Literários mas não só. Afinal, MST é
filho de uma escritora de Panteão. E tem por trás - e pela frente – um sem
número de apoiantes, que estão aí a pulular. Faz parte dos que pululam,
naturalmente, com gosto, num país onde sempre se disse que a Maria-vai-com-as-outras,
pululando ou pulando, conforme já o dissera Sá de Miranda, na sua écloga Basto…
O certo é que a pululação de hoje pula em sentido oposto ao de ontem mas tais
pulos não deixam de ser pululantes. E ocasionalmente poluentes, com ou sem máscara.
Miguel Sousa Tavares e Israel /premium
Um homem que compara Israel à Alemanha
nazi não se limita a dar-nos uma analogia grotesca. Mostra, para lá da sombra
de uma dúvida, que aterradoramente lhe falta qualquer sensibilidade para a
história
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 20 mai
2021
Tenho
olhado pouco para a televisão nestes últimos tempos, mas esta segunda-feira
apanhei-me inadvertidamente a ver o “Jornal das 8” da TVI, mais precisamente a
primeira intervenção de Miguel Sousa Tavares. Não costumo ver. Sobretudo desde
que o ouvi, creio que na “Rádio Observador”, a falar sobre literatura, uma
ideia tomou definitivamente conta do meu espírito: acredito que as suas
intenções no que toca à arte literária sejam as melhores, mas o grau de
inconsciência, superficialidade e ignorância que ele atinge não pode deixar de
contaminar o que ele pensa sobre o mundo, por muito que também aí a intenção
seja magnífica.
Mas,
como ele estava a falar do actual conflito entre Israel e os palestinianos, não
tive coragem para mudar de canal ou desligar a televisão. E a verdade é que, à
sua maneira, os minutos que aquilo durou não foram completamente inúteis, para
além de confirmarem a ideia que já antes era a minha. O que disse, então,
Miguel Sousa Tavares? Primeiro, que Israel era um Estado “à margem da lei”.
Depois, que os israelitas entraram numa “deriva louca”. Em terceiro lugar, que
o responsável directo da actual situação é Benjamin Netanyahu. Quarto, Israel é
culpada de uma “escalada desproporcional”. Prova? Os rockets palestinianos só
mataram até agora (números de segunda-feira) dez israelitas. Quinto, resta ao
mundo uma única esperança: que a esquerda do Partido Democrata americano force
Israel a travar imediatamente a sua política na região. Em sexto e último lugar,
é impossível evitar a comparação com os nazis e arredar do espírito a ideia de
que Israel se encaminha para a adopção de uma “solução final” para os
palestinianos.
É
claro que nem uma só destas ideias tomadas individualmente, ou o magma que
elas em conjunto formam, tem o que quer que seja de original. Miguel Sousa
Tavares limita-se a expor o argumentário corrente dos que nos jornais, nas
televisões e, suponho, nas “redes sociais”, condenam Israel por tudo e mais
alguma coisa, quaisquer que sejam as circunstâncias, e põem em causa a
legitimidade da sua existência (entre nós, e ficando-nos pelos mais
ilustres, José Saramago e Boaventura Sousa Santos, por exemplo). Mas
é justamente a banalidade e a indigência do raciocínio (chamemos-lhe assim) que
confere algum interesse às suas palavras. À sua maneira, elas são exemplares de
uma atitude muito generalizada e, por isso mesmo, vale a pena referir as ideias
uma a uma.
Israel
é, portanto, para Miguel Sousa
Tavares, um Estado “à margem da lei”.
Não cumpre resoluções das Nações Unidas e goza de um
estatuto de impunidade, que não cessa de aproveitar sem vergonha ou
arrependimento. Eis lindas palavras, de facto. Aparentemente, Israel viola
permanentemente os princípios universais dos direitos humanos e comete repetidamente
agressões contra outras nações.
E é verdade que o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas já condenou
mais vezes Israel do que praticamente o resto de todos os outros países juntos.
