O receio de Abraracourcis, de que o
céu lhe caísse em cima.
Estamos hoje transformados no chefe da aldeia gaulesa, para essa questão dos medos. Trata-se, é certo, de um puro retorno terrestre, um lixo caseiro, esse da queda, não direi de superior qualidade, sendo de fabrico preferencialmente chinês. Por enquanto, o bom Deus ainda vai controlando o seu espaço, quando resolver agir será decididamente mais eficaz. Contentemo-nos, por ora, com os detritos e os vírus chineses, por muito temíveis que pareçam, mas menos graves do que se Jeová se meter ao barulho.
Haverá mais quedas descontroladas de lixo espacial,
avisa especialista. “É gritante a falta de legislação”
Ao PÚBLICO, Miguel Gonçalves fala
numa falta de ética chinesa na sua política espacial e uma possível
premeditação de reentradas descontroladas de fragmentos na atmosfera.
PÚBLICO, 9 de Maio
de 2021
Nos últimos dias, as atenções da
comunidade espacial – e não só – voltaram-se para o foguetão lançado da China a
29 de Abril do qual um segmento acabou por se desintegrar ao reentrar na
atmosfera terrestre, na madrugada deste domingo. Os restos do engenho caíram no oceano Índico, perto das Maldivas,
anunciou a agência espacial da China. Há cada
vez mais lixo no espaço, o que tem implicações de segurança, ambientais e
também políticas, diz o comunicador científico Miguel Gonçalves, antigo
coordenador da Sociedade Planetária em Portugal.
Qual era o risco real de o segmento do
foguetão chinês cair em terra, e não no mar?
Na última órbita que era conhecida antes
da reentrada na atmosfera, este primeiro estágio do foguetão chinês estaria
a percorrer 90% da sua órbita em oceano. Portanto, desde o início que
sabíamos que, do ponto de vista probabilístico, era muito difícil um qualquer
fragmento cair em terra sólida e ainda mais difícil seria cair em cima de
alguém. A comunidade astronómica e aeronáutica não estava propriamente
preocupada com destroços destes poderem cair em cima de alguém.
Este é o primeiro grande exemplo de
fragmentos de foguetões ou lixo espacial a voltar à Terra?
Não
é a primeira vez que temos estas entradas não controladas de foguetões ou
partes de foguetões na atmosfera. Aliás, a China tem até um currículo muito
pouco abonatório neste tipo de temáticas. Eles tiveram um módulo anterior que
também teve uma entrada descontrolada, assim como outros pedaços de foguetões
com entradas descontroladas. A China faz isto – e, provavelmente, vamos ter no
futuro também a indústria espacial privada a ter estes comportamentos – porque
se está a aproveitar de algo gritante, que é a falta de legislação espacial
para detritos espaciais.
E existe algum controlo?
O
que existe são apenas e só panaceias políticas, ou seja, não servem
absolutamente para nada. Não há actualmente nenhuma estrutura política
suficientemente forte para poder averiguar, monitorizar e até penalizar as
nações que usam e abusam de entradas descontroladas de pedaços com grandes
massas. Sabemos que a atmosfera consegue destruir grande parte destas
estruturas, mas também temos registo de pedaços que sobrevivem, caem nos
oceanos e depois dão à costa.
Como se chegaria a essa política
espacial?
As
Nações Unidas têm um gabinete para o espaço, mas, desde a sua fundação,
na década de 1950, é apenas
uma entidade muito passiva, de pareceres técnicos e recomendações,
sem poder efectivo. Não acredito que se consiga atingir um acordo global,
pelo menos entre as principais potências espaciais. Isto porque todas elas
têm os seus próprios planos espaciais e, por isso, acho muito difícil que nos
próximos tempos consigamos ter uma política espacial maioritariamente aceite
pelos Estados.
Aqui
entra também um outro factor na equação que é importante realçar: a
indústria espacial privada está cada vez mais pujante, e não é só nos Estados
Unidos da América. Elas também
têm que ser ouvidas quando for construída uma legislação. Não consigo
encontrar vontade política e técnica por parte das agências e das nações
espaciais para que isso chegue a bom termo.
