domingo, 23 de maio de 2021

Virtuose


É o que AB parece ser, nestes seus descritivos, que são fruto de longa meditação bastante esclarecedora. Um autêntico virtuose, no manejo das suas definições e os seus contrários, que, para todos os efeitos - embora não satisfaçam a avidez dos assim designados, que o que desejam é a substância, o miolo que os define, e não o radicalismo da condenação sem benevolência - não deixam de se revelar na lucidez de uma mensagem que longa reflexão ditou. Parece pura maldade falar em senilidade (creio que cortei o comentário), quando são páginas de uma prosa ponderada e bela que talvez a esses que o maltratam provoca apenas um sentimento de inveja, pela elegância do discurso lógico, que poderia servir, antes, para meditar e agradecer pelo que tem de um português impecável.

OPINIÃO:   Anti

Não há racismos bons. Nem anti-racismos. Não há comunismos toleráveis. Nem anticomunismos. Não há fascismos aceitáveis. Nem antifascismos. Para qualquer destes venenos, para qualquer destes espectros, a democracia e a liberdade são as melhores armas.

PÚBLICO, 22 de Maio de 2021

Definir-se como anti qualquer coisa é sempre uma redução do espírito e uma armadilha de pensamento. E não é o que falta no nosso universo, do famoso e bíblico Anticristo, até às suas múltiplas versões contemporâneas. Anticapitalista, antifascista, anticomunista, anti-semita, anti-sionista, antiamericano, antieuropeu, anti-racista, anticlerical, antidemocrático, anticolonialista, anti-imperialista, antimaçónico, antiliberal… Eis apenas alguns exemplos de designações da moda que têm o condão de despertar amigos com efeitos imediatos e instintivos.

Hoje, têm especial fortuna alguns epítetos que são verdadeiros códigos de acesso. Quando se diz anti-racista ou antifascista, os sentimentos fervem. Os dos seus defensores e useiros, assim como de terceiros que têm receio de ser visados ou apanhados nas respectivas teias persecutórias. A exemplo, aliás, do que acontecia ainda há bem pouco tempo com o famigerado anticomunista, hoje quase em desuso.

Os movimentos anti qualquer coisa designam os seus inimigos, bastam-se a si próprios e identificam os que se devem abater. Dispensam em geral o pensamento e a reflexão, destinam-se a provocar reflexos condicionados, tropismos tribais e movimentos gregários espontâneos. Detectam os inimigos conforme as conveniências. Não têm doutrina. Ou antes, se têm doutrina, escondem-na.

Tempos houve em que quem se atrevia a defender ideia contrária aos regimes autoritários era simplesmente tratado de comunista. Foi muito frequente em Portugal. Quem não era a favor de Salazar… era comunista! A acusação de anticomunismo era a defesa de todos os que assim se sentiam acusados. Havia mesmo uma variante sofisticada que era a do anticomunismo primário.

Outras designações surgiram, mas de família diferente: anticapitalista ou anticolonialista tinham já coroas de glória e de afirmação. Acima de tudo, antifascista era a maior virtude. Cultivada sobretudo por comunistas e seus amigos, servia a designação para juntar oposições e congregar esforços sem ter de fazer o esforço de apurar doutrinas. Dizia-se o que não se queria, o fascismo, por exemplo, sem ser obrigado a afirmar o que se queria, o comunismo, em geral. Durante umas décadas, anticolonialista teve o mesmo destino: o de uma indiscutível virtude.

Vem isto a propósito de alguns espectros que ameaçam as nossas democracias e o clima de tolerância que tão dificilmente se vem estabelecendo. São os espectros dos principais afrontamentos políticos, culturais e semânticos da vida moderna-

Curiosamente, o sentido destas designações simplórias é, mesmo quando de orientação diferente, de igual ou semelhante rigor. Quem se afirma anticapitalista, anti-racista e anti-imperialista, trata os adversários de capitalistas, racistas e imperialistas com toda a desfaçatez. São os mesmos que acusam sempre os seus adversários de antidemocráticos, anti-socialistas e anticomunistas. Como se pode ver, a riqueza destes debates e destas querelas é nula. O conteúdo doutrinário é inexistente e a complexidade cultural uma ficção. São gazuas, palavras-chave, que permitem a todos os intolerantes reconhecerem-se e identificarem os das mesmas plumagens.

Vem isto a propósito de alguns espectros que ameaçam as nossas democracias e o clima de tolerância que tão dificilmente se vem estabelecendo. São os espectros dos principais afrontamentos políticos, culturais e semânticos da vida moderna. O fascismo e seu antifascismo. O comunismo e seu anticomunismo. E o racismo e seu anti-racismo.

