terça-feira, 4 de maio de 2021

Ainda temos homens de coragem


… contra os açuladores do ódio.

O ódio à nossa História é o que transparece em grande parte dos comentários ao texto de António Barreto sobre o discurso do PR. À nossa História e às gentes que não construam ladainhas em favor dos “vencidos”, ignorando transtornos e sofrimentos na tal história dos “vencedores” de outrora… Estranha gente, que usa a sua mordacidade infatigável contra este povo pioneiro nas caravelas que foram alargando o mundo, só porque é um povo, hoje, decididamente passivo ante políticas que nos põem na tal cauda, as razões disso estando explicadas. Mas esses que desejam condenar a nossa História para lembrar a verdade das “outras” dos seus suspiros, vê-se que são bem parcos em questão de sentimentos de respeito e amor pátrio, pesem embora os erros praticados por tantos “praticantes” de políticas de que talvez alguns deles façam parte… 

Fossem outros os conquistadores gloriosos – Alemães, Russos, Chineses, e tutti quanti exterminadores até dos seus próprios povos e mais dos outros, seriam glorificados, pois eram fortes, esses, nada a dizer… Agora os nossos das pistas marítimas, apesar de raquíticos e sofredores, só merecem as ironias dos seus compatriotas hodiernos, que sabem da poda, isto é, da outra História desses tais povos conquistados e colonizados… ou talvez nem dessa queiram saber. Basta-lhes sofrer com eles, por cá…

Sim, AB e MRS foram bem corajosos.

OPINIÃO

História e política

O belo discurso do Presidente teve um efeito útil: o de demonstrar que quem usa e abusa da história, com ideologia e demagogia, não faz mais do que lutar pelo poder.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 1 de Maio de 2021,

Belo discurso o do Presidente da República. Na forma, no conteúdo e na oportunidade. Desejando fugir aos temas mais desconfortáveis, poderia ter escolhido uma ladainha republicana. Como outros fizeram antes. Em vez disso, adoptou um tema difícil e polémico. O uso da história e das ciências sociais e o abuso das academias e do jornalismo têm servido para fortalecer e dar aparência de seriedade a campanhas políticas. A partir de feridas ainda abertas na sociedade portuguesa (a ditadura, a guerra, a descolonização, o retorno de portugueses e a descendência luso-africana), o Presidente mostrou o seu sereno orgulho em toda a história do país, os seus lados bons e maus, as suas glórias e as suas misérias.

O Presidente fez bem em falar de tudo isto. Podia ter-se refugiado na língua de pedra que é hoje o esperanto dos políticos, mas, em vez disso, elegeu matéria muito difícil, que tem até alguma carga de actualidade. O uso e o abuso da história, a condenação do passado, a reinvenção do passado e o aviltamento da história de Portugal com preconceitos e intuitos políticos: estes temas são difíceis e sugerem quase sempre, quando não abordados com seriedade, a demagogia barata.

Acusado de ter agradado a toda a gente, criticado por aceitar tudo, o Presidente, na verdade, não fez o jeito a ninguém. Nem sequer condenou explicitamente os que abusam da história: limitou-se a ignorá-los. O que permitiu ao Presidente fazer uma coisa destas? Para além da inteligência própria, que nada explica, foi o facto de o Presidente não estar a lutar pelo poder. Já não está a lutar pelo poder. E não quer lutar pelo poder. O que teve um efeito útil: o de demonstrar que quem usa e abusa da história, com ideologia e demagogia, não faz mais do que lutar pelo poder. Alguma direita nacionalista, a extrema-direita por grosso, muita esquerda radical, uns socialistas órfãos, um sem número de anti-racistas profissionais e boa quantidade de minorias fizeram dos “vendedores de pátrias”, da guerra colonial, da descolonização e do racismo “sistémico” e “estrutural”, temas de mera luta política, na esperança de tocar a alma do povo, o coração dos eleitores e a cabeça dos seguidores. Eles não querem apenas usar a história, querem apoderar-se dela para ganhar o poder. Sabem que o poder se ganha com armas ou votos, mas também com cultura, símbolos e semântica. O Presidente Marcelo tem o poder, não precisa de usar a história, pode dar-se ao luxo de ensinar e fazer pedagogia democrática junto dos que inventam ou reinventam, dos que papagueiam a história das glórias passadas e dos que macaqueiam a história dos amanhãs que cantam!

