É o que AB parece ser, nestes seus descritivos, que são fruto de
longa meditação bastante esclarecedora. Um autêntico virtuose, no manejo das
suas definições e os seus contrários, que, para todos os efeitos - embora não
satisfaçam a avidez dos assim designados, que o que desejam é a substância, o
miolo que os define, e não o radicalismo da condenação sem benevolência - não
deixam de se revelar na lucidez de uma mensagem que longa reflexão ditou. Parece
pura maldade falar em senilidade (creio que cortei o comentário), quando são
páginas de uma prosa ponderada e bela que talvez a esses que o maltratam
provoca apenas um sentimento de inveja, pela elegância do discurso lógico, que
poderia servir, antes, para meditar e agradecer pelo que tem de um português impecável.
OPINIÃO: Anti
Não há racismos bons. Nem
anti-racismos. Não há comunismos toleráveis. Nem anticomunismos. Não há
fascismos aceitáveis. Nem antifascismos. Para qualquer destes venenos, para
qualquer destes espectros, a democracia e a liberdade são as melhores armas.
PÚBLICO, 22 de
Maio de 2021
Definir-se
como anti qualquer coisa é sempre uma redução do espírito e uma armadilha de
pensamento. E não é o que falta no nosso universo, do famoso e bíblico Anticristo,
até às suas múltiplas versões contemporâneas. Anticapitalista, antifascista,
anticomunista, anti-semita, anti-sionista, antiamericano, antieuropeu,
anti-racista, anticlerical, antidemocrático, anticolonialista,
anti-imperialista, antimaçónico, antiliberal… Eis apenas alguns exemplos de
designações da moda que têm o condão de despertar amigos com efeitos imediatos
e instintivos.
Hoje,
têm especial fortuna alguns epítetos que são verdadeiros códigos de acesso.
Quando se diz anti-racista ou antifascista, os sentimentos fervem. Os dos seus
defensores e useiros, assim como de terceiros que têm receio de ser visados ou
apanhados nas respectivas teias persecutórias. A exemplo, aliás, do que
acontecia ainda há bem pouco tempo com o famigerado anticomunista, hoje quase
em desuso.
Os
movimentos anti qualquer coisa designam os seus inimigos, bastam-se a si
próprios e identificam os que se devem abater. Dispensam em geral o pensamento e a reflexão,
destinam-se a provocar reflexos condicionados, tropismos tribais e movimentos
gregários espontâneos. Detectam os inimigos conforme as conveniências. Não têm
doutrina. Ou antes, se têm doutrina, escondem-na.
Tempos houve em que quem se atrevia a
defender ideia contrária aos regimes autoritários era simplesmente tratado de
comunista. Foi muito frequente em Portugal. Quem não era a favor de Salazar…
era comunista! A
acusação de anticomunismo era a defesa de todos os que assim se sentiam
acusados. Havia mesmo uma variante sofisticada que era a do anticomunismo
primário.
Outras
designações surgiram, mas de família diferente: anticapitalista ou anticolonialista
tinham já coroas de glória e de afirmação. Acima de tudo, antifascista era a
maior virtude. Cultivada sobretudo por comunistas e seus amigos,
servia a designação para juntar oposições e congregar esforços sem ter de fazer
o esforço de apurar doutrinas. Dizia-se o que não se queria, o fascismo, por
exemplo, sem ser obrigado a afirmar o que se queria, o comunismo, em geral.
Durante umas décadas, anticolonialista teve o mesmo destino: o de uma
indiscutível virtude.
Vem isto a propósito de alguns
espectros que ameaçam as nossas democracias e o clima de tolerância que tão
dificilmente se vem estabelecendo. São os espectros dos principais
afrontamentos políticos, culturais e semânticos da vida moderna-
Curiosamente,
o sentido destas designações simplórias é, mesmo quando de orientação
diferente, de igual ou semelhante rigor. Quem se afirma anticapitalista,
anti-racista e anti-imperialista, trata os adversários de capitalistas,
racistas e imperialistas com toda a desfaçatez. São os mesmos que acusam
sempre os seus adversários de antidemocráticos, anti-socialistas e anticomunistas.
Como se pode ver, a riqueza destes debates e destas querelas é nula. O
conteúdo doutrinário é inexistente e a complexidade cultural uma ficção. São
gazuas, palavras-chave, que permitem a todos os intolerantes reconhecerem-se e
identificarem os das mesmas plumagens.
Vem isto a propósito de alguns
espectros que ameaçam as nossas democracias e o clima de tolerância que tão
dificilmente se vem estabelecendo. São os espectros dos principais
afrontamentos políticos, culturais e semânticos da vida moderna. O fascismo e
seu antifascismo. O comunismo e seu anticomunismo. E o racismo e seu
anti-racismo.