O fascismo é odioso. O teórico, o prático e o histórico. É tolerante com a supremacia nacional. Aprecia a autoridade acima de outros valores. Alimenta o nacionalismo de modo acrítico e exacerbado. Cultiva o herói nacional, ao mesmo tempo que diminui o indivíduo. Apesar da ambição popular, não aprecia a liberdade, muito menos a democracia liberal. Mas o antifascismo é detestável. É um pretexto para definir aliados, obrigar a comportamentos, regimentar opiniões, criar fantasmas e fantasias que amedrontem. Juntar os antifascistas significa simplesmente submetê-los, disfarçadamente, a uma política escondida, geralmente autoritária e colectivista.

O comunismo é odioso. Por isso foi quase extinto nos finais do século XX. Autoritário sem complexos nem disfarces, advoga a supremacia de uma classe, exercida pelo comando de um só partido político, através do todo-poderoso Estado. Pugna pela abolição de todas as liberdades e condiciona os direitos individuais. Estabelece a submissão do direito ao partido. Acontece que o anticomunismo é detestável. É geralmente um pretexto para as autoridades de várias espécies. Vive do preconceito e da denúncia fácil e não comprovada. É a invenção de um fantasma para criar medo e impor restrições às liberdades. É um reflexo condicionado.

O racismo é odioso. É o reino do preconceito, estabelecendo bases para a superioridade de um grupo humano. Vive facilmente com a supremacia racial ou a escravidão. Revela puro menosprezo pela vida humana de outros povos e de outras etnias. Admite facilmente que as pessoas possam ser mercadoria e propriedade de outrem. Alimenta o desprezo por quem é de outra cor ou etnia. Mas o anti-racismo é detestável. É um pretexto para explorar fantasmas. Uma tentativa para condicionar os comportamentos de outros. Quem não partilhar certas ideias políticas é rapidamente apodado de racista. A sociedade é definida globalmente como racista. O país é considerado racista no seu todo como sistémico e estrutural. Até nas universidades o anti-racismo se transformou em disciplina e em área de estudos e investigação.

Verdade é que comunismo não se vence com o anticomunismo, da mesma espécie. Como é certo que o fascismo não se derrota com o antifascismo, uma sua variante. E o racismo não se resolve com o anti racismo, forma perversa de racismo

Assim é que o anticomunismo se alimenta dos mesmos defeitos do seu inimigo, a autoridade e a ditadura. O antifascismo é um fascismo robusto. E o anti-racismo é hoje uma das mais ferozes variantes de racismo. Pontos comuns aos três “ismos” e aos três “anti”: a autoridade agressiva, a provocação violenta, o preconceito e a submissão do Estado de direito. Assim como o condicionamento da liberdade individual e da democracia.

Não há racismos bons. Nem anti-racismos. Não há comunismos toleráveis. Nem anticomunismos. Não há fascismos aceitáveis. Nem antifascismos.

Verdade é que comunismo não se vence com o anticomunismo, da mesma espécie. Como é certo que o fascismo não se derrota com o antifascismo, uma sua variante. E o racismo não se resolve com o anti-racismo, forma perversa de racismo. Para qualquer destes venenos, para qualquer destes espectros, a democracia e a liberdade são as melhores armas.