E, se pensarmos em grande parte desses países, dificilmente se poderá achar
normal que assim seja. Para mais, um país que, em todas as
guerras em que se viu envolvido, agiu em auto-defesa contra inimigos que por
inteiro negavam o seu direito à existência, não parece o melhor candidato a
Estado fora-da-lei, além de que uma democracia sólida na qual a preocupação com
o bem-estar dos seus cidadãos é coisa primeira (como
agora se viu com a vacinação contra a Covid) não se oferece espontaneamente
como perfeito exemplo de regime facinoroso. Mas, se Miguel Sousa Tavares
quer alinhar com o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, está, é
claro, no seu perfeito direito. É difícil levá-lo a sério, mas está no seu
perfeito direito.
Além
disso, Israel entrou aparentemente numa “deriva louca”. Esta da “deriva
louca” é um pouco difícil de perceber, e isso exactamente por causa daquilo que
é referido no primeiro ponto. Como falar de “deriva” – ainda por
cima “louca” – de um Estado que acabou de se qualificar de fora-da-lei? Uma
“deriva” representa forçosamente uma excepção, um desvio face a uma rota
normal. Ora, se Israel é efectivamente um Estado “à margem da lei”, os males
que lhe possa acontecer cometer não constituem de modo algum uma deriva, mas
antes a expressão natural da sua substância.
Cabe a Miguel Sousa Tavares um esclarecimento cabal daquilo que ao comum dos
mortais aparece necessariamente como uma contradição gritante.
O
responsável directo da actual situação é Benjamin Netanyahu, assegura-nos
Miguel Sousa Tavares. O que
quererá isto dizer? Que
Netanyahu infiltrou as forças do Hamas em Gaza e lançou milhares de rockets sobre Israel, com o pérfido intuito
de atingir os seus concidadãos?
Aparentemente, sob esta forma ou outra (Netanyahu teria provocado o Hamas ao
lançamento dos rockets), é a única explicação possível (espero que ele não
compre a história das expulsões de alguns árabes de Sheikh Jarrah, depois de
anos de batalhas legais, pela Corte Suprema de Israel, porque isso relevaria de
uma ignorância demasiado profunda que não quero considerar). Sendo a única explicação
possível para a tese de Miguel Sousa Tavares, é, ao mesmo tempo, declaradamente
absurda. Por acaso, eu tenho uma pequena ideia, Deus me perdoe, do que
lhe passa pela cabeça. E o que lhe passa pela cabeça é que toda a actividade
está, por definição, do lado dos israelitas. Do lado palestiniano, há apenas
passividade e reactividade. A actividade traz consigo a culpa – a passividade,
a inocência. Acontece
que uma sociedade apenas movida pela passividade e pela inocência é uma
sociedade de crianças, capazes apenas de comportamentos reactivos. Dito de
outra maneira: Miguel Sousa Tavares considera os palestinianos criaturas
infantis, incapazes de comportamentos adultos. O que, se não se pode
declarar taxativamente como uma atitude racista, anda muito perto disso. Mas,
sem dúvida, Miguel Sousa Tavares terá uma explicação diferente desta, própria a
partilhar com o mundo.
Miguel
Sousa Tavares crê também que a resposta israelita representa uma “escalada
desproporcional”. Prova? Os rockets palestinianos só mataram (números desta
segunda-feira, repito) dez israelitas. Passo por cima de um detalhe: poderia,
de facto, falar-se de “desproporcionalidade” se se tratasse de uma resposta a
uma agressão. Mas Miguel Sousa Tavares perfilha a tese de que a agressão
teve origem, de uma forma ou de outra, em Israel. Portanto, não se percebe.
Mas deixemos isso de lado e concentremo-nos nos dez mortos. Não perceberá
ele que o número de dez mortos, apesar dos milhares de rockets do Hamas, se
deve à eficácia do sistema de protecção anti-rockets israelita, a chamada
“Cúpula de Ferro”? Um sistema construído para proteger os israelitas, judeus ou
árabes, dos ataques sistemáticos do Hamas e de outros grupos terroristas que
abundam na região, que têm, de resto, o hábito de se servir dos civis como
escudos humanos? Também por aqui, e por razões, desta vez, não lógicas mas
factuais, a ideia da “desproporcionalidade” vai por água abaixo. Mas talvez
Miguel Sousa Tavares possa brindar-nos com uma explicação luminosa da
racionalidade dos seus cálculos e oferecer-nos a teoria, há muito esperada, da
proporção justa.