Milhares de detritos no espaço
Segundo
Miguel Gonçalves, desde que
a guerra espacial começou, em 1957, a “quantidade de lixo espacial é
crescente e os números são cada vez mais assustadores”: Lançaram-se 6050 foguetões para o espaço; Há
28.170 detritos espaciais verificados regularmente pela Space
Review, uma publicação online sobre a exploração e
desenvolvimento espacial; Já foram documentadas 560 explosões, anomalias ou
colisões entre fragmentos espaciais; Existem cerca de 34 mil objectos
espaciais com mais de dez centímetros, que se deslocam a uma velocidade de
sete quilómetros por segundo (um parafuso com dez centímetros que circule a
essa velocidade pode destruir, por exemplo, uma janela da Estação Espacial
Internacional); Há 128 milhões de objectos com um tamanho compreendido entre um
milímetro e um centímetro, que mesmo assim criam estragos."
É, por isso, expectável que episódios
semelhantes se repitam?
Vamos continuar a assistir a este
tipo de incidentes.
Provavelmente, nos próximos tempos, vamos assistir a cada vez mais
reentradas de lixo espacial. Temos todo um conjunto de gerações de grandes
satélites que estão perto de acabar a sua vida ou que já acabaram e já estão em
processo de decaimento orbital. Em termos de probabilidades, é
muito complicado que este tipo de detritos consiga atingir alguém ou criar
grandes danos, uma vez que vivemos num planeta composto em grande parte por
oceano. A
probabilidade é que o material seja primeiro muito destruído pela atmosfera e
aquilo que sobreviver caia em água ou em áreas desertas.
Temos
um problema de pegada ambiental espacial gravíssimo cuja tendência é para se
agravar porque estamos a lançar cada vez mais satélites e já estão anunciadas
mega constelações de satélites. Estamos a criar um autêntico
ninho de vespas, colmeias de satélites em órbitas próximas da Terra que podem
causar alguns problemas.
Por não existir uma legislação?
Precisamente
por não existir legislação, além
de que estas mega constelações são um perigo também para a investigação
científica. Quando falamos de fotografias de astronomia observacional, do
cosmos e do universo profundo, ou seja, fotografias de longa exposição, temos
frequentemente, e cada vez mais, rastos destes satélites que interferem na
investigação científica. Além disso, ajudam no aumento da poluição luminosa.
Quanto mais satélites colocarmos lá
em cima, maior é a probabilidade de poderem bater entre si, o que pode dar
origem a uma cascata em efeito dominó junto de vários satélites e isso
contribui para que haja ainda mais lixo. Esperemos que nada disso aconteça.
Já tivemos relatos de avisos de
colisões mais ou menos iminentes em que tiveram de ser feitas correcções
orbitais. A própria Estação Espacial Internacional já teve vários registos de
correcções orbitais precisamente para não embater em lixo espacial.
Bill
Nelson, administrador da NASA, criticou a actuação da China a nível espacial,
acusando o país de “não cumprir os padrões responsáveis em relação aos detritos
espaciais”.
Há uma “guerra diplomática” entre os EUA e a China?
As
“relações espaciais” entre os EUA e a China não andam boas. Aliás, a China não tem participação na Estação Espacial
Internacional desde o início por veto norte-americano. As declarações de
Bill Nelson entendem-se do ponto de vista do que é a política espacial
norte-americana, mas arrisco-me até a dizer que as sanções e medidas mais duras
só acontecerão quando e se um destes detritos cair em solo americano.
Aliás,
os próprios EUA podem voltar a ter episódios de entradas descontroladas com que
não estão a contar. De uma maneira geral, as nações espaciais têm telhados de
vidro.
O que é que está, então, em causa?
