Por Alberto
Gonçalves. Desta vez por António Barreto. Venham mais cinco. Ou dez. Ou.
OPINIÃO: A Inquisição, a Censura e o Estado
O Estado prepara-se para pagar o
funcionamento de uma rede infernal de delação, supervisão e vigilância,
enquadrada num esforço estatal de defesa da verdade, da narrativa autêntica e
de elevação moral. Salazar não faria melhor!
ANTÓNIO BARRETO PÚBLICO, 29 de Maio de 2021
A lei aprovada pelo Parlamento, promulgada pelo Presidente da
República e referendada pelo Governo acaba de criar um regime de orientação,
vigilância, censura a posteriori, delação e controlo da liberdade de expressão,
inédito na democracia e só parecido com algo em vigor durante a ditadura
salazarista.
A lei (n.º 27/21, de 17 de Maio) foi aprovada pela esquerda, pela direita e pelo centro
(PS, PSD, BE, CDS, PAN, Joacine Moreira e Cristina Rodrigues). Ninguém votou
contra. Abstiveram-se
o PCP, o PEV, o Chega e a IL. Esta lei consiste no mais atrevido ataque à liberdade
de expressão desde há quase um século. A lei é uma tentativa violenta de impor
uma moral, de regular o pensamento, de orientar as mentalidades e de
condicionar convicções. A lei delega poderes públicos em instituições,
entidades e empresas, privadas ou públicas, a fim de orientar o pensamento, de
vigiar a opinião e de condicionar a liberdade de expressão.
Com
excepção de menos de uma dúzia de comentadores, quase ninguém do mundo da
política e do jornalismo, da edição e da comunicação, se exprimiu sobre esta lei.
Que se passa com os intelectuais, os jornalistas, os académicos e os artistas
que não prestaram atenção a esta lei repressiva e embrionariamente totalitária
que leva a designação cínica de “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital”? Que
se passa com os sindicatos, as confederações, os magistrados e as sociedades
profissionais tão alheios à aprovação desta lei?
Que se passa com os partidos que votaram a favor do condicionamento
da liberdade de expressão e de pensamento? Que se passa com a Assembleia de
deputados e o Presidente da República que não se aperceberam do que aprovaram
com tanta desfaçatez? Que se passa com os partidos que se abstiveram? Que se
passa com 230 deputados portugueses, eleitos pelo povo, que não criticaram o
mais grave atentado contra a liberdade de expressão desde a aprovação da
Constituição de 1933?
Que se passa com os cidadãos deste país que não viram o que estava a
acontecer e que assim permitem que o Estado venha a ter um papel determinante
na definição dos limites do pensamento e do tom da sua expressão?
Ou
antes, talvez mais verdadeiro, que se passa com toda esta gente que prestou
atenção, viu, leu bem, aprovou, concordou e aplaudiu uma lei directamente
ameaçadora da liberdade de expressão, orientada para a formação de opiniões, e
destinada a condicionar a orientação cultural, política e filosófica de cada um?
Com toda esta narrativa, ficam em causa a publicidade, a propaganda,
a campanha eleitoral, o discurso político, o debate laboral e até mesmo a
criação artística. Há décadas que não se via nada de semelhante É um dos piores sinais de evolução de um
povo e das suas elites: colaborar na sua própria opressão. O despotismo
nacional que sempre espreita e a falta de tradição democrática e liberal ajudam
a explicar esta vontade de impor uma virtude, de regular a opinião, de filtrar
crenças e de certificar convicções. Há, entre nós, muita gente que espera que o
Estado (de direita ou de esquerda) se ocupe das consciências e da moral
pública. Para bem de todos, com certeza.
Previsivelmente, esta lei presta
atenção a todos os novos direitos, novos clientes e novos públicos, aos fracos
e vulneráveis, às questões de género e de raça, a tudo quanto está na moda. E,
sobretudo, à verdade e à virtude. Muito bem. Outros já fizeram o mesmo. Por
exemplo, o famoso artigo 8.º da Constituição de 1933, do Estado Novo de
Salazar, dizia que “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma
(…) é um direito e uma garantia individual do cidadão”. Mas também dizia que
“leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão do pensamento
(…) devendo prevenir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião
pública na sua função de força social e salvaguardar a integridade moral dos
cidadãos”.
O pior desta lei, depois do seu intuito virtuoso, é o que define as
funções do Estado. Este deve
proteger a sociedade contra “os que produzam, reproduzam ou difundam” narrativa considerada desinformação. O que é a narrativa e o que é a desinformação
estão no centro da tentativa autoritária. O que é “falso e enganador”, o que é
feito “deliberadamente para obter vantagens económicas ou para enganar o
público”, o que é susceptível de “causar prejuízo público”, o que é “ameaça aos
processos políticos democráticos aos processos de elaboração de políticas públicas
(o que isto quer dizer só “eles” sabem…) e a bens públicos”. Com toda esta narrativa, ficam em causa a publicidade,
a propaganda, a campanha eleitoral, o discurso político, o debate laboral e até
mesmo a criação artística. Há décadas que não se via nada de semelhante.
