terça-feira, 11 de maio de 2021

Amen

Apoio à boa formação moral, que uma democracia que se preze implica. Paulo Rangel não podia faltar à chamada, vivendo numa Europa onde tais misérias não entram. Isto por cá é antigo, não vamos escamotear, as verdades são para se dizer. E já houve muitos que disseram. Podíamos citar Cesário Verde, que se indignava, com repulsa, mas Guerra Junqueiro, por exemplo, lamentava em dísticos, com ternura, embora dolorida, bondosos que somos, e esmoleres, sempre. Dos referidos no Sexta Feira às Dez, com indignação, mal sabíamos e o governo possivelmente também não, por isso não acorreu a lavar-lhes os pés, como Jesus ensinou e Junqueiro informa que só já no Céu. Mas não baralhemos, leiamos Junqueiro, que justifica, embora hoje sejam diferentes os casos, forçado o número dos pobrezinhos, que de lá de fora vêm trabalhar cá dentro, e não são mandriões como os nossos:

Os Pobrezinhos

Pobres de pobres são pobrezinhos
Almas sem lares, aves sem ninhos.
Passam em bandos, em alcateias,
Pelas herdades, pelas aldeias.
É em Novembro, rugem porcelas.
Deus nos acuda, nos livre delas!
Vem por desertos, por estivais,
Mantas aos ombros, grandes bornais,
Como farrapos, coisas sombrias,
Trapos levados nas ventanias.
Filhos de Cristo, filhos d' Adão
Buscam no mundo côdeas de pão!
Há-os ceguinhos, em treva densa,
D' olhos fechados desde nascença.
Há-os com f''ridas esburacadas,
Roxas de lírios, já gangrenadas.
Uns de voz rouca, grandes bordões
Quem sabe lá se serão ladrões!
Outros humildes, riso magoado,
Lembram Jesus que ande disfarçado.
Enjeitadinhos, rotos, sem pão,
Tremem maleitas d' olhos no chão
Campos e vinhas! hortas com flores!
Ai, que ditosos os lavradores!
Olha fumegam tectos e lares
Fumo tão lindo! branco, nos ares!
Batem às portas, erguem-se as mães,
Choram meninos, ladram os cães.
Rezam e cantam, levam a esmola,
Vinho no bucho, pão na sacola.
Fruta da horta, caldo ou toucinho
Dão sempre os pobres a um pobrezinho.
Um que tem chagas, velho, coitado,
Quer ligaduras ou mel rosado.
Outro, promessa feita a Maria,
Deitam-lhe azeite na almotolia.
Pelos alpendres, pelos currais,
Dormem deitados como animais.
Em caravanas, em alcateias,
Vão por herdades, vão por aldeias.
Sabem cantigas, oraçõezinhas,
Contos d' estrelas, reis e rainhas.
Choram cantando, penam rezando,
Ai, só a morte sabe até quando!
Mas no outro mundo Deus lhes prepara
Leito o mais alvo, ceia a mais rara.
Os pés doridos lhos lavarão
Santos e santas com devoção!
Para lavá-los, perfumaria
Em gomil d'ouro a bacia.
E embalsamados, transfigurados,
Túnicas brancas, como em noivados,
Viverão sempre na eterna luz,
Pobres benditos, amém, Jesus!

Guerra Junqueiro, “OS SIMPLES”

OPINIÃO: O Governo Costa faz bullying à democracia

Em qualquer país do mundo livre, um comportamento como o de João Galamba só tem uma saída digna: a demissão voluntária do autor.