Sociólogo

TÓPICOS

OPINIÃO  DEMOCRACIA  LIBERDADE  RACISMO  COMUNISMO  FASCISMO

COMENTÁRIOS

Jose Luis Malaquias INFLUENTE: O problema de fundo é que vivemos numa cultura imediatista e de sound bites, que não permite estruturar qualquer tipo de pensamento. Por isso, é mais fácil definirmo-nos pelo que somos contra do que pelo que defendemos. Não posso inserir um pensamento político num twitter, mas posso lançar um ataque contra qualquer pensamento de outro. Da mesma maneira que, nestes comentários, não podemos dizer em 600 caracteres senão análises superficiais e os artigos de fundo ficam reservados apenas para os ungidos do regime. chagas_antonio MODERADOR: Tenho alguma dificuldade em aceitar que os principais afrontamentos da vida moderna se verifiquem nos três eixos descritos no artigo, mesmo reconhecendo-lhes importância; portanto, a partir daí, a relevância do mesmo para mim perde-se no que parecem ser as memórias do colunista. Além disso, ser anti-anti não nos dá nenhuma medida ou direcção ética; alguma honestidade intelectual assumiria que, para o artigo fazer sentido, ter-se-á pelo menos de ser contra (logo, anti-) quem quer destruir a democracia e liberdade (que estão, a meu ver, a ser realmente ameaçadas por muitos outros espectros, como a desigualdade, o fanatismo, a destruição do habitat e o embrutecimento dos favorecidos). Ou seja: transparece aqui mais azedume que doutrina. Calhando, vem daí o título da peça.                  Carlos AF Costa EXPERIENTE: Muito bem.               Fowler Fowler EXPERIENTE: Ser anti implica ter pensamento que se exprime pela acção que tanto pode ser intelectual como política ou social. Individual ou em grupo. Trata-se de uma reacção a algo que se repudia, por informação/ conhecimento ou por experiência própria. Como exemplo, posso afirmar com orgulho que sou antifascista e anticomunista. Conheci os dois regimes Os valores que defendo não podem ficar à porta da cidade como se fossem um chapéu. Não deixa de ser curioso ver o sr. Barreto, um opinador que tem contribuído para a polarização em Portugal através dos retratos de estética sensacionalista e catastrofista, venha agora defender com sonsice a virtude do centro.           Carlos AF Costa EXPERIENTE: Neste exercício critico não basta manifestarmos as nossas opiniões e sermos surdos às dos outros. Se queremos ser críticos, temos que começar por ouvir os outros e também responder crítica e esclarecidamente. Diálogo crítico e esclarecido e não monólogo narcisístico. O senhor sociólogo está fora de prazo, compete-nos demonstrar de forma esclarecida e culta a sua ignorância e os seus preconceitos              Mario Coimbra INFLUENTE: Mais uma vez, excelente crónica. Os rótulos são quase sempre preguiçosos e simplistas. Querem passar uma mensagem rápida e perceptível num espaço muito pequeno/curto.          José Cruz Magalhaes MODERADOR: A sistematização dos diversos sistemas, adversos à democracia, que sustentam o corolário e as conclusões do texto, falham no essencial, que é o de demonstrar quais são, hoje, nas sociedades da abundância, desperdício e desigualdade, os reais perigos e ameaças que se insinuam sobre a democracia. E não são poucos, nem ocultos e muito menos subterrâneos; basta estar atento à progressão nas sondagens de partidos, como o da madame Le Pen, ou da afirmação dos nacionalismos de Órban e dos vizinhos golaços ou, mais perto, aqui ao lado, o revanchismo dos órfãos do caudilhismo, representado pelo Vox. A democracia, em si, nunca foi um valor absoluto, sobretudo, para todos quantos se aproveitam das suas virtudes, para mascararem os defeitos que ocultam o facto de serem falsos democratas, ou se o senhor doutor não se importar, verdadeiros e inconfessados antidemocratas.           Carlos AF Costa EXPERIENTE: Muito bem. Neste exercício crítico não basta manifestarmos as nossas opiniões e sermos surdos às dos outros. Se queremos ser críticos, temos que começar por ouvir os outros e também responder crítica e esclarecidamente. Diálogo crítico e esclarecido e não monólogo narcisístico.           Jose MODERADOR: A ideologia dominante no mundo é o anticomunismo. É essa a ideologia de António Barreto. Sendo o Comunismo uma utopia seria uma demência ser anti utopia. Então António Barreto alinha uma lista de aberrações e diz: isto é o comunismo. Desse modo já pode ser anti-comunista sem que isso seja sinónimo de demência. O anti-comunismo data de meados do século XIX quando se começou a perceber que o Capitalismo não era a última maravilha do mundo, mas que podia ser forçado a evoluir para a igualdade material. É essa possibilidade de evolução que perturba os conservadores, a direita guardiã do status quo. O Exército Azul é a estrutura que opera no mundo a perpetuar o anti-comunismo que António Barreto tanto estima e planta. O artigo de hoje só visa dar alimento ao bando anti-comunista.          Carlos AF Costa EXPERIENTE: A primeira experiência de instauração do comunismo não resultou, os anticorpos foram sobretudo do capitalismo que aplicou todas as suas energias em contrariar a experiência social, de múltiplas e inumeráveis maneiras numa atitude de preservar os seus interesses. A penicilina só resultou após dezenas de experiências laboratoriais. Sabemos também que o mundo social é bastante mais complexo e imponderável do que o mundo físico. Mesmo quando já temos uma comprovadíssima teoria quântica que desafia a nossa intuição, o mundo social persiste em ser bem mais complexo. Então?! Claro é a propaganda capitalista a querer apagar a nossa inteligência, o nosso conhecimento. O hoje não é definitivo, a realidade é movente, não nos chameis estúpidos. Amanha a experiência pode resultar.            FzD INFLUENTE: Ismos e anti-ismos são realmente os maiores inimigos da liberdade e da democracia. Verdade simples e evidente mas que, talvez por isso mesmo, tem levado muito tempo a emergir. Hugo Miguel Campos Rodrigues dos Santos INICIANTE: Uma explicação preguiçosa e panfletária. O apogeu de um maniqueísmo primário.    FzD INFLUENTE: Pois..   João Távora.1065816 INICIANTE Efectivamente, uma crónica indolente, pensamento pueril e simplista. Deve achar que a forma de lengalenga é especial, mas é o branqueamento bacoco dos antidemocratas do costume, equivalendo-os a quem, radical que seja, é democrata. Tou-me a cagar que me chamem radical, o anti-racismo é um imperativo moral.

 

 

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