É verdade que a lei é mal
feita, mal escrita e perversa. Talvez seja mudada a curto prazo ou
nunca venha a ser aplicada, tudo é possível neste país embrulhado no vórtice da
manipulação (que dizem democrática…) de consciências. Mas o que é certo é que o
dispositivo autoritário está criado. Pode ser aplicado em qualquer altura.
Através da
ERC, de agências e serviços a criar, de “estruturas de verificação”
a acreditar, de associações a reconhecer, de jornais ou televisões a
certificar, de “selos de qualidade” a distribuir, de institutos universitários
e centros de estudos académicos em que delegar competências, o Estado
prepara-se para pagar o funcionamento de uma rede infernal de delação,
supervisão e vigilância, enquadrada num esforço estatal de defesa da verdade,
da narrativa autêntica e de elevação moral, assim como da protecção dos fracos,
dos vulneráveis e de todos os públicos especiais, o que quer dizer, de toda a
gente. Salazar não faria melhor! Salazar não fez melhor! Polacos,
húngaros e turcos não fariam melhor! Fascistas
e comunistas não fariam melhor. Porquê? Porque agora utiliza-se a democracia
para fazer as mesmas coisas. Usa-se a democracia para fazer o serviço sujo.
Recorre-se à democracia para manipular, orientar e proibir. Emprega-se a
democracia para favorecer e privilegiar. Utilizam-se todos os meios e recursos
democráticos para limitar, condicionar, espiar e vigiar!
Como se explica esta deriva?
Intenção de fazer bem e de proteger os vulneráveis? Talvez. Vontade despótica?
Provável. Necessidade de tentar controlar a população e manipular as
consciências? Com certeza. Medo da liberdade dos outros? Possível. Receio das
redes sociais? Certamente. Paranóia relativamente aos inimigos da democracia?
Provavelmente. Defesa dos privilégios das actuais elites políticas e dos
actuais partidos? Absolutamente exacto. Superioridade moral e presunção virtuosa?
Sem dúvida.Os autores e os que aprovaram esta lei vão ficar na história. Pelas
piores razões.
Sociólogo
TÓPICOS OPINIÃO
LIBERDADE DE
EXPRESSÃO DESINFORMAÇÃO CENSURA PARTIDOS POLÍTICOS PARLAMENTO DEMOCRACIA
COMENTÁRIOS:
Fowler Fowler EXPERIENTE: Reconheço a bondade da referida lei, porém, o seu artº
6º suscita dúvidas que nos transportam para os tenebrosos 48 anos de censura
que nos moldaram o pensamento. Concordando com o sr. Barreto, acho que essa lei
está, assim, ferida de morte, uma vez que o teor desse artigo esbarra nos
direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República, a
qual, como se sabe, foi redigida ao abrigo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Antes que a lei entre em vigor e seja regulamentada, espero que o
Tribunal Constitucional se pronuncie. Ventura Melo Sampaio INICIANTE: Este é claramente o resultado duma universidade pior
que medíocre e duma escola formatadora de conveniência marxista no pior
stalinista, destruidora da liberdades em nome da liberdade única. Soares quando
se opôs à unicidade sindical sabia o que estava para vir com os invasores do ps
por escumalha nas esquerdas nazis e facistas. Como diz Barreto, nem Salazar
faria melhor pela destruição da liberdade de ideias e sua expressão...
ptsantos2 INICIANTE: Um texto opinativo, não demonstrativo.... Até parece
que está tudo bem. Qualquer lei neste sentido terá sempre oposição. Armindo Castelo Bento EXPERIENTE: Bruxelas prepara "ataque" às notícias falsas
O combate à manipulação do processo eleitoral envolve um sistema de alerta
rápido para detectar notícias falsas, uma equipa de verificadores de factos
permanentes, e parcerias com gigantes tecnológicos. IZANAGI01 EXPERIENTE: Em meados de 2020 o governo disse que forneceria
computadores, durante esse ano a todos os alunos. Estamos em meados de 2021 e
uma grande parte dos alunos ainda não recebeu o computador. Estamos na presença
de uma notícia falsa. Consequências? O que propõe? Destituir o governo? Luís Manuel Braga INICIANTE: Tudo, mesmo tudo, que coloque em causa a liberdade de
expressão, não pode ser tolerado. Se alguém proferir alguma mentira
dolosamente, da qual resulte dolo para o outro, pode e deve ser penalizado. Se
eu der, sem querer, um murro em alguém, os tribunais - se se chegar a isso -
absolvem-me pq são capazes de decidir se foi ou ñ propositado ou acidental. Ñ
será preciso criar um código para regulamentar os contactos físicos, quais os
que constituem crime ou não! Este código agora criado, é mesmo mto preocupante.
