quinta-feira, 18 de abril de 2024

Nomes do passado


Que gostamos de evocar, por trazerem seriedade “histórica” a um país galhofeiro e esquecido. Ficamos gratos a NUNO RIBEIRO DA SILVA que trouxe à baila um desses nomes régios da nossa História.

Morrer por Ormuz!

Uma vez mais, nestes primeiros dias de primavera de 2014, Albuquerque The Great – como o vi designado num documento oficial no Omã – volta a justificar a sua genial visão estratégica.

NUNO RIBEIRO DA SILVA Especialista em temas de energia, antigo presidente da Endesa-Portugal

OBSERVADOR, 17 abr. 2024, 00:1723

Dom Afonso de Albuquerque, entre outros dotes, foi um fantástico estratega, grande responsável pela criação do império português da Índia/Ásia e do chamado período português no Golfo, que durou dos primórdios do século XVI até Janeiro de 1650, com a queda da praça de Muscate (Mascate, actual Omã), conquistada pelos omanitas.

Afonso de Albuquerque, com a missão de construir o império português na Índia, na Ásia, desenhou os pontos estratégicos que havia que dominar, com vista a controlar as rotas de comércio com a Índia e Península Arábica: entre outros, conquistar Ormuz (Golfo Pérsico), Adém (Mar Vermelho) e o estreito de Malaca.

Hoje as rotas marítimas mais relevantes no planeta.

Albuquerque, ambicioso e ousado, numa leitura inteligente no terreno, tentava convencer o rei D. Manuel I e os seus conselheiros – sentados em Lisboa e tomados de inveja pelos sucessos do vice-rei – sobre a necessidade de promover arriscadas acções militares na região.

Entre outras, a conquista de Ormuz (1515), não era facilmente compreendida como necessária nos salões reais, a seis mil km do cenário onde Afonso Albuquerque lutava pelas rendas do reino e… pelo seu reconhecimento e prestígio.

Em síntese, desesperado com os “consultores” de D. Manuel I, engendra uma acção militar que o leva a controlar o Golfo Pérsico, o comércio na Península e no Mar Arábico depois de uma tentativa falhada em 1507 – com base numa história mal contada a Lisboa em que justifica que  “há que morrer por Ormuz!”. 27 navios,1500 portugueses e 700 malabares levaram, em 1515, o rei Turan Sha a “aceitar” a vassalagem ao rei de Portugal.

Isto passou-se há 500 anos.

Entretanto, no decorrer dos séculos, sempre o estreito de Ormuz foi alvo de cobiça, de relevante importância estratégica e consequentes conflitos e tensões.

Hoje não são as pérolas, os cavalos, mas sim os 20% do comércio mundial que por ali circula e… cerca de 20 milhões de barris de petróleo diários e gás natural que dão energia ao mundo e alimentam as receitas da Arábia Saudita, Irão, Kuwait, Bahrain, Qatar, Omã, Emiratos Árabes….

Sobre o impacto na economia mundial e na cena política, das múltiplas crises do “estreito”, para não recuar muito tempo, bastará lembrar 1979/80 na guerra Irão-Iraque, com 240 navios tanques atacados e 54 afundados, a invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990, as ameaças de fecho do Estreito pelo Irão em 2011, 2012, 2016, para além de outros inumeráveis episódios.

Uma vez mais, nestes primeiros dias de primavera de 2014, Albuquerque The Great – como o vi designado num documento oficial no Omã – volta a justificar a sua genial visão estratégica:

se o conflito, insegurança e destruição de infraestruturas petrolíferas e gazistas se aprofundar;

se diminuir o fluxo de petróleo e gás pelo estreito canal “livre” de 3km de largura, fora das águas territoriais;

se os seguros e fretes marítimos se agravarem.

Os efeitos são já, sobejamente, conhecidos:

aumentos dos preços do petróleo e gás, responsáveis por cerca de 60% da energia que o mundo consome;

pressão inflacionista;

pressão sobre as taxas de juro;

impacto evidente na economia mundial;

ambiente mais favorável à eleição de Trump;

reforço da posição da Rússia e das receitas provenientes do petróleo e gás;

etc., etc., etc.