A este propósito, temas de grande actualidade são os da história do ponto de vista dos vencedores e a história do ponto de vista dos vencidos. O que está na moda, actualmente, é deixar de fazer a história do ponto de vista dos vencedores e passar a fazer história do ponto de vista dos vencidos. O que se faz também com outras expressões. Assim, teríamos que se faz ou deveria fazer e ensinar a história (e a sociologia, a psicologia, a geografia, a filosofia e a ciência política…), não mais do ponto de vista dos ricos, mas do ponto de vista do povo. Não mais do ponto de vista dos poderosos, mas do ponto de vista dos trabalhadores. Não mais dos brancos, dos cristãos, dos católicos e dos europeus, mas do ponto de vista dos negros, dos muçulmanos, dos árabes, dos índios, dos escravos

História dos vencedores e história dos vencidos! Ambas são legítimas. Ambas são ofensivas da inteligência e da cultura. Ambas são detestáveis. Mas ambas são interessantes, não pelo que dizem, mas pelo que traduzem. São histórias que falam dos seus autores, de si próprios, das suas pretensas glórias, dos seus heróis, das suas vitórias e dos modos como gostariam que fosse a sociedade.

Bons manuais de história de Portugal, do tempo do Salazarismo, de história de Espanha, do Franquismo, de história da Itália, de Mussolini, da História Chinesa, de hoje, de história da URSS, do seu tempo, de história de Angola, do MPLA, de história de Cuba, dos últimos cinquenta anos… São excelentes testemunhos do que é falso, do que uns gostariam que fosse, do que alguns querem que outros acreditem que é…

A comparação entre histórias programáticas dos vencedores e dos vencidos e histórias feitas por espíritos que procuram a liberdade e buscam a verdade é reveladora. Por um lado, o catecismo citado, a cassete, o simplismo enganador, a miopia deliberada, o ocultismo e a ocultação… Por outro, um exercício de busca e procura, uma tentativa de interpretação, um jogo inteligente de factos e de probabilidades

A História dos vencedores é odiosa. Detestável. Já a conhecemos. A história dos vencidos, dos trabalhadores, dos escravos, dos negros, dos judeus, dos árabes e dos chineses é tão má quanto a dos brancos, dos vencedores, dos cristãos e dos ricos. Uns querem manter poderes e privilégios, outros querem conquistar poderes e privilégios. Estas novas tendências não pretendem democratizar o saber, a história ou o poder: querem conquistá-los! Ambas negam o valor do esforço de rigor para alcançar, gradualmente, passo a passo, uma história isenta que procura a verdade, uma história feita por quem nada tem a ganhar com o que faz, nada tem a justificar, nada tem a defender, a não ser rigor e isenção.

A história que tanto condenámos durante décadas, a história que defendia estruturas de poder, que justificava opressões, que transformava em glória o que era também sofrimento, a que criava triunfos que esqueciam as vítimas… Essa história, de que estamos fartos, está gradualmente a ser substituída pela História dos que querem conquistar e que não trará mais verdade ou mais rigor. Substituir a história laudatória dos poderosos pela história militante dos activistas é um recuo, uma degradação do espírito! Fazer história para promover valores de negritude é tão patético e negativo quanto fazer o mesmo para engrandecer valores da cristandade. Ou da livre empresa. Ou do comércio livre. Ou do comunismo. Fazer história para defender a Inquisição é tão estúpido quanto fazer história para valorizar a Sharia.

Tudo o que pretenda ser história ou qualquer outra ciência social e que não se traduza num paciente e incansável esforço de procura da verdade, uma jornada sem repouso para compreender, é um passo atrás na civilização. Tudo o resto, o ponto de vista do vencido, a desconstrução da narrativa, a alternativa do submisso, a descolonização da história, a recriação do dependente e a afirmação do sem poder é falsidade de charlatão. É burlesco e é embuste.

Sociólogo

TÓPICOS

PORTUGAL  HISTÓRIA  COLONIALISMO  MARCELO REBELO DE SOUSA  25 DE ABRIL  DEMOCRACIA  ÁFRICA

COMENTÁRIOS:

