Que gostamos de evocar, por trazerem seriedade “histórica” a um país galhofeiro
e esquecido. Ficamos gratos a NUNO RIBEIRO DA SILVA que trouxe à baila um
desses nomes régios da nossa História.
Morrer por Ormuz!
Uma vez mais, nestes primeiros dias
de primavera de 2014, Albuquerque
The Great – como o vi designado num documento oficial no Omã –
volta a justificar a sua genial visão estratégica.
NUNO RIBEIRO DA SILVA Especialista em temas de energia, antigo
presidente da Endesa-Portugal
OBSERVADOR, 17
abr. 2024, 00:1723
Dom
Afonso de Albuquerque, entre outros
dotes, foi um fantástico estratega, grande responsável pela criação do império
português da Índia/Ásia e do chamado período português no Golfo, que durou dos
primórdios do século XVI até Janeiro de 1650, com a queda da praça de Muscate
(Mascate, actual Omã), conquistada pelos omanitas.
Afonso de Albuquerque, com a
missão de construir o império português na Índia, na Ásia, desenhou os pontos estratégicos que havia que dominar,
com vista a controlar as rotas de
comércio com a Índia e Península Arábica: entre outros, conquistar Ormuz (Golfo Pérsico), Adém (Mar Vermelho) e o estreito de Malaca.
Hoje as rotas marítimas mais relevantes no planeta.
Albuquerque,
ambicioso e ousado, numa leitura inteligente no terreno, tentava convencer o
rei D. Manuel I e os seus conselheiros – sentados em Lisboa e tomados de inveja
pelos sucessos do vice-rei – sobre a necessidade de promover arriscadas acções
militares na região.
Entre outras, a conquista de
Ormuz (1515), não era facilmente compreendida como necessária nos salões reais, a seis mil km do cenário onde Afonso
Albuquerque lutava pelas rendas do reino e… pelo seu reconhecimento e prestígio.
Em síntese, desesperado com os
“consultores” de D. Manuel I, engendra
uma acção militar que o leva a controlar o Golfo Pérsico, o comércio na
Península e no Mar Arábico depois de uma tentativa falhada em 1507 – com base
numa história mal contada a Lisboa em que justifica que “há que morrer
por Ormuz!”. 27 navios,1500 portugueses e 700 malabares levaram, em 1515, o rei
Turan Sha a “aceitar” a vassalagem ao rei de Portugal.
Isto passou-se há 500 anos.
Entretanto,
no decorrer dos séculos, sempre o estreito de Ormuz foi alvo de cobiça, de
relevante importância estratégica e consequentes conflitos e tensões.
Hoje não são as pérolas, os cavalos, mas sim os 20% do comércio
mundial que por ali circula e… cerca de 20 milhões de barris de petróleo
diários e gás natural que dão energia ao mundo e alimentam as receitas da
Arábia Saudita, Irão, Kuwait, Bahrain, Qatar, Omã, Emiratos Árabes….
Sobre o impacto na economia mundial e na cena política, das
múltiplas crises do “estreito”, para não recuar muito tempo, bastará lembrar
1979/80 na guerra Irão-Iraque, com 240 navios tanques atacados e 54 afundados,
a invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990, as ameaças de fecho do Estreito pelo
Irão em 2011, 2012, 2016, para além de outros inumeráveis episódios.
Uma
vez mais, nestes primeiros dias de primavera de 2014, Albuquerque The Great –
como o vi designado num documento oficial no Omã – volta a justificar a sua
genial visão estratégica:
se o conflito, insegurança e destruição de infraestruturas
petrolíferas e gazistas se aprofundar;
se diminuir o fluxo de petróleo e gás pelo estreito canal “livre” de
3km de largura, fora das águas territoriais;
se os seguros e fretes marítimos se agravarem.
Os
efeitos são já, sobejamente, conhecidos:
aumentos dos preços do petróleo e gás, responsáveis por cerca de 60%
da energia que o mundo consome;
pressão inflacionista;
pressão sobre as taxas de juro;
impacto evidente na economia mundial;
ambiente mais favorável à eleição de Trump;
reforço da posição da Rússia e das receitas provenientes do petróleo
e gás;
etc., etc., etc.
Restariam as ruínas do forte de
Nossa Senhora da Conceição de Ormuz (1515), construção em forma de pentágono
(!), para nos protegermos…
Especialista em
temas energéticos, antigo presidente da Endesa
GEOPOLÍTICA MUNDO ENERGIA ECONOMIA HISTÓRIA CULTURA
COMENTÁRIOS (de 23)
Cipião Numantino: Belo artigo de NRS! Que nos
coloca em confronto com um dos maiores vultos da história portuguesa ou até
mesmo mundial. Afonso de Albuquerque não é tão só reconhecido como um militar e
conquistador excepcional só agora. Já na época, numa embaixada a ele enviada
pelo Xá Ismail I da Pérsia é, por este mesmo monarca, tratado reverentemente
como Leão dos Mares. Albuquerque foi um génio.
Um daqueles homens que tal como Alexandre o Grande tinha um propósito, uma
ideia e um destino. Um visionário que revolucionou tudo o que era como um dado adquirido em
apenas, pasme-se, 6 anos!!! O seu projecto de poder assentava em fortalezas em terra e domínio de
todas as posições chave do comércio internacional, com a conquista e domínio do
Estreito de Ormuz, Estreito de Malaca e entrada do Mar Vermelho. Destes só lhe
escapou justamente o Mar Vermelho, ainda que se tenha dominado a lha de
Socotra, mas se falhou a conquista de Jidah. E segundo se pensa, ele
visionava algo de mais substancial que era a conquista de Meca e o desvio do
curso do Rio Nilo para estrangular o Egipto. Só traições várias de entre
as quais destaco a inveja do almirante João da Nova, evitou provavelmente tal
desfecho. De qualquer forma o estrangulamento do Egipto veio logo a
seguir quando o sultanato Mameluco caíu derrotado às mãos de Selim I, sultão do
então emergente império Otomano. Este, por sua vez, acabou por ser altamente
condicionado pela falta das riquezas das especiarias que dividia religiosamente
com a Sereníssima República de Veneza originando, colateralmente, a ruína
económica desta. E, com isso gorarem-se os sonhos húmidos dos Otomanos
em dominarem a Europa. Albuquerque foi um percursor. A
partir dele, todos os impérios assentaram o seu real poder militar no mar e se
tornaram potências marítimas, como sucedeu com a Holanda, Espanha, mais tarde
Inglaterra e, finalmente, os Estados Unidos. Um homem para a eternidade!... Antonio Moreira: Oportuna a lembrança de
Albuquerque, The Great, um dos maiores
génios da estratégia em geral e, em particular, da estratégia de uma potência
marítima global, como Portugal foi nos séc. XV e XVI. Ele não só pensou como foi
construtor desse império marítimo. Olhar para a história e perceber que os
ingleses e outras potências marítimas globais o seguiram, mesmo sem o
reconhecerem... Até os chineses reconhecem e estudam Portugal e
Albuquerque, respectivamente como primeira potência marítima global e como seu
estratega no Oriente, nas universidades e em documentários televisivos sobre
exemplos históricos de como se constrói uma potência global. A geografia é o mais permanente dos factores que
definem os riscos e as oportunidades dos povos e das potências. A consciência marítima permite aos povos e seus
dirigentes perceberem os riscos e as oportunidades que o mar / oceano traz. Portugal, com o seu território quase arquipelágico
(Continente, Açores e Madeira) no centro do Oceano Atlântico, tem uma posição
geográfica privilegiada. No entanto os seus líderes contemporâneos (com raras
excepções) não têm sabido reconhecer e utilizar essa posição para o seu
desenvolvimento e como factor de afirmação internacional num mundo global. A Consciência Marítima permite aos povos e seus dirigentes
perceberem os riscos e as oportunidades que o mar / oceano traz a Portugal. Artigos
como o que comento agora ajudam a criar Consciência Marítima. Como português,
agradeço. madalena colaço: Ainda hoje, no Estado de Kerala
na Índia, na costa do mar arábico, como na cidade de Cochim, os portugueses são
lembrados com grande admiração e amizade. Como é que é possível, Portugal,
levado pela ideologia da esquerda radical, tenha vergonha da nossa história.
Stefan Zweig escreveu um livro sobre "The Great Albuquerque” que recomendo.
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