Para mim, contou muito PEDRO PASSOS COELHO. Na questão da firmeza e seriedade, que não é,
naturalmente, item de monta, embora esteja contido na exigência “Pessoas que, pelo seu trabalho e exemplo,
marcaram de forma inequívoca o país em democracia”.
Uma boa pesquisa dos autores deste trabalho.
Da política à literatura, do desporto à economia, da música ao mundo empresarial, estes são os 10 portugueses mais marcantes desde o 25 de Abril, de acordo com os leitores do Observador.
Texto de ANA SUSPIRO,
ANA SANLEZ,
ALEXANDRA
MACHADO, JOANA MOREIRA, PAULO FARINHA
e RUI PEDRO
ANTUNES, grafismo de RODRIGO MENDES
OBSERVADOR, 29
abr. 2024, 19:344
Índice
LÍDERES E INOVADORES: RUI NABEIRO e MÁRIO SOARES
POLÍTICA: RAMALHO EANES e SALGUEIRO MAIA
ECONOMIA: CHAMPALIMAUD e SALVADOR CAETANO
O desafio foi
lançado um mês antes da celebração dos 50 anos do 25 de Abril:
perguntámos aos leitores e ouvintes do Observador e da Rádio Observador quais
os dez portugueses mais influentes das últimas cinco décadas, divididos por
categorias. Pessoas que, pelo seu
trabalho e exemplo, marcaram de forma inequívoca o país em democracia.
Para isso, a redação do Observador
escolheu cem nomes marcantes para a história de Portugal depois do 25 de Abril.
Essa centena de figuras foi classificada em cinco categorias: Líderes e Inovadores, Política, Economia, Desporto e
Cultura. Em cada uma
destas áreas havia vinte nomes a partir dos quais se podiam escolher dois. A
lista final, que agora revelamos, representa as duas figuras mais votadas em
cada uma destas categorias.
Mais de 11.200 pessoas votaram para a
escolha destes dez nomes, a partir da nossa lista inicial que pode consultar aqui.
Líderes
e inovadores: Rui Nabeiro e Mário Soares
Rui Nabeiro, o homem que fez do café
um império (a partir do interior do país)
O “pai” dos cafés Delta nunca teve o
destino traçado. Foi pregoeiro, vendeu peixe e viveu do contrabando para
alimentar a miséria a que a década de 1940 votou uma pequena vila fronteiriça
após a guerra civil espanhola. Foi pela mão de um tio que Rui Nabeiro
começou a forjar o império que veio a criar em Campo Maior, onde ainda hoje
está cimentado. Primeiro com “umas barracas” de açúcar, massa, arroz e
feijão. Até que surgiu o café. Em 1961, uma máquina artesanal que torrava
trinta quilos de grãos de café deu origem à marca que nunca descolou da pele de
Rui Nabeiro e de Campo Maior. E não foi por falta de oportunidade.
Foram
várias as propostas que teve para vender a Delta a gigantes como a Nestlé ou a
Pepsi. Nunca
aceitou nenhuma, porque tal implicaria tirar a empresa à terra que a viu nascer
e que, graças à indústria do café, tem uma taxa de natalidade acima da média
nacional e uma taxa de desemprego mais baixa que o resto do Alentejo.
A ligação umbilical do “Senhor Rui” a
Campo Maior teve várias ramificações. Na
política, aderiu ao Partido Socialista após o 25 de abril e foi pelo partido da
rosa que foi três vezes eleito presidente da Câmara de Campo Maior, entre 1977
e 1986. No desporto, foi também com Rui Nabeiro que o Campomaiorense provou o
sabor da glória chegando à I Divisão.
Rui Nabeiro (que conquistou 3981
votos na categoria de “Líderes e Inovadores” na eleição dos dez portugueses mais
influentes) morreu no dia do pai, 19 de março, de 2023, em Campo Maior. Deixou uma fortuna avaliada em cerca de
400 milhões de euros. Em seis décadas, a Delta, hoje liderada pelo neto, Rui
Miguel Nabeiro, espalhou-se por mais de quarenta países e emprega cerca de
quatro mil pessoas.
Mário
Soares, o construtor da democracia que foi tudo na política
Mário Soares juntou-se ainda jovem a
movimentos de oposição ao regime, tendo passado por várias estruturas, incluindo
o PCP, que combatiam o salazarismo. A oposição a Salazar valeu-lhe várias
detenções pela PIDE — no total esteve preso três anos — e até um exílio
para São Tomé, revertido na chamada
“primavera marcelista”. Que foi sol de pouca dura, já que foi forçado a
exilar-se pouco depois. É nesse entretanto que, em 1973, fundou o Partido
Socialista português na Alemanha, partido do qual é a figura maior.
Soares foi três vezes
primeiro-ministro (duas nos dois primeiros governos constitucionais e uma
terceira no chamado “Bloco Central”) e, em 1986, contra todas as
expectativas iniciais, venceu à segunda volta as Presidenciais. Em Belém funcionaria como contra-poder ao
cavaquismo. Foi reeleito em 1991 com a maior vitória até agora
registada na democracia portuguesa: 70,35% dos votos. Sempre activo na
política, foi candidato ao Parlamento Europeu em 1999, tendo vencido as
eleições, mas falhado o objectivo de presidir ao hemiciclo europeu. Em 2006, concorreu uma terceira vez à
Presidência da República, mas perdeu para Cavaco Silva e ficaria atrás do
camarada de partido Manuel Alegre.
Nos anos seguintes manteve a sua actividade
política com livros e artigos de opinião, que não deixavam de ter peso. Em 2014, por exemplo, contribuiu para o
início da queda de António José Seguro e ascensão de António Costa à liderança
do PS, quando classificou a vitória eleitoral das Europeias de 2014 de
“pