Apoio à boa formação moral, que uma
democracia que se preze implica. Paulo
Rangel não podia faltar à chamada, vivendo numa Europa onde tais misérias
não entram. Isto por cá é antigo, não vamos escamotear, as verdades são para se
dizer. E já houve muitos que disseram. Podíamos citar Cesário Verde, que se indignava, com repulsa, mas Guerra Junqueiro, por
exemplo, lamentava em dísticos, com ternura, embora dolorida, bondosos que
somos, e esmoleres, sempre. Dos referidos no Sexta Feira às Dez, com indignação, mal sabíamos e o governo
possivelmente também não, por isso não acorreu a lavar-lhes os pés, como Jesus
ensinou e Junqueiro informa que só já no Céu. Mas não baralhemos, leiamos
Junqueiro, que justifica, embora hoje sejam diferentes os casos, forçado o
número dos pobrezinhos, que de
lá de fora vêm trabalhar cá dentro, e não são mandriões como os nossos:
Pobres de
pobres são pobrezinhos
Almas sem lares, aves sem ninhos.
Passam em bandos, em alcateias,
Pelas herdades, pelas aldeias.
É em Novembro,
rugem porcelas.
Deus nos acuda, nos livre delas!
Vem por desertos, por estivais,
Mantas aos ombros, grandes bornais,
Como farrapos, coisas sombrias,
Trapos levados nas ventanias.
Filhos de Cristo, filhos d' Adão
Buscam no mundo côdeas de pão!
Há-os ceguinhos, em treva densa,
D' olhos fechados desde nascença.
Há-os com f''ridas esburacadas,
Roxas de lírios, já gangrenadas.
Uns de voz rouca, grandes bordões
Quem sabe lá se serão ladrões!
Outros humildes, riso magoado,
Lembram Jesus que ande disfarçado.
Enjeitadinhos, rotos, sem pão,
Tremem maleitas d' olhos no chão
Campos e vinhas! hortas com flores!
Ai, que ditosos os lavradores!
Olha fumegam tectos e lares
Fumo tão lindo! branco, nos ares!
Batem às portas, erguem-se as mães,
Choram meninos, ladram os cães.
Rezam e cantam, levam a esmola,
Vinho no bucho, pão na sacola.
Fruta da horta, caldo ou toucinho
Dão sempre os pobres a um pobrezinho.
Um que tem chagas, velho, coitado,
Quer ligaduras ou mel rosado.
Outro, promessa feita a Maria,
Deitam-lhe azeite na almotolia.
Pelos alpendres, pelos currais,
Dormem deitados como animais.
Em caravanas, em alcateias,
Vão por herdades, vão por aldeias.
Sabem cantigas, oraçõezinhas,
Contos d' estrelas, reis e rainhas.
Choram cantando, penam rezando,
Ai, só a morte sabe até quando!
Mas no outro mundo Deus lhes prepara
Leito o mais alvo, ceia a mais rara.
Os pés doridos lhos lavarão
Santos e santas com devoção!
Para lavá-los, perfumaria
Em gomil d'ouro a bacia.
E embalsamados, transfigurados,
Túnicas brancas, como em noivados,
Viverão sempre na eterna luz,
Pobres benditos, amém, Jesus!
Guerra
Junqueiro, “OS SIMPLES”
OPINIÃO: O Governo Costa faz bullying à democracia
Em qualquer país do mundo livre, um
comportamento como o de João Galamba só tem uma saída digna: a demissão
voluntária do autor.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 11 de Maio de 2021
1.As
considerações de João Galamba, a propósito do programa Sexta às 9,
são inaceitáveis e só podem conduzir à sua demissão. Aquelas qualificações
representam, antes do mais, uma intolerável pressão sobre a comunicação social
e a liberdade de imprensa. A vulgaridade e boçalidade da linguagem – patente no
uso de expressões como “estrume” ou de adjectivos como “asquerosa” – revela uma
enorme hostilidade, podendo configurar um incitamento ao ódio. Para lá do
manifesto desrespeito pela liberdade de imprensa e pela profissão jornalística,
o emprego desta linguagem vulgar comporta uma dimensão de achincalhamento e
humilhação dos jornalistas responsáveis pelo programa. Esta dimensão de
rebaixamento pessoal e profissional acaba, aliás, por se projectar mais
directamente na jornalista Sandra Felgueiras,
o que só agrava o anátema que o seu autor tinha em mente. Apesar das muitas
reacções, a resposta da comunicação social a uma ofensa e ofensiva deste
calibre parece, até agora, frustre. Diante de uma atitude tão condenável,
esperava-se dos órgãos de comunicação social em geral e dos representantes dos
jornalistas em particular uma resposta bem mais forte e assertiva. Hoje é o Sexta
às 9 e Sandra Felgueiras; amanhã
serão seguramente outros. Numa altura em que tantos pleiteiam pela “linguagem
politicamente correcta”, este é um exemplo – aliás, com possíveis conotações
sexistas – de uma “incorrecção linguística” máxima.
