARTIDOS POLÍTICOS  MILITARES  DEFESA

COMENTÁRIOS:

Paulo Batista EXPERIENTE: Calma ! O mundo não vai acabar... Portugal, esse país pobre, pequeno e mal administrado irá sobreviver como já aconteceu no passado. Com dificuldade, com pobreza, com ajuda da UE ... embora a Armada espanhola esteja a tomar conta disto tal é o seu peso na economia e no sector financeiro. E com a basuca ainda irá ser maior com grandes empresas espanholas a ganharem muitas obras e a sub-contrarem empresas portuguesas. Enquanto houver dinheiro haverá governação, quando não houver virá uma troika para dizer como se faz .... Isto também levanta uma questão: Quem em Portugal vota PS ou PSD ? Parece-me que os eleitores destes partidos serão os políticos e todas as suas famílias que estão dependentes dos job for the boys (isto a nível nacional, regional, municipal e junta de freguesia).           Fowler Fowler EXPERIENTE: Maio. Atmosfera carregada. Adivinha-se tempestade. Uma descarga eléctrica pode ser fatal como o destino. Tal como em 1917, eis que surgem videntes com as suas narrativas fundadas no perigo vermelho e noutros que tais. Do alto do seu pedestal, acreditam que a retórica permite intermediar e influir junto do poder de Santa Maria de Belém e de outros poderes divinos. Que me lembre, nunca vi tanto vidente a vender os seus serviços. Resta saber se o “encoberto” está incluído no preço. cs265.1073132 INICIANTE: retrato perfeito do momento, não é bonito, mas aí está o que é, onde chegámos, o que somos ou deixamos ser, colectivamente. Veja-se e queira-se diferente, melhor! sem ir por neo-fascismos que podem aliviar sentimentos de revolta, mas não levam a parte alguma que seja boa, antes pelo contrário. Não trocar ilusões por outras piores ainda            Jose MODERADOR: Aqui-del-rei! É o dilúvio!               Zé Goes EXPERIENTE: Com muita pena mas há que reconhecer muita razão a A Barreto. Quem não achar que está feito aqui um retrato fiel de Portugal de hoje não está a entender nada do que por cá se está a passar.            JORGE COSTA EXPERIENTE: Excelente artigo, lúcido e objectivo. Seria bom que quem nos (des)governa pagasse a crise que está aí.... mas vivemos num País que infelizmente virou à esquerda com toques de realeza. Resta o Vice-Almirante com o seu desempenho excepcional na tarefa de vacinar tudo e todos neste rectângulo. Não teremos dinheiro para nada mas viveremos felizes enquanto o Povo não abrir os olhos. Somos roubados todos os dias... mas ainda existem alguns felizes. Até quando?          Artur João Lourenço Vaz INICIANTE: Este não sai do Muro das Lamentações e parece o Coro de uma tragédia grega!...     GMA EXPERIENTE: "Tempestade perfeita" ou profecias de Nostradamus (ou do Bandarra)?        FzD INFLUENTE: Isto é análise política (e sociológica), rigorosa e fundamentada, não se trata de mero jornalismo ou opinião.           Jonas Almeida EXPERIENTE: Concordo, uma análise certeira. A sociedade está há duas décadas a ser esganada pelo neoliberalismo "sem alternativa" com a conivência e proveito de partidices saprofitas. A vítima ou morrerá asfixiada ou se revoltará. Que rebente a tempestade.           H2O INICIANTE: O escriba deve dedicar-se à causa pública e não se limitar a articular artigos de opinião !           FzD INFLUENTE: Só água...              cisteina EXPERIENTE: Exaustivo e exemplar na análise, aproxima-se uma "tempestade (mais) que perfeita", se, além dos problemas internos que aqui enunciou tivermos em conta o que se passa a nível internacional, sobretudo ao nível financeiro: os bitcoins em profunda desvalorização (os esquemas Ponzi sempre dão nisto), os mercados a reagirem, já se volta a falar na inflação, há dinheiro a mais por aí espalhado, a menos nas pessoas que dele precisam, desemprego porque muitos não querem trabalhar, com empresas sem mão-de-obra qualificada (muitos debandaram, vieram outros, nada percebem, para serem explorados em Odemira, é o mundo às avessas, muitos milhões em cuecas, alguns milhões gordos e anafados. E nas tempestades (mais) que perfeitas Portugal nunca se safa, já vimos este cenário. Toca a reunir!                   José Cruz Magalhaes MODERADOR: A única maioria absoluta foi a que Marcelo conquistou, nas últimas eleições presidenciais. Qualquer outra é impossível, quando já tinha sido pouco provável, enquanto o regime se albergou sob a telha dos partidos de maior implantação.Com a pulverização do sistema partidário, resultante das sucessivas diatribes autofágicas, de dirigentes, concelhias e distritais dos maiores partidos e uma acentuada miopia que deixou de permitir sentir os anseios e aspirações dos representados ,em favor das estratégias e projectos hedonistas dos eleitos e dos aplausos dos bafejados e parceiros de circunstância do crédito bancário infinito e da liquidez transbordante de Planos e Fundos Europeus.           fmart8 INICIANTE: Bolas, homem! Se o sol não lhe entra dentro de casa acenda a                      luz! Se pretende ser o pessimista de serviço, não me parece que algum dia alcance a elegância do Vasco Pulido Valente. Isto sempre esteve mal, sempre esteve condenado, e sempre foi andando. O único risco novo é a polarização de opiniões e de posições, que nos pode levar aos piores resultados imagináveis.

graça dias EXPERIENTE: @fmart8 - Quem não consegue avaliar a essência do bom jornalismo, uma vez mais evidenciado com elevação neste artigo de AB, só pode ser alguém que vive na escuridão!           fmart8 INICIANTE: Ó Graça, por favor pesquise um pouco acerca das diferenças entre jornalismo e opinião (pista: são duas coisas diametralmente opostas).           Mario Coimbra INFLUENTE: Fmart8, se está contente continue a votar no governo.Filipe Paes de Vasconcellos INICIANTE       A Venezuela da Europa! ( sem recursos) Costa sempre foi populista! Costa sempre teve tiques de ditador! Quem vê Costa a discursar, e se lhe vestirem uma camiseta à Chaves ou Maduro, é tal e qual um deles. Quando temos um País governado já lá vão 6 anos pela esquerda e extrema dela, sem qualquer oposição, e com um PR que foi durante 5 anos porta voz do governo socialista apoiado pela extrema esquerda, tínhamos de chegar onde chagámos. Mas apesar de tudo tenho muita esperança que ainda se consiga salvar este nosso querido Paise o seu sofrido Povo.Mas para que isso aconteça tem de se encontrar alguém que tenha um grande par de T..., e com vontade de romper com este regime caduco...           fmart8 INICIANTE: Vá sonhando. Os maluquinhos bem querem mas não vão tomar conta do manicómio. Já demos para o vosso peditório e pagámos caro.         Armindo Castelo Bento EXPERIENTE: Assim como não é posta em causa por nenhum episódio de contestação pública a confiança inabalável que António Costa nele deposita e que continua a ser central na gestão da pandemia, como se viu na recente cerca sanitária de Odemira. Tudo isto tem uma razão: António Costa considera Eduardo Cabrita um dos principais pilares do Governo e uma figura central e indispensável na sua vida política. E eu não vou esquecer quem fanou reformas e pensões passos coelho          graça dias EXPERIENTE: @Armindo Castelo Branco - Mas que comentário obtuso e bolorento, evocando o nome de Passos Coelho, que assumiu o poder com o país confrontado como mais uma  "Bancarrota" do PS, e o que isso implicou.

 

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