O
fascismo é odioso. O teórico, o prático e o histórico. É
tolerante com a supremacia nacional. Aprecia a autoridade acima de outros
valores. Alimenta o nacionalismo de modo acrítico e exacerbado. Cultiva o herói
nacional, ao mesmo tempo que diminui o indivíduo. Apesar da ambição popular,
não aprecia a liberdade, muito menos a democracia liberal. Mas o antifascismo é detestável. É um pretexto para definir aliados,
obrigar a comportamentos, regimentar opiniões, criar fantasmas e fantasias que
amedrontem. Juntar os antifascistas significa simplesmente submetê-los,
disfarçadamente, a uma política escondida, geralmente autoritária e
colectivista.
O
comunismo é odioso. Por
isso foi quase extinto nos finais do século XX. Autoritário sem complexos nem
disfarces, advoga a supremacia de uma classe, exercida pelo comando de um só
partido político, através do todo-poderoso Estado. Pugna pela abolição de todas
as liberdades e condiciona os direitos individuais. Estabelece a submissão do
direito ao partido. Acontece que o anticomunismo
é detestável. É geralmente um pretexto para as autoridades de várias espécies.
Vive do preconceito e da denúncia fácil e não comprovada. É a invenção de um
fantasma para criar medo e impor restrições às liberdades. É um reflexo
condicionado.
O racismo é odioso. É
o reino do preconceito, estabelecendo bases para a superioridade de um grupo
humano. Vive facilmente com a supremacia racial ou a escravidão. Revela puro
menosprezo pela vida humana de outros povos e de outras etnias. Admite
facilmente que as pessoas possam ser mercadoria e propriedade de outrem.
Alimenta o desprezo por quem é de outra cor ou etnia. Mas o anti-racismo é detestável. É um
pretexto para explorar fantasmas. Uma tentativa para condicionar os
comportamentos de outros. Quem não partilhar certas ideias políticas é
rapidamente apodado de racista. A sociedade é definida globalmente como
racista. O país é considerado racista no seu todo como sistémico e estrutural.
Até nas universidades o anti-racismo se transformou em disciplina e em área de estudos e investigação.
Verdade é que comunismo não se
vence com o anticomunismo, da mesma espécie. Como é certo que o fascismo não se
derrota com o antifascismo, uma sua variante. E o racismo não se resolve com o
anti racismo, forma perversa de racismo
Assim é que o anticomunismo se alimenta dos mesmos defeitos do seu
inimigo, a autoridade e a ditadura. O antifascismo é um fascismo robusto. E o
anti-racismo é hoje uma das mais ferozes variantes de racismo. Pontos comuns
aos três “ismos” e aos três “anti”: a autoridade agressiva, a provocação
violenta, o preconceito e a submissão do Estado de direito. Assim como o
condicionamento da liberdade individual e da democracia.
Não
há racismos bons. Nem anti-racismos. Não há comunismos toleráveis. Nem
anticomunismos. Não há fascismos aceitáveis. Nem antifascismos.
Verdade é que comunismo não se vence
com o anticomunismo, da mesma espécie. Como é certo que o fascismo não se
derrota com o antifascismo, uma sua variante. E o racismo não se resolve com o
anti-racismo, forma perversa de racismo.
Para qualquer destes venenos, para qualquer destes espectros, a democracia e a
liberdade são as melhores armas.
Sociólogo
TÓPICOS
OPINIÃO DEMOCRACIA LIBERDADE RACISMO COMUNISMO FASCISMO
COMENTÁRIOS
Jose
Luis Malaquias INFLUENTE: O problema de fundo é que
vivemos numa cultura imediatista e de sound bites, que não permite estruturar
qualquer tipo de pensamento. Por isso, é mais fácil definirmo-nos pelo que
somos contra do que pelo que defendemos. Não posso inserir um pensamento
político num twitter, mas posso lançar um ataque contra qualquer pensamento de
outro. Da mesma maneira que, nestes comentários, não podemos dizer em 600
caracteres senão análises superficiais e os artigos de fundo ficam reservados
apenas para os ungidos do regime. chagas_antonio
MODERADOR: Tenho alguma dificuldade em
aceitar que os principais afrontamentos da vida moderna se verifiquem nos três
eixos descritos no artigo, mesmo reconhecendo-lhes importância; portanto, a
partir daí, a relevância do mesmo para mim perde-se no que parecem ser as
memórias do colunista. Além disso, ser anti-anti não nos dá nenhuma medida ou
direcção ética; alguma honestidade intelectual assumiria que, para o artigo
fazer sentido, ter-se-á pelo menos de ser contra (logo, anti-) quem quer
destruir a democracia e liberdade (que estão, a meu ver, a ser realmente
ameaçadas por muitos outros espectros, como a desigualdade, o fanatismo, a
destruição do habitat e o embrutecimento dos favorecidos). Ou seja: transparece
aqui mais azedume que doutrina. Calhando, vem daí o título da peça. Carlos
AF Costa EXPERIENTE: Muito
bem. Fowler Fowler EXPERIENTE: Ser
anti implica ter pensamento que se exprime pela acção que tanto pode ser
intelectual como política ou social. Individual ou em grupo. Trata-se de uma
reacção a algo que se repudia, por informação/ conhecimento ou por experiência
própria. Como exemplo, posso afirmar com orgulho que sou antifascista e
anticomunista. Conheci os dois regimes Os valores que defendo não podem ficar à
porta da cidade como se fossem um chapéu. Não deixa de ser curioso ver o sr.