Restariam as ruínas do forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz (1515), construção em forma de pentágono (!), para nos protegermos…

Especialista em temas energéticos, antigo presidente da Endesa

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COMENTÁRIOS (de 23)

Cipião Numantino: Belo artigo de NRS! Que nos coloca em confronto com um dos maiores vultos da história portuguesa ou até mesmo mundial. Afonso de Albuquerque não é tão só reconhecido como um militar e conquistador excepcional só agora. Já na época, numa embaixada a ele enviada pelo Xá Ismail I da Pérsia é, por este mesmo monarca, tratado reverentemente como Leão dos Mares. Albuquerque foi um génio. Um daqueles homens que tal como Alexandre o Grande tinha um propósito, uma ideia e um destino. Um visionário que revolucionou tudo o que era como um dado adquirido em apenas, pasme-se, 6 anos!!! O seu projecto de poder assentava em fortalezas em terra e domínio de todas as posições chave do comércio internacional, com a conquista e domínio do Estreito de Ormuz, Estreito de Malaca e entrada do Mar Vermelho. Destes só lhe escapou justamente o Mar Vermelho, ainda que se tenha dominado a lha de Socotra, mas se falhou a conquista de Jidah. E segundo se pensa, ele visionava algo de mais substancial que era a conquista de Meca e o desvio do curso do Rio Nilo para estrangular o Egipto. Só traições várias de entre as quais destaco a inveja do almirante João da Nova, evitou provavelmente tal desfecho. De qualquer forma o estrangulamento do Egipto veio logo a seguir quando o sultanato Mameluco caíu derrotado às mãos de Selim I, sultão do então emergente império Otomano. Este, por sua vez, acabou por ser altamente condicionado pela falta das riquezas das especiarias que dividia religiosamente com a Sereníssima República de Veneza originando, colateralmente, a ruína económica desta. E, com isso gorarem-se os sonhos húmidos dos Otomanos em dominarem a Europa. Albuquerque foi um percursor. A partir dele, todos os impérios assentaram o seu real poder militar no mar e se tornaram potências marítimas, como sucedeu com a Holanda, Espanha, mais tarde Inglaterra e, finalmente, os Estados Unidos. Um homem para a eternidade!...    Antonio Moreira: Oportuna a lembrança de Albuquerque, The Great, um dos maiores génios da estratégia em geral e, em particular, da estratégia de uma potência marítima global, como Portugal foi nos séc. XV e XVI. Ele não só pensou como foi construtor desse império marítimo. Olhar para a história e perceber que os ingleses e outras potências marítimas globais o seguiram, mesmo sem o reconhecerem... Até os chineses reconhecem e estudam Portugal e Albuquerque, respectivamente como primeira potência marítima global e como seu estratega no Oriente, nas universidades e em documentários televisivos sobre exemplos históricos de como se constrói uma potência global. A geografia é o mais permanente dos factores que definem os riscos e as oportunidades dos povos e das potências. A consciência marítima permite aos povos e seus dirigentes perceberem os riscos e as oportunidades que o mar / oceano traz. Portugal, com o seu território quase arquipelágico (Continente, Açores e Madeira) no centro do Oceano Atlântico, tem uma posição geográfica privilegiada. No entanto os seus líderes contemporâneos (com raras excepções) não têm sabido reconhecer e utilizar essa posição para o seu desenvolvimento e como factor de afirmação internacional num mundo global. A Consciência Marítima permite aos povos e seus dirigentes perceberem os riscos e as oportunidades que o mar / oceano traz a Portugal. Artigos como o que comento agora ajudam a criar Consciência Marítima. Como português, agradeço.          madalena colaço: Ainda hoje, no Estado de Kerala na Índia, na costa do mar arábico, como na cidade de Cochim, os portugueses são lembrados com grande admiração e amizade. Como é que é possível, Portugal, levado pela ideologia da esquerda radical, tenha vergonha da nossa história. Stefan Zweig escreveu um livro sobre "The Great Albuquerque” que recomendo.

 

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