Artur Silva  EXPERIENTE: Sobre este tema concordo com Manuel Loff, Cardina e Ana Sá Lopes. E discordo de Marcelo e de Barreto, já incapazes de mudaram o paradigma do colonialismo português bondoso com que sempre viveram.        Mario Coimbra INFLUENTE: Pois eu concordo com Marcelo e AB, e nada com Lord ASL e outros que querem ver a história com olhos de outros tempos.         fmart8 INICIANTE: Homilia dominical. Carradas de afirmação, lama a torto a direito, e nem um único exemplo ou referência a estudo.         Zé Goes  EXPERIENTE: Bizarro. Achava melhor que o cronista recorresse a um monte de livros, textos, jornais, fizesse uma colagem e servisse aos leitores? Para quê, quando se é culto, inteligente e se tem experiência de vida?         cisteina  EXPERIENTE: Este belíssimo texto é de ontem, nada tem a ver com homilias dominicais, para domingo.         fmart8 INICIANTE: Zé Goes: inteligência e experiência de vida, por muito valiosos que são, não são substitutos para factos.       Mario Coimbra INFLUENTE: Excelente texto. Obrigado por mais uma lição de história.         Rita Cunha Neves  EXPERIENTE: António Barreto, como habitualmente, a falar-nos do alto da sua cátedra. De uma penada trata de colocar no seu devido lugar (terreno) uns coitados que andam para aí a alimentar o burlesco e o embuste. Mas, felizmente para ele, quando levanta a cabeça e olha para o Céu descobre o Presidente Marcelo; que tendo o poder, "não precisa de usar a história, pode dar-se ao luxo de ensinar e fazer pedagogia democrática junto dos que inventam ou reinventam, dos que papagueiam a história das glórias passadas e dos que macaqueiam a história dos amanhãs que cantam!"     cidadania 123  EXPERIENTE: É uma falácia pensar que se constrói uma história dos vencidos: dos vencidos (raramente) reza a história. A história que existe é aquela que relata a vida dos grandes e poderosos, onde os personagens menores não têm lugar. Muitos povos nem sequer têm a sua história escrita, mas é apenas oral, e muitas vezes romantizada. A extrema-esquerda já cumpriu quase todo o seu programa de causas fracturantes, pelo que tem de criar casos, problemas onde não existem. Um exemplo: para alguns desses partidos há discriminação dos imigrantes, mas isso ê completamente contrariado pelo estudo mipex da EU, onde Portugal obteve a nota máxima (o melhor entre 52 paises). Mas obviamente que a comunicação social ao serviço dos políticos ignora essas fontes pois prefere a deturpação...          OldVic1 MODERADOR: Obrigado pela referência, que não conhecia.         fernando jose silva  INFLUENTE: Não há discursos exemplares, nem são os presidentes que os dizem, rodeados como estão por fios das ideais da política. E este Presidente, mais fala-barato que influenciador, não pródigo em actividade criativa mas sim um conservador acomodado, é um comentador por excelência. Para agradar a gregos e troianos, uma missão impossível.         fernando jose silva INFLUENTE: A história é feita de actos e desacatos. De mentiras e verdades. De interpretações e interesses. A história é contada pelos vencedores, assim como a dos vencidos é contada pelos mesmos vencedores. Se os vencidos tivessem sido vencedores, a história seria diferente. O tempo pode desmanchar estas histórias, mas não muda as suas consequências imediatas. Mas quanto mais instruído e conhecedor for o homem, mais hipóteses tem de entender outra história, isto é, a sua própria versão dos acontecimentos e sucessos. A história não é a matemática, não é ciência exacta, pode-se interpretar a posteriori nos erros e nos êxitos. Há razões e razões, há antes e depois, há futuros ou não futuros para medir os tempos e os espaços. E em cada ser humano há uma noção da história.         Jose MODERADOR: Para o Homem a história é tudo o que existe. O futuro ainda não foi, não se sabe se será e o presente é passado no mesmo momento que é. As narrativas históricas fundadas em documentos e ordenadas por metodologias científicas são apesar de tudo narrativas que registam a memória dos Povos. O registo que mora na memória colectiva dos Povos não se impressiona com as muitas narrativas de circunstância antes se aviva lá onde se sente a existência, a vontade e o poder que daí deriva. Não nos excitemos tanto com o discurso do Presidente. O que decide as nossas vidas mora nas nossas memórias por herança genética mais que por propaganda de circunstância.         Gualter Cabral  INFLUENTE: Como entrada de leão, o início é logo uma adivinha. Depois, vem o ramalhete, tirado de tanto cismar - o que é uma obra-prima, digna de almanaque sabendo que as circunstâncias não contam, mas tão só a "herança genética". Genial! Fowler Fowler  EXPERIENTE: O conceito de belo relativo ao discurso do Presidente, bem como o “rigor e a isenção” de quem escreve a história, é parte da subjectividade do sujeito, no tempo e no modo. O discurso de minorias retido em pormenores da sua história enquanto “perdedores” continua a perturbar o status quo, tanto é assim que o sr. Barreto chega até a afirmar que elas “não fazem mais do que lutar pelo poder”. Também Salazar e Caetano souberam usar da palavra e construir consensos para consumo interno, conseguindo, então, afirmar a ideia de que não havia alternativa. Numa versão moderna, vem agora o presente Marcelo recorrer à mesma política da inevitabilidade e, pelos vistos, com aceitação de todos os quadrantes políticos e dos fazedores de opinião. Incrível, como o olhar da serpente pode ser tão anestesiante.          