Barreto, um opinador que tem contribuído para a polarização em Portugal através
dos retratos de estética sensacionalista e catastrofista, venha agora defender
com sonsice a virtude do centro. Carlos
AF Costa EXPERIENTE: Neste
exercício critico não basta manifestarmos as nossas opiniões e sermos surdos às
dos outros. Se queremos ser críticos, temos que começar por ouvir os outros e
também responder crítica e esclarecidamente. Diálogo crítico e esclarecido e
não monólogo narcisístico. O senhor sociólogo está fora de prazo, compete-nos
demonstrar de forma esclarecida e culta a sua ignorância e os seus preconceitos Mario
Coimbra INFLUENTE: Mais
uma vez, excelente crónica. Os rótulos são quase sempre preguiçosos e
simplistas. Querem passar uma mensagem rápida e perceptível num espaço muito
pequeno/curto. José
Cruz Magalhaes MODERADOR: A
sistematização dos diversos sistemas, adversos à democracia, que sustentam o
corolário e as conclusões do texto, falham no essencial, que é o de demonstrar
quais são, hoje, nas sociedades da abundância, desperdício e desigualdade, os
reais perigos e ameaças que se insinuam sobre a democracia. E não são poucos, nem
ocultos e muito menos subterrâneos; basta estar atento à progressão nas
sondagens de partidos, como o da madame Le Pen, ou da afirmação dos
nacionalismos de Órban e dos vizinhos golaços ou, mais perto, aqui ao lado, o
revanchismo dos órfãos do caudilhismo, representado pelo Vox. A democracia, em
si, nunca foi um valor absoluto, sobretudo, para todos quantos se aproveitam
das suas virtudes, para mascararem os defeitos que ocultam o facto de serem
falsos democratas, ou se o senhor doutor não se importar, verdadeiros e
inconfessados antidemocratas. Carlos
AF Costa EXPERIENTE: Muito
bem. Neste exercício crítico não basta manifestarmos as nossas opiniões e
sermos surdos às dos outros. Se queremos ser críticos, temos que começar por
ouvir os outros e também responder crítica e esclarecidamente. Diálogo crítico
e esclarecido e não monólogo narcisístico. Jose
MODERADOR: A ideologia dominante no
mundo é o anticomunismo. É essa a ideologia de António Barreto. Sendo o
Comunismo uma utopia seria uma demência ser anti utopia. Então António Barreto
alinha uma lista de aberrações e diz: isto é o comunismo. Desse modo já pode
ser anti-comunista sem que isso seja sinónimo de demência. O anti-comunismo
data de meados do século XIX quando se começou a perceber que o Capitalismo não
era a última maravilha do mundo, mas que podia ser forçado a evoluir para a
igualdade material. É essa possibilidade de evolução que perturba os
conservadores, a direita guardiã do status quo. O Exército Azul é a estrutura
que opera no mundo a perpetuar o anti-comunismo que António Barreto tanto
estima e planta. O artigo de hoje só visa dar alimento ao bando anti-comunista. Carlos
AF Costa EXPERIENTE: A
primeira experiência de instauração do comunismo não resultou, os anticorpos
foram sobretudo do capitalismo que aplicou todas as suas energias em contrariar
a experiência social, de múltiplas e inumeráveis maneiras numa atitude de
preservar os seus interesses. A penicilina só resultou após dezenas de
experiências laboratoriais. Sabemos também que o mundo social é bastante mais
complexo e imponderável do que o mundo físico. Mesmo quando já temos uma
comprovadíssima teoria quântica que desafia a nossa intuição, o mundo social
persiste em ser bem mais complexo. Então?! Claro é a propaganda capitalista a
querer apagar a nossa inteligência, o nosso conhecimento. O hoje não é
definitivo, a realidade é movente, não nos chameis estúpidos. Amanha a
experiência pode resultar. FzD
INFLUENTE: Ismos e anti-ismos são
realmente os maiores inimigos da liberdade e da democracia. Verdade simples e
evidente mas que, talvez por isso mesmo, tem levado muito tempo a emergir.
Hugo Miguel Campos Rodrigues dos Santos INICIANTE: Uma
explicação preguiçosa e panfletária. O apogeu de um maniqueísmo primário. FzD
INFLUENTE: Pois.. João Távora.1065816 INICIANTE Efectivamente,
uma crónica indolente, pensamento pueril e simplista. Deve achar que a forma de
lengalenga é especial, mas é o branqueamento bacoco dos antidemocratas do
costume, equivalendo-os a quem, radical que seja, é democrata. Tou-me a cagar
que me chamem radical, o anti-racismo é um imperativo moral.
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