Em
qualquer país do mundo livre, um comportamento deste tipo só tem uma saída
digna: a demissão voluntária do autor. E, na falta desta, só tem outra saída,
mas já indigna: a demissão e imediata exoneração do secretário de Estado por
parte do primeiro-ministro.
2. Muitos
poderiam pensar que este caso grave e sério é apenas episódico, resultante do
“feitio”, da “arrogância” ou da “infelicidade” de um único membro do Governo.
Mas infelizmente não é. Ao contrário – muito ao contrário –, esta atitude
corresponde a um padrão de “assédio à democracia” que, cada vez mais aberta, e
descaradamente, pauta a actuação do executivo. A desconsideração altiva e
arrogante dos partidos da oposição e dos seus protagonistas e a intimidação
rasteira com uma linguagem depreciativa tornaram-se um hábito, uma
regularidade. Mais do que o debate ou o rebate de ideias, mais do que a crítica
pontual e motivada a posições expressas, os membros do Governo Costa adoptaram
um registo que incide na desqualificação pessoal dos interlocutores ou em
declarações que remetem para uma apreciação pessoal.
Multiplicam-se
as declarações e as entrevistas em que, sobre os opositores ou sobre os
jornalistas, perpassa uma intenção de desconsideração. Isto é, nem mais nem
menos, o fenómeno que está no coração do bullying ou do assédio moral: a
“rotulagem” ou a “etiquetagem” do interlocutor visado. Ou seja, o eixo nuclear
do bullying político ou do assédio à democracia assenta na essência de que é
feito o assédio moral: a “inferiorização” ou “subalternização” dos
“protagonistas-alvo” para desqualificar as suas visões e opiniões. Para
usar um conceito caro ao jornalismo, mas que aqui se aplica a jornalistas e a
políticos, a ideia é matar o mensageiro e não contraditar a mensagem. Esta “fulanização”
da política, aliada a uma subalternização dos adversários e a um linguajar
hostil e ofensivo, desgasta e degrada profundamente a democracia.
3. Para
se entender até que ponto a comunicação do Governo interiorizou e adoptou este bullying
anti-democrático, basta compulsar dois exemplos recentes: um de declarações do
ministro Eduardo Cabrita e o outro da mais recente entrevista de António Costa.
Numa democracia sã, o ministro da Administração Interna já estaria fora do
Governo há muito tempo. A sua inércia na resposta ao caso da morte de Ihor Homenyuk nas instalações do SEF bastava para ter saído do Governo. Agora, com tudo o
que veio a lume, na sequência da cerca sanitária a Odemira, o ministro perdeu a
pouca credibilidade, autoridade e legitimidade que lhe restava, se é que alguma
restava ainda. Mas nem essa situação politicamente desesperada justifica que,
em reacção a um pedido de demissão feito pelo líder do CDS, o ministro venha dizer que o CDS não passa de “um
partido de náufragos”. Este tipo de remoques, para lá da infelicidade da
comparação com os naufrágios, quando provinda do responsável máximo da
protecção civil, é objectivamente provocador e ofensivo. É, na verdade,
totalmente desnecessário e destina-se unicamente a desqualificar o adversário
político, não a rebater as suas ideias ou posições. Se um ministro faz do
debate democrático um ringue de boxe, isso danifica a democracia.