Mario Coimbra  INFLUENTE: Fowler, não me parece nada que tenha sido isso que fez o Presidente. O discurso é muito bom, vindo de quem vem. E tocou todos sem excepção. Isso não é mau nem tem que ser mau. A guerra foi má. É má. cisteina  EXPERIENTE: Excelente texto, quando os "viana" que por aqui abundam saltam da toca sabemos que vale a pena ler, duas vezes pelo menos. Um texto na senda do discurso do PR, exemplar na pedagogia e no conhecimento da História que basbaques "pobres imbecis" teimam em querer reescrever em vez de actualizar as parvoíces que lhes foram contadas. Sim, "Tudo o resto, o ponto de vista do vencido, a desconstrução da narrativa, a alternativa do submisso, a descolonização da história, a recriação do dependente e a afirmação do sem poder é falsidade de charlatão. É burlesco e é embuste". Sem dúvida, verdades como punhos e sem punhos.     Fowler Fowler EXPERIENTE: Ainda bem que há “Vianas”, caso contrário seria uma chatice. Pois, à boleia de Marcelo, vem AB cheio de ar com este texto farfalhudo e raivoso para revisitar a polémica Rui Ramos/ Manuel Loff e bater na esquerda como é seu apanágio. Dizem que é um “cientista” e que as suas dicotomias são extraordinariamente aritméticas, certo? Mas acontece que cá no bairro é mais conhecido com o afectivo petit nom ”Tó das Farfalhas”, embora aos sábados seja mais “Farturas”. Gostos!         viana EXPERIENTE: As suas "verdades" são cada vez menos verdades aos olhos não só de quem estuda a História, mas também aos olhos de cada vez mais. Daí o ressentimento. Decorre de constatarem que perderam o controle sobre a "verdade Histórica", ao nível académico e ao nível social. Por isso, na verdade, estou-me a borrifar para o que pensa, tal como senhor Barreto. A vossa "verdade Histórica" morrerá com vocês. E sabem isso, oh se sabem.       Gualter Cabral  INFLUENTE: Fowler - Dás-me licença! Aqui o Viana das "farturas" também consta como "bate sola", isto é, bate a alpergata por seca e meca a apregoar a sua verdade dos "coitadinhos dos facínoras" que também têm um lado bom, e por isso, devem figurar na história com o beneplácito de bispos e arcebispos. Não há pachorra!     Mario Coimbra INFLUENTE: As carpideiras do costume não mudam cisteína. Não há volta a dar e ainda bem. Não conseguem olhar para um texto sem abstrair de quem o escreveu. E pronto, semana sim semana sim temos fandango e pancada em AB e nos outros do costume.         José Cruz Magalhaes  MODERADOR: É lapidar a frase que, quase a concluir o texto da crónica, sublinha a conclusão que pretende sublinhar de que "Tudo o que pretenda ser História, ou qualquer outra ciência social e que não se traduza num paciente e incansável esforço da procura da verdade, uma jornada sem repouso para compreender, é um passo atrás na civilização ". É exactamente por serem muitos passos atrás na civilização, que a representação de uma história em processo de recuperação, longe de qualquer verdade, enganosa e criadora de mitos e mitologias, que as palavras de Marcelo, findo o enfoque no poder, como escreve AB, são uma ardilosa manifestação de negação de toda a crítica ou condenação.        viana  EXPERIENTE: Um pretenso sociólogo que nada mais defende do que o status quo. Que tenta disfarçar através do elogio da procura da verdade, que não é mais do que simples hipocrisia de quem na verdade não quer saber. Porque está muito confortável com a história dos vencedores. Não vou perder mais tempo com gentalha desonesta que não tem a coragem para dizer o que pretende. "(...)seu sereno orgulho em toda a história do país, os seus lados bons e maus, as suas glórias e as suas misérias(...)" Orgulho?! Também devemos ter orgulho na vida dum assassino, no seu lado bom e no seu lado mau?... Desprezível.        Mario Coimbra  INFLUENTE: Está a falar de Afonso de Albuquerque???     Alexandre Pinto-Fernandes INFLUENTE: Excelente texto. Deveria ser leitura obrigatória para os novos historiadores da “verdade”.         OldVic1  MODERADOR: "Tudo o que pretenda ser história ou qualquer outra ciência social e que não se traduza num paciente e incansável esforço de procura da verdade, uma jornada sem repouso para compreender, é um passo atrás na civilização": cristalino, simples, evidente para quem tiver um pingo de lucidez. Como bem diz, quem não quiser ver isto só quer exercer poder sobre os outros. Há muitas formas de ditadura, e não sei se a ditadura intelectual não é a pior, até porque é consentida.        Gualter Cabral  INFLUENTE: História vs Estórias. A história foi sempre a fórmula encontrada para induzir o cidadão a glórias, por vezes forjadas, mantendo as aparências dos mandantes em alta. As estórias, por sua vez, são colaterais aos eventos, que têm por norma pompa e circunstância, e, portanto, passam relegadas para entreter como contos de cordel. Para o cidadão comum, os dias passam iguais e o que conta é a saúde e sopa na mesa.

01.05.2021 08:14

 

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