PAULO RANGEL       PÚBLICO, 11 de Maio de 2021

1.As considerações de João Galamba, a propósito do programa Sexta às 9, são inaceitáveis e só podem conduzir à sua demissão. Aquelas qualificações representam, antes do mais, uma intolerável pressão sobre a comunicação social e a liberdade de imprensa. A vulgaridade e boçalidade da linguagem – patente no uso de expressões como “estrume” ou de adjectivos como “asquerosa” – revela uma enorme hostilidade, podendo configurar um incitamento ao ódio. Para lá do manifesto desrespeito pela liberdade de imprensa e pela profissão jornalística, o emprego desta linguagem vulgar comporta uma dimensão de achincalhamento e humilhação dos jornalistas responsáveis pelo programa. Esta dimensão de rebaixamento pessoal e profissional acaba, aliás, por se projectar mais directamente na jornalista Sandra Felgueiras, o que só agrava o anátema que o seu autor tinha em mente. Apesar das muitas reacções, a resposta da comunicação social a uma ofensa e ofensiva deste calibre parece, até agora, frustre. Diante de uma atitude tão condenável, esperava-se dos órgãos de comunicação social em geral e dos representantes dos jornalistas em particular uma resposta bem mais forte e assertiva. Hoje é o Sexta às 9 e Sandra Felgueiras; amanhã serão seguramente outros. Numa altura em que tantos pleiteiam pela “linguagem politicamente correcta”, este é um exemplo – aliás, com possíveis conotações sexistas – de uma “incorrecção linguística” máxima.

Em qualquer país do mundo livre, um comportamento deste tipo só tem uma saída digna: a demissão voluntária do autor. E, na falta desta, só tem outra saída, mas já indigna: a demissão e imediata exoneração do secretário de Estado por parte do primeiro-ministro.

2. Muitos poderiam pensar que este caso grave e sério é apenas episódico, resultante do “feitio”, da “arrogância” ou da “infelicidade” de um único membro do Governo. Mas infelizmente não é. Ao contrário – muito ao contrário –, esta atitude corresponde a um padrão de “assédio à democracia” que, cada vez mais aberta, e descaradamente, pauta a actuação do executivo. A desconsideração altiva e arrogante dos partidos da oposição e dos seus protagonistas e a intimidação rasteira com uma linguagem depreciativa tornaram-se um hábito, uma regularidade. Mais do que o debate ou o rebate de ideias, mais do que a crítica pontual e motivada a posições expressas, os membros do Governo Costa adoptaram um registo que incide na desqualificação pessoal dos interlocutores ou em declarações que remetem para uma apreciação pessoal.

Multiplicam-se as declarações e as entrevistas em que, sobre os opositores ou sobre os jornalistas, perpassa uma intenção de desconsideração. Isto é, nem mais nem menos, o fenómeno que está no coração do bullying ou do assédio moral: a “rotulagem” ou a “etiquetagem” do interlocutor visado. Ou seja, o eixo nuclear do bullying político ou do assédio à democracia assenta na essência de que é feito o assédio moral: a “inferiorização” ou “subalternização” dos “protagonistas-alvo” para desqualificar as suas visões e opiniões. Para usar um conceito caro ao jornalismo, mas que aqui se aplica a jornalistas e a políticos, a ideia é matar o mensageiro e não contraditar a mensagem. Esta “fulanização” da política, aliada a uma subalternização dos adversários e a um linguajar hostil e ofensivo, desgasta e degrada profundamente a democracia.

3. Para se entender até que ponto a comunicação do Governo interiorizou e adoptou este bullying anti-democrático, basta compulsar dois exemplos recentes: um de declarações do ministro Eduardo Cabrita e o outro da mais recente entrevista de António Costa. Numa democracia sã, o ministro da Administração Interna já estaria fora do Governo há muito tempo. A sua inércia na resposta ao caso da morte de Ihor Homenyuk nas instalações do SEF bastava para ter saído do Governo. Agora, com tudo o que veio a lume, na sequência da cerca sanitária a Odemira, o ministro perdeu a pouca credibilidade, autoridade e legitimidade que lhe restava, se é que alguma restava ainda. Mas nem essa situação politicamente desesperada justifica que, em reacção a um pedido de demissão feito pelo líder do CDS, o ministro venha dizer que o CDS não passa de “um partido de náufragos”. Este tipo de remoques, para lá da infelicidade da comparação com os naufrágios, quando provinda do responsável máximo da protecção civil, é objectivamente provocador e ofensivo. É, na verdade, totalmente desnecessário e destina-se unicamente a desqualificar o adversário político, não a rebater as suas ideias ou posições. Se um ministro faz do debate democrático um ringue de boxe, isso danifica a democracia.