Miguel
Sousa Tavares deposita uma esperança sanguínea na ala esquerda do Partido
Democrata para pôr fim às malfeitorias de Israel. Quer dizer: conta com Bernie Sanders, Elizabeth
Warren e Alexandria Ocasio-Cortez, entre outros. Quer dizer: conta com os
representantes de um socialismo paleolítico e com a nova aristocracia woke.
A esperança nos primeiros não me surpreende excessivamente. Agora, a confiança
depositada na aristocracia woke causa-me uma certa admiração. Saberá ele de
quem se trata? Não verá ele aqui uma contradição? Não perceberá ele que aquela
gente não só é incapaz de resolver qualquer detalhe do conflito entre Israel e
o Hamas como isso em nada lhe interessa, preocupada que está na cruzada de um
neo-macarthismo de sinal contrário, com os seus rituais próprios e a sua
novilíngua florescente? Mas, mais uma vez, talvez Miguel Sousa Tavares nos
possa dar algumas pistas sobre como pensa que aquela gente pode contribuir para
que o Médio Oriente em geral se transforme num oásis de paz neste mundo
transtornado.
Ou
talvez não. Porque ele
genuinamente acredita que Israel busca algo como a “solução final” que os
nazis conceberam para os judeus – só que desta vez tendo por objecto os
palestinianos. Ou, pelo menos, julga a hipótese suficientemente verosímil para
se permitir enunciá-la. E aqui, declaradamente, já saímos para fora de
qualquer patamar de racionalidade e entramos no delírio puro e simples.
E seria necessário investigar os fundamentos psíquicos de um tal ódio a
Israel, eventualmente recorrendo ao arsenal das interpretações mais
tradicionais, coisa que não tenho nem competência nem apetência para fazer.
Comecei
o artigo mencionando a formidável insipiência e a quase infantilidade das
considerações de Miguel Sousa Tavares sobre a literatura. Mas isso não obstava,
em princípio, que ele não fosse capaz de escrever, no campo que escolheu,
romances legíveis e apreciáveis. Há casos extraordinários assim. Acontece, no
entanto, que o género romanesco que Miguel Sousa Tavares privilegia é o romance
histórico. Ora, um homem que compara Israel à Alemanha nazi não se limita a
oferecer-nos uma analogia grotesca. Mostra, para lá da sombra de uma dúvida,
que aterradoramente lhe falta qualquer sensibilidade para a história e que é
capaz de dizer os mais colossais disparates no mais grave e assertivo dos modos.
É forçoso concluir que o género literário em que se propôs triunfar não é
compatível com a forma da sua mente. Isso, no entanto, é, apesar de tudo, de
pouca importância. Continuasse ele a escrever os seus romances sem se dedicar a
chamar nazis aos habitantes de um pequeno país que nem a extensão do Alentejo
tem e que lutam pela sua sobrevivência e o que se lhe pode legitimamente pedir
seria amplamente satisfeito.
ISRAEL MÉDIO ORIENTE MUNDO TVI TELEVISÃO
COMENTÁRIOS:
JB Dias: Há já muito
que me recuso sequer a ver MST quanto mais a ouvir ... e confesso que mal os
noticiários têm início de imediato mudo de canal! Para obter informação hoje o
melhor é mesmo evitar as televisões ... e as rádios vão embaladas no mesmíssimo
caminho da confusão entre informação e entretenimento com os
animadores/locutores/apresentadores a confundir as suas opções ideológicas com
a realidade factual! PS: atente-se nas entoações e os esgares nos meios
televisivos, ambos utilizados para o ênfase e o puxar o sentimento para o lugar
da Razão ... a Verdade é diariamente abastardada por troca com audiências de
amorfos crentes e por "likes" entre membros dos mesmos "clubes".
Meio Vazio: Muito bom (excepto no facto de
partilhar a ignorância de que "Israel", mesmo se referindo um estado, é um nome próprio masculino - o cognome do
patriarca Jacob).