4. Mais
grave ainda, porque advém do primeiro-ministro e é feita a frio numa entrevista
calculada, é a tentativa de desqualificação do líder da oposição Rui Rio. Uma coisa é criticar as posições do líder da
oposição, outra, assaz diversa, é tentar diminuí-lo, colando-lhe a etiqueta de
que nem “cata-vento” chega a ser. Primeiro, repare-se que a palavra
“cata-vento” tem também um outro destinatário, que é, por razões bem
conhecidas, o Presidente da República. Trata-se de um remoque deselegante e
despropositado. Segundo, baixa em muito o nível do debate político. Só conheço
este tipo de “deslizes” e “derrapagens” em ditaduras ou em algumas democracias
imberbes e frágeis, designadamente nos Balcãs. Aí é que se procura diabolizar,
diminuir ou ridicularizar os adversários. Se o exemplo que vem do topo é este,
que se pode esperar do comportamento de secretários de Estado? Se o
primeiro-ministro desconsidera o líder da oposição, porque não há-de o
secretário de Estado destratar jornalistas e o ministro invectivar um partido?
Este
é um padrão malsão de autêntico bullying à democracia. É sinal de
arrogância e de intolerância. A soberba do PS e do seu Governo ameaça as mais
salutares práticas democráticas. Esta é matéria que requer a intervenção
prudencial do Presidente da República. A democracia implica respeito. Respeito.
SIM e NÃO
SIM. Conferência sobre o Futuro da Europa. A abertura
simbólica a 9 de Maio primou pelo espírito de abertura e compromisso. Estiveram
bem Ana Paula Zacarias na preparação desta fase final e o primeiro-ministro no
discurso.
NÃO. Caos em Odemira. A
desumanidade a que foram sujeitos durante anos os imigrantes é revoltante. A
responsabilidade do Governo na situação actual é evidente; a actuação do
ministro Cabrita foi errática, incompetente e arrogante. Eurodeputado
(PSD)
TÓPICOS: GOVERNO ANTÓNIO
COSTA JOÃO GALAMBA EDUARDO
CABRITA PARTIDOS
POLÍTICOS PS ODEMIRA
COMENTÁRIOS:
foradecampo14.955876
EXPERIENTEGalamba for president! Foi muito simpático e comedido nas
críticas a tal abjecção da RTP. Parabéns pela coragem, Galamba. P. Pinto Cesar
Neves INICIANTE: Eu só li o título, porque o gajo é
ilegível: no pouco que li dele é chato que nem uma carraça. O Galamba
disse uma idiotice: se não foi um momento de má forma, é idiota mesmo.
Resultado: tem-se este alarido, sinal da mesquinhes de quem o faz, pois o governo
tem tanta, e tão importante inacção, que seria um ver se te avias, de motivos
para cacetar no governo, se esta gente não estivesse agarrada á mesquinhez e ao
pequenino. Curiosamente, nenhum dos "indignados", refere " o
bullying á democracia" do Silva não ter permitido, aqui há uns anos, a
entrega de um prémio literário qualquer ao Saramago, simplesmente porque o
homem era comunista. Pois é: a hipocrisia e o retardamento intelectual é uma
instituição. Luis
EXPERIENTE: Caro César, talvez devesse ler o artigo até ao fim, para o
poder comentar. Não acha a sua crítica superficial e deselegante? Gajo? Não
consegue um ad hominem mais sofisticado do que isso? Como é que consegue
criticar um artigo sem o ler até ao fim? Hmmmm, através dos seus preconceitos
sobre o autor? Quando crítica um livro, basta-lhe ler o que está escrito na
capa? Uma leitura mais demorada talvez lhe poupasse também a ansiedade de
publicar o mesmo comentário 3 vezes, as duas últimas com uma alteração assinalável,
a palavra "democracia". Ora, o artigo critica precisamente uma
atitude anti-democrática do Governo contra a liberdade de imprensa. Na minha
perspectiva, (parcial, errónea, falível) o artigo tem o grande mérito de
defender o oficioso quinto órgão de soberania da nossa República.
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