4. Mais grave ainda, porque advém do primeiro-ministro e é feita a frio numa entrevista calculada, é a tentativa de desqualificação do líder da oposição Rui Rio. Uma coisa é criticar as posições do líder da oposição, outra, assaz diversa, é tentar diminuí-lo, colando-lhe a etiqueta de que nem “cata-vento” chega a ser. Primeiro, repare-se que a palavra “cata-vento” tem também um outro destinatário, que é, por razões bem conhecidas, o Presidente da República. Trata-se de um remoque deselegante e despropositado. Segundo, baixa em muito o nível do debate político. Só conheço este tipo de “deslizes” e “derrapagens” em ditaduras ou em algumas democracias imberbes e frágeis, designadamente nos Balcãs. Aí é que se procura diabolizar, diminuir ou ridicularizar os adversários. Se o exemplo que vem do topo é este, que se pode esperar do comportamento de secretários de Estado? Se o primeiro-ministro desconsidera o líder da oposição, porque não há-de o secretário de Estado destratar jornalistas e o ministro invectivar um partido?

Este é um padrão malsão de autêntico bullying à democracia. É sinal de arrogância e de intolerância. A soberba do PS e do seu Governo ameaça as mais salutares práticas democráticas. Esta é matéria que requer a intervenção prudencial do Presidente da República. A democracia implica respeito. Respeito.

SIM e NÃO

SIM. Conferência sobre o Futuro da Europa. A abertura simbólica a 9 de Maio primou pelo espírito de abertura e compromisso. Estiveram bem Ana Paula Zacarias na preparação desta fase final e o primeiro-ministro no discurso.

NÃO. Caos em Odemira. A desumanidade a que foram sujeitos durante anos os imigrantes é revoltante. A responsabilidade do Governo na situação actual é evidente; a actuação do ministro Cabrita foi errática, incompetente e arrogante.    Eurodeputado (PSD)

TÓPICOS: GOVERNO  ANTÓNIO COSTA  JOÃO GALAMBA  EDUARDO CABRITA  PARTIDOS POLÍTICOS  PS  ODEMIRA

COMENTÁRIOS:

foradecampo14.955876 EXPERIENTEGalamba for president! Foi muito simpático e comedido nas críticas a tal abjecção da RTP. Parabéns pela coragem, Galamba. P. Pinto          Cesar Neves INICIANTE: Eu só li o título, porque o gajo é ilegível: no pouco que li dele é chato  que nem uma carraça. O Galamba disse uma idiotice: se não foi um momento de má forma, é idiota mesmo. Resultado: tem-se este alarido, sinal da mesquinhes de quem o faz, pois o governo tem tanta, e tão importante inacção, que seria um ver se te avias, de motivos para cacetar no governo, se esta gente não estivesse agarrada á mesquinhez e ao pequenino. Curiosamente, nenhum dos "indignados", refere " o bullying á democracia" do Silva não ter permitido, aqui há uns anos, a entrega de um prémio literário qualquer ao Saramago, simplesmente porque o homem era comunista. Pois é: a hipocrisia e o retardamento intelectual é uma instituição.         Luis EXPERIENTE: Caro César, talvez devesse ler o artigo até ao fim, para o poder comentar. Não acha a sua crítica superficial e deselegante? Gajo? Não consegue um ad hominem mais sofisticado do que isso? Como é que consegue criticar um artigo sem o ler até ao fim? Hmmmm, através dos seus preconceitos sobre o autor? Quando crítica um livro, basta-lhe ler o que está escrito na capa? Uma leitura mais demorada talvez lhe poupasse também a ansiedade de publicar o mesmo comentário 3 vezes, as duas últimas com uma alteração assinalável, a palavra "democracia". Ora, o artigo critica precisamente uma atitude anti-democrática do Governo contra a liberdade de imprensa. Na minha perspectiva, (parcial, errónea, falível) o artigo tem o grande mérito de defender o oficioso quinto órgão de soberania da nossa República.


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