A panaceia qual seria? A oeste, opina-se.
Apoio norte-americano permite à Ucrânia
"respirar de alívio", mas não será "panaceia" para vencer a
guerra
Pacote de
ajuda dos EUA de 57 mil milhões de euros ajudará ucranianos a suster ofensiva
russa e a proteger civis dos ataques aéreos. Kiev deixará de "racionar
munições", mas não é nenhuma "panaceia".
OBSERVADOR, 25 abr. 2024, 22:252
Índice
Ucrânia pode agora arriscar, mas só restabelecerá
capacidades em junho
A mobilização: o calcanhar de Aquiles da Ucrânia
Um excepção ou o apoio prolongado até à vitória: a
dúvida que pode determinar o sucesso ucraniano
“Que Putin se arrependa do dia
em que duvidou da determinação norte-americana.” Após meses de impasse, negociações
nos bastidores, chantagens e ameaças, o pacote de 61 mil milhões de
dólares (cerca de 57 mil milhões de euros) de ajuda à Ucrânia foi aprovado esta terça-feira à noite
pelo Congresso norte-americano e promulgado esta quarta-feira pelo Presidente
norte-americano, Joe Biden. O líder do Senado, o democrata Chuck Schumer,
saudava a decisão, com críticas ao Chefe de Estado russo e aos republicanos que
insistentemente se opuseram à ajuda. Em Kiev, respirou-se de
alívio.
Na Ucrânia, que tanto apelou à
aprovação do pacote de ajuda, existe um renovado sentimento de esperança. As forças ucranianas têm enfrentado
condições cada vez mais difíceis no terreno e não têm conseguido fazer face a
uma limitada ofensiva russa, que paulatinamente tem levado à conquista de
várias aldeias no Donbass. A falta de munições, equipamentos
militares e homens para combater criam dores de cabeça às altas patentes
militares de Kiev. Ora, o apoio de Washington vem tentar colmatar
essas falhas, esperando dar um novo ânimo à Ucrânia.
Numa
entrevista ao canal de televisão norte-americano NBC News, o
Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse acreditar que este “apoio vai
fortalecer as Forças Armadas”. E até referiu que os 61 mil milhões de dólares
poderão dar uma “chance de vitória” à Ucrânia, se o país “receber as armas
que tanta necessita”. “Temos de estabilizar a situação e retomar a
iniciativa”, declarou o Chefe de Estado,
que apelou a que a ajuda chegue o “mais cedo possível”.
▲Os destroços
do ataque russo contra Kharkiv, esta quarta-feira ANADOLU VIA GETTY IMAGES
Em declarações ao Observador, Mariya Omelicheva,
professora de Estratégia na National War College, em Washington D.C., assinala
que os soldados e a liderança ucraniana puderam “respirar de alívio” com a
aprovação do pacote de ajuda dos Estados Unidos da América: “Vai dar aos
ucranianos a artilharia e as munições necessárias para os ajudar a estabilizar
as linhas de defesa e travar os avanços lentos da Rússia”. No entanto, a
especialista ucraniana avisa este auxílio não é uma “panaceia” que vai
solucionar todos os problemas: “O maior desafio da Ucrânia é o número de
homens”.
Ajuda militar, financeira, logística e humanitária: por que é composto o
pacote de ajuda norte-americano?
Ainda não foram divulgados os
pormenores do pacote de ajuda norte-americano. Apenas se sabe dividirá em
várias componentes: de ajuda militar, financeira e humanitária. Dos 61 mil milhões, cerca de nove mil milhões de
dólares (aproximadamente 8,42 mil milhões de euros) serão, relata a BBC, em formato
de “empréstimos perdoáveis”, que abrem a
possibilidade de Kiev nunca pagar esse valor, caso não obtenha condições
financeiras para tal.
Na ajuda militar, um grande
valor será utilizado para reparar ou recarregar equipamentos de guerra enviados
pelos Estados Unidos para território ucraniano noutras fases do conflito. Em
concreto, a Reuters apurou que a primeira tranche deste pacote de ajuda será de
mil milhões de dólares (cerca de 940 milhões de euros).
▲ Joe Biden
anunciou que, nas "próximas horas", Ucrânia vai receber equipamento
militar norte-americano SHAWN THEW/EPA
Esta quarta-feira, ao promulgar o pacote de ajuda, Joe
Biden anunciou que, “nas próximas horas”, a Ucrânia já vai receber equipamentos de guerra e munições dos EUA. “Vamos
começar a enviar equipamentos para a defesa aérea, artilharia, sistemas de
lançamento de foguetes e veículos de combate”, detalhou o Presidente
norte-americano.