Já existem tantas restrições, tanta falta de liberdade efectiva, na prática, de
expressão, que acrescentar, agora em forma de lei, mais uma, é, no mínimo,
assustador e indiciador de coisas ainda piores! chagas_antonio MODERADOR: Pergunte-se, então: o que fazer ao assédio e à
intimidação digitais? O que fazer a quem utiliza esses meios, que são
específicos e têm capacidades e funcionalidades poderosas, para maliciosamente
desinformar ou lucrar com a impreparação de consumidores ou cidadãos? O mundo
não-digital tem uma história institucional de séculos, e um aparelho legal e
judicial que foi (está a ser) continuamente aperfeiçoado; não será apenas
natural que o mundo digital seja incluído nesse mesmo aparelho? Ou devemos
esperar que a moral, o pensamento e as convicções do mundo digital nos sejam
impostas? fmart8 EXPERIENTE: Nem sabia desta lei e vou investigar melhor, mas se
esta lei é um pau de dois bicos também é verdade que as "fake news"
encostaram as sociedades às cordas -- veja-se o caso das vacinas, por exemplo.
Como enfrentar este problema sem que a emenda seja pior do que o soneto, é que
a grande questão, e António Barreto faria melhor se participasse
construtivamente em vez de agir como uma adolescente desvairada. chagas_antonio MODERADOR: Evidentemente. Se não se fizerem as perguntas certas,
chegar-se-á invariavelmente a respostas erradas. GMA EXPERIENTE: Há pessoas que, definitivamente, não conseguem
libertar-se das assombrações salazaristas, e então, volta-não-volta, lá vem o
papão da inquisição e outros terrores que tais. Papões por papões, o Dr.
Barreto pode numa próxima crónica arranjar um qualquer argumento para nos
assustar com os comunistas que deglutiam criancinhas ao pequeno almoço, porque
o Dr. Costa, para além de inquisidor e censor, também é amigo dos comunistas. MMRdM EXPERIENTE: O problema tratado por esta lei não é de juízo fácil.
Critica-se uma lei que "delega poderes públicos em instituições, entidades
e empresas, privadas ou públicas, a fim de orientar o pensamento, de vigiar a
opinião e de condicionar a liberdade de expressão.". Porém, o que temos
hoje, num contexto de ausência de lei, é entidades privadas a vigiar a opinião,
a condicionar a liberdade de expressão, a fazer com que incessantes teorias da
conspiração se sobreponham a teorias científicas ou históricas plausíveis, e a
fazer com que a detenção do canal (o acesso à atenção das pessoas) seja mais
relevante do que a qualidade e, pior, a veracidade, dos conteúdos que a elas
chegam. Tristão Bretão EXPERIENTE: Subscrevo. Sa1004065 INICIANTE: Esta Lei é um pau de dois bicos! Depende de como vai
ser posta em prática... só depois se verá se serve de mordaça ou de escudo! OldVic1 ODERADOR: Obrigado pelo alerta. Resta-nos a clandestinidade e a
desobediência civil, se esta lei for para usar até às últimas consequências. De
uma primeira leitura superficial tirei esta pérola de humor involuntário:
Artigo 3.º, n.º 2, alínea h) "h) A adopção de medidas e acções que
assegurem uma melhor acessibilidade e uma utilização mais avisada, que
contrarie os comportamentos aditivos e proteja os consumidores digitalmente
vulneráveis;". Portugueses, nada de comportamentos aditivos: a partir de
agora é proibido somar. Tabuadas para o lixo, já! Já agora, os perigos
identificados pelo autor demonstram muito bem como é que a democracia pode
levar à ditadura: basta que a sociedade se deixe levar sem sentido crítico e
sem vigiar os governantes. Infelizmente, esse é o ADN de Portugal, conforme o
demonstra a nossa História. Resta-nos recorrer aos tribunais europeus quando
formos condenados pelo livre pensamento. geral.937818 INICIANTE: A tristeza maior de tudo isto é que este é um governo
totalmente à deriva, com uma oposição totalmente à deriva. Qual a esperança num
futuro de democracia liberal? Nenhum. Caminhamos para uma ditadura de esquerda
encapotada de democrática, à maneira deles. cidadania 123 EXPERIENTE: Esta lei nasce na era Trump, e está tudo dito. Agora
que Trump não está em cena, como se irá aplicar esta lei, é o ponto crucial. É
óbvio que a liberdade de expressão é cada vez menor, e a censura cada vez
maior, sobretudo em Portugal. Temo que no futuro esta tendência se mantenha... Ricardo Fernandes INICIANTE: Concordo plenamente. Viva a liberdade abaixo a censura.
25 abril para quê??? Tristão Bretão EXPERIENTE: Um discurso completamente histérico e demagógico para
atacar uma lei perfeitamente defensável, mesmo nos termos em que está redigida
(e que podem sempre ser corrigidos). António Barreto está por tudo para
aparecer em público e praticar o desporto nacional por excelência: bater em
políticos. A decadência intelectual é o menos aqui. O gritante é a total
ausência de escrúpulo moral numa pessoa com perfeita consciência da manipulação
que está a exercer para obter estritos ganhos pessoais (de popularidade fácil).
Até custa mencionar o facto de se tratar de um universitário de carreira, que
assina como "sociólogo". JLMB EXPERIENTE: Podia ser mas preciso na crítica, até porque
o António Barreto pode querer muita coisa, protagonismo não me parece seja o
que o entusiasma.
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