O
problema é que não é a primeira vez que a China faz isto, ainda por cima, com
grandes massas. A questão é também tentar perceber se eles estão a fazer isto
de uma maneira planeada ou não. É muito difícil ter indicações oficiais por
parte da agência espacial chinesa, mas o que se fala é que tudo isto pode ser
uma estratégia delineada. Ou seja, se esta reentrada foi pensada desde o
início para ser descontrolada porque eles sabem que a probabilidade de
acontecer algum problema, de haver vítimas, é muito baixa.
Porque é que a China iria adoptar essa
estratégia?
No fundo, uma entrada controlada
deste tipo de objectos exige, por exemplo, mais combustível, mais correcções
orbitais, exige toda uma quantidade de engenharia aeronáutica mais complicada.
Portanto, se – isto é um pensamento muito simplista e tenho essa noção – a
probabilidade de acontecer alguma coisa é extremamente baixa, então porque não
apostar numa entrada descontrolada porque assim não têm que se preocupar com
muito mais?
Contudo, há aqui também uma questão de ética espacial, de
procedimentos e de segurança aeronáutica que as outras nações tentam pôr em
prática, mas que a China está a violar. Este fragmento que caiu colocou lá em
cima o primeiro módulo da estação espacial chinesa e nós sabemos que vai
precisar de mais viagens, mais lançamentos para continuar a construção modular,
que funciona como um Lego. Vamos assistir a esses lançamentos e agora sim
podemos fazer a pergunta: qual vai ser o procedimento e a estratégia da agência
espacial chinesa com os futuros lançamentos? Vão
também apostar em entradas descontroladas?
TÓPICOS: MUNDO ESPAÇO ESTAÇÃO
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COMENTÁRIOS:
Fernando Toul.886923 EXPERIENTE: O fim descontrolado do Skylab, a primeira estação
orbital da NASA, levou a que alguns pedaços daquele falhado laboratório caíssem
em terra firme em Austrália, um deles caiu no tecto de uma casa, o que levou o
seu jovem proprietário a ficar rico porque um jornal norte-americano prometeu
recompensar com 10 mil dólares a quem encontrasse um pedaço do Skylab. Os casos
não são únicos, uns são é mais falados que outros. Amélia - you're fired :) MODERADOR: Skylab foi na década de 70 do século passado. E foi a
1ª notícia em todo o Mundo. E foi com o Skylab que se reviram uma série de
regras para a segurança das pessoas na Terra. Para que isto não voltasse a acontecer.
Até foi lançada uma série de sucesso mundial onde o herói era um sucateiro
espacial que utilizava um foguete construído por ele próprio. Haa...e a aterrissar
na vertical, como o SpaceX. De referir que o que aconteceu ao Skylab foi um
acidente imprevisto, mas foi importante para conhecer um novo problema mundial.
Ao contrário deste modelo de foguete espacial da China que é uma tragédia
anunciada a cada lançamento. Já foram 2. Faltam 11. E com um faixa de queda a
passar por cima de Lisboa. O que será um perigo para o sul de Portugal a cada
lançamento... só mais 11. vinha2100 MODERADOR: Entrevista muito interessante. Deve ser duro aos trolls
ouvir a verdade sobre o Estado pária que é a China. O mesmo que nos exportou
esta pandemia que já provocou milhões de mortos. E que cada vez mais pessoas
pensam que intencionalmente. O_Vila_Nova INICIANTE: Miguel Gonçalves, o comunicador!, que se ponha a toques
que o senhor Ricardo quer lhe tirar o lugar. mario.peixoto EXPERIENTE: Infelizmente, como já é habitual, só serão tomadas
medidas quando acontecer uma tragédia. Ricardo INFLUENTE: (1) Não há nenhum
tratado internacional vinculativo. Mas a nível interno a maioria dos países tem
leis que obrigam tanto as suas agências públicas como as suas empresas privadas
a tomar precauções para que o que lançam para o espaço não volte de forma descontrolada.
Por vezes há falhas e perdem o controlo mas por regra fazem-se reentradas
controladas. (2) Isto é a 2ª vez que um foguetão deste modelo faz uma reentrada
descontrolada. Não há grandes dúvidas que a China está a fazer lançamentos
sem margem de manobra para fazer uma reentrada controlada.
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