Não obstante,
demorará algum tempo até se ter uma ideia completa para onde é que serão
destinados os 61 mil milhões de dólares. Ao Observador, Mikhail Polianskii, membro do think tank Peace Research Institute Frankfurt e especialista em
política russa e na segurança da Europa, defende que o pacote de ajuda
norte-americano vai colmatar as principais falhas no terreno. “Esta ajuda é provável que
inclua várias formas de apoio militar, como armas, munições e treino. Poderá
fortalecer significativamente a Ucrânia e parar os avanços russos.”
No entender do especialista russo que vive na
Alemanha, a falta de munições é, atualmente, o problema mais grave com que se
debatem as tropas ucranianas. Estes 61 mil milhões de dólares darão a
possibilidade à Ucrânia de “deixar
de racionar munições”, como tem feito “nos últimos meses”, devido à
escassez: “A Ucrânia começou recentemente a usar sistemas HIMARS ativamente,
após as notícias de o pacote de
ajuda ter sido aprovado”.
"Esta ajuda é provável
que inclua várias formas de apoio militar, como armas, munições e treino.
Poderá fortalecer significativamente a Ucrânia e parar os
avanços russos"
Mikhail Polianskii, membro do
think tank Peace Research Institute Frankfurt e especialista em política
russa e na segurança da Europa
Um exceção
ou o apoio prolongado até à vitória: a dúvida que pode determinar o sucesso
ucraniano
Outro tipo de ajuda importante é, para Mikhail
Polianskii, o logístico, algo
que poderá ser reforçado com o pacote de ajuda. “Além do
militar, apoio logístico é crucial”, sublinha o especialista, enumerando no que
consiste: “Combustível, equipamentos médicos,
dispositivos de comunicação, que são vitais para manter as capacidades
operacionais”.
Ucrânia pode agora
arriscar, mas só restabelecerá capacidades em junho
Travar
a lenta ofensiva russa no leste e salvar os civis dos ataques aéreos de Moscovo
— estes são os dois principais
fins para o pacote de ajuda norte-americano. “A Rússia tem lentamente avançado em território ucraniano e as forças
armadas ucranianas tinham de racionar munições e sofriam perdas”, expõe Mariya Omelicheva, algo que a ajuda de
Washington ajudará a travar. “Também permitirá reabastecer a defesa aérea para
proteger cidades e infraestruturas críticas danificadas por mísseis russos e
ataques com drones. E será usado para
treinar recrutas ucranianos.”
Apesar de a entrega de
equipamentos de guerra começar muito em breve, isso não deverá “afectar a
situação na linha da frente” durante “várias semanas”. No relatório diário do think tank norte-americano
Instituto para a Guerra (ISW) da passada segunda-feira, lê-se que a Ucrânia pode ainda “sofrer
alguns reveses” com a ofensiva russa, até ser “capaz de estabilizar a frente”, principalmente em redor da
localidade de Chasiv Yar, que a Rússia tem tentado, nas últimas semanas,
conquistar.
▲ A situação em Chasiv Yar AFP
VIA GETTY IMAGES
“As
forças ucranianas vão provavelmente continuar a sofrer de falta de munições e
de interceptores de defesa aérea nas próximas semanas”, prossegue o
Instituto para a Guerra, que conjectura que “as forças russas” ainda poderão
ter “ganhos tácticos marginais”. Além disso, a “ameaça de um avanço
significativo russo nas próximas semanas ainda se mantém”, embora a Ucrânia
possa agora tomar passos “arriscados”, de modo a “evitar esse avanço, uma
vez que sabe que mais material chegará em breve”.
Neste
sentido, o Instituto para a Guerra prevê que as capacidades das forças armadas
ucranianas estarão mais fortalecidas para combater de igual para igual a Rússia
provavelmente em junho de 2024, mês em que se espera que Moscovo lance uma
ofensiva de larga escala na Ucrânia. O Kremlin não desiste de controlar a
totalidade das províncias de Donetsk e Lugansk, assim como planeia uma operação
militar para conquistar a cidade de Kharkiv, palco de ataques aéreos russos nos
últimos dias.