A M: Chamar Nazi a um israelita, só
mesmo se vier de um Juanito Andante, que já não sabe para onde vai.
FME: Gostei. Também já me tinha interrogado sobre os
despautérios com que MST nos brinda cada vez com mais recorrência. Longe vão os
tempos em que escreveu aquele tomo que teve um imenso sucesso. De forma mais
prosaica diria que o transtorno de personalidade poderia ser da pinga, mas como
toda a gente sabe, MST não se mete nos copos. Então de onde vem este trumpismo
com que Miguel nos vai brindando a um ritmo cada vez mais frequente? Envelhecimento.
Todos nós envelhecemos, uns melhor outros pior. Creio que MST não está a
envelhecer bem consigo próprio, mas sim em revolta com a degradação das suas
células. Esse apodrecimento celular afecta, como é obvio, a componente química,
e os curto circuitos cognitivos são como o trovejar numa noite de tempestade. Assim,
Vegan’s, Israelitas, Ventura, anti-touradas, Ministério Público (caso Marquês),
benfiquistas, sportinguistas e Observador a curto prazo, entre outros, compõe o
saco de pancada de MST.
Manuel Martins: O MST é para
mim alguém muito inteligente, e com um passado importante no Jornalismo. Mas
cada vez mais parece-me alguém arrogante e teimoso, que perdeu a isenção na
análise dos temas. Segue uma retórica teimosamente, sem nunca admitir que possa
estar errado. Depois tem os inimigos de estimação, temas onde não consegue ser
imparcial. Creio que ambiente da TVI, que para mim é de jornalismo-espectáculo,
não ajudou em nada...
Anastácio Rocha > Rui Teixeira: E o
Miguel Sousa Tavares é Tão pro quê???? Realmente falou demais e matéria que não
entende no seu todo … desta vez quem começou com disparos foi o Hammas e, como
sempre, utiliza população civil e crianças. A reacção de Israel é
desproporcional e ataca alvos civis (o hammas usa espaços civis para fazer
guerra) e o primeiro ministro de Israel a braços com a justiça promove esta
guerra para passar por herói do país e desviar as atenções … agora o MST foi
infeliz nalgumas passagens
Rui Teixeira: Ó homem, você
lá acabou por meter a pata na poça. Tão pró Israel, tão contraponto do
superficial MST?! Tão pró judaísmo, que em termos de pensar bem vale o mesmo
que o anti judaísmo (não uso semitismo em vez de judaísmo porque os palestinianos
e certos sírios também são semitas, sendo os 3 descendentes dos 3 filhos de
Sem). Perdeu o equilíbrio? Que chatice, eu até o lia...
Paulo Silva: MST - que
começou por parecer ser um espírito independente e sensato - transformou-se
numa correia de transmissão do politicamente correcto e da retórica de
esquerda. Presentemente dá uma ou duas no cravo... e 10 na ferradura. O espelho
de uma CS dominada pelos mandamentos do direito-humanismo canhoto mais
hipócrita, com que os espíritos mais fracos vão sendo manipulados. Não admiram
as contradições gritantes que o articulista aponta e que brotam das bocas
daqueles que ‘pensam’ que ainda ‘pensam’ pela sua cabeça, quando na verdade já
só vão atrás das modas ditadas pelas agendas. A analogia que MST faz com os
mouros da Mauritânia a exigirem dos portugueses de volta os terrenos que
ocuparam há 500 anos, (até foi há mais tempo, mas enfim), é já um clássico da
indigência intelectual que grassa. Com que então MST quer equiparar uma
possessão expansionista com a posse de solo pátrio?!?… Mas para onde foi a
inteligência desta alminha?… E tal como questionou Amos Oz. Onde estão as
câmaras de gás, MST?… Os judeus mais ortodoxos podem não querer aceitar a existência
de um Estado Palestiniano, mas daí a dizer que querem o extermínio dos
palestinianos vai um passo muito largo. Por essa lógica MST teria de ter
perguntado - muitas vezes - se os palestinianos e os seus amigos árabes mais
radicais, como o Hamas e outros Estados, não pretendiam também eles uma solução
final para os judeus à semelhança dos nazis...
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