A
capacidade ucraniana de se defender (e quem sabe passar a ofensiva) depende
igualmente da Rússia. O Instituto para a Guerra vaticina que as forças russas,
nas próximas semanas, vão “provavelmente intensificar as operações ofensivas”,
bem como os ataques com drones e mísseis, para explorar precisamente esta
altura de impasse, em que a Ucrânia já recebeu ajuda ocidental, mas que não a
implementou totalmente no terreno. “As forças russas mantiveram e, em algumas áreas,
intensificaram as operações ofensivas.”
▲ Tropas ucranianas continuarão, apesar da
aprovação da ajuda, a sofrer alguns reveses no campo de batalha nas próximas
semanas STR/EPA
Publicamente, o Kremlin reagiu com desprezo à ajuda
norte-americana. O porta-voz
da presidência russa, Dmitry Peskov, atacou a polícia “neocolonial”
norte-americana, garantindo que os 61 mil milhões de dólares “não vão
mudar nada”: “Todos os especialistas podem ver a olho nu a situação da frente,
que está longe de estar favorável para o lado ucraniano. Não vai mudar nada”.
Por
sua vez, Mikhail Polianskii não vê “como é que aprovação do pacote de ajuda
possa mudar a posição da Rússia” no terreno, continuando com operações
ofensivas de baixa intensidade: “A Rússia está actualmente a usar as
capacidades máximas e não está a esperar por uma oportunidade para escalar”. Ainda assim, o especialista ressalva ao Observador
que pode assistir-se a uma “intensificação da propaganda” destinada a “minar o
real significado” deste apoio, passando a mensagem de que é ineficaz e nada vai
mudar, como o porta-voz do Kremlin fez. “Além disso, não prevejo grande
mudanças.”
A
mobilização: o calcanhar de Aquiles da Ucrânia
A ajuda norte-americana pode ajudar a Ucrânia em
termos financeiros e militares, mas há algo que nunca poderá fornecer: homens. “O grande desafio da Ucrânia é
ter pessoas para disparar as balas”, realça Mariya Omelicheva, que traça um retrato de “várias baixas e exaustão na linha
da frente”, após dois anos e dois meses de guerra: “A Ucrânia precisa de mais e mais soldados, de preferência
revigorados”.
"O grande desafio da Ucrânia é ter pessoas para disparar as
balas. A Ucrânia precisa de mais e de mais soldados, de preferência revigorados"
Mariya Omelicheva, professora de
Estratégia na National War College, em Washington D.C.
Assim sendo, o Presidente ucraniano tem tentado mobilizar a sociedade para
que mais homens se inscrevam nas Forças Armadas e aceitem combater. “Recentemente, [o governo] diminuiu a idade da
conscrição dos 27 para 25 anos”, exemplifica Mariya Omelicheva. Essa mudança
trará cerca de 400 mil pessoas para as Forças Armadas.
Há outra frente, desta vez mais
diplomática, em que o governo ucraniano tem tentado obter sucesso: convocar os homens em idade militar que abandonaram a
Ucrânia. Sendo assim, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba,
anunciou que os serviços consulares de Kiev serão suspensos para homens
entre os 18 e os 60 anos.
Na sua conta pessoal do X
(antigo Twitter), o chefe da diplomacia ucraniana justificou a decisão,
recordando as circunstâncias da “agressão em larga escala da Rússia” e frisando
que a “principal prioridade” dos habitantes do país passa agora por “proteger a
pátria da destruição”. Dmytro Kuleba criticou depois os “homens em idade
militar que foram para o estrangeiro“, que mostraram ao “Estado que não querem
saber da sobrevivência” da Ucrânia — daí ter-lhes suspendido os serviços
consulares.
▲ Diplomacia
ucraniana esforça-se para que homens que abandonaram a Ucrânia em idade militar
regressem ao país SERGEY DOLZHENKO/EPA
Adicionalmente, em meados de abril, a
polémica nova lei da mobilização também foi aprovada, ainda que tenha sido
impopular. Uma das
medidas mais contestadas foi o facto de não haver um prazo para a
desmobilização dos soldados. Ou seja: numa guerra que se antevê longa, continua
a não existir um prazo legal até quando os homens podem ser dispensados do
campo de batalha. A legislação introduz, na mesma medida, um serviço
militar básico para os jovens entre os 18 e os 24 anos, que poderão escolher
quando é que o querem cumprir. Além disso, nas universidades, será introduzida
uma componente de treino militar.
Um excepção ou o apoio prolongado até à vitória: a dúvida que pode
determinar o sucesso ucraniano
Pelo menos nos próximos meses, este pacote de ajuda
ajudará a Ucrânia a sustentar a ofensiva russa. O que acontece, porém, quando acabar? Num Congresso cada vez mais adverso ao auxílio a Kiev
— com facções dentro do Partido Republicano abertamente contra a medida — torna-se cada vez mais difícil reunir apoio
político nos Estados Unidos. O
cenário ainda é mais negro para Kiev se se tiver em consideração uma possível
vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas em
novembro, sendo que o magnata já prometeu “terminar com a guerra em 24 horas” —
o que pode levar a cedências territoriais do lado ucraniano.Para Mariya Omelicheva, “mais significativo” do que
estes 61 mil milhões de euros seria a “previsibilidade” desse apoio à Ucrânia.
Isto é: que o apoio do Ocidente fosse contínuo até levar a Ucrânia à vitória. “
"Este novo pacote de
ajuda vai ser gasto rapidamente. Embora não se deva desvalorizar o simbolismo
deste pacote de ajuda — os EUA demonstraram determinação no apoio a Kiev — as
disputas no Congresso resultaram em atrasos e incerteza, o que é altamente prejudicial
para o sucesso da Ucrânia" Mariya Omelicheva, professora de Estratégia na
National War College, em Washington D.C.
“É a previsibilidade da ajuda que é extremamente importante”, sublinha a
especialista. Com um conflito já longo e sem perspectivas para acabar, essa
previsibilidade pode estar em risco. Num artigo de opinião do New York Times, o senador
republicano J.D. Vance, próximo de Donald Trump, defendeu a existência de
negociações para terminar a guerra (mesmo com condições desfavoráveis para
Kiev), argumentando que, mesmo com o apoio dos Estados Unidos, a Ucrânia não
tem qualquer hipótese de vencer a guerra.
Ainda que esteja
longe de estar dominante, esta tese
começa a ganhar alguma tracção entre os republicanos. Com maioria na Câmara dos
Representantes, estas facções do Partido Republicano conseguem criar impasses e
dificultar a aprovação de pacotes deste género. O líder republicano da comissão
dos Negócios Estrangeiros na Câmara dos Representantes, Michael McCaul, reconheceu que a
“propaganda russa” entrou nos Estados Unidos. “Infelizmente, infectou grande
parte da base do partido.”
Até onde o
Ocidente está disposto a ir para garantir a vitória ucraniana é uma incógnita. A própria definição de ‘vitória’ varia: será a reconquista de todos os territórios
ocupados pela Rússia desde 2014, incluindo a Crimeia, ou será estar numa
posição de vantagem em relação à Rússia para encetar negociações? A primeira hipótese poderá ser impossível, tendo em conta o poderio
russo; a segunda é difícil de avaliar.
▲ Até quando o
Ocidente, em particular os Estados Unidos, vão apoiar a Ucrânia é uma incógnita
GETTY IMAGES
Para 2024, uma vitória militar
ucraniana será praticamente impossível. Em
declarações à Reuters, Matthew Savill, director de ciências militares
no think tank britânico RUSI, enfatizou que a Ucrânia terá de se concentrar nas
“posições defensivas”, resignando-se à ideia de que “perdeu alguns territórios
para a Rússia”. Para o país, “o grande desafio é simultaneamente garantir uma defesa
forte e preparar para uma ofensiva em 2025″.
Em todo o caso, o apoio ocidental
para uma eventual vitória será importante neste processo e terá de ir mais além
dos 61 mil milhões de dólares norte-americanos. Apesar das dificuldades, Mariya
Omelicheva mostra-se confiante: “A Ucrânia tem uma hipótese de vitória —
mostra heroísmo, determinação, vontade e capacidade para lutar”. Contudo, o
pacote norte-americano “não trará” o tão desejado triunfo a Kiev, reconhece a
especialista, salientando que isso vai depender de vários factores. O
principal? Até quando o Ocidente está disposto a financiar o esforço de guerra
ucraniano.
GUERRA NA UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO RÚSSIA
COMENTÁRIOS:
Liberales Semper Erexitque: Apoio norte-americano permite à Ucrânia "respirar
de alívio", mas não será "panaceia": Tradução para português:
apoio norte-americano não será panaceia para que os ucranianos continuem a
morrer que nem tordos para glória dos fascistas locais e testes militares dos
EUA.
Pertinaz: Quem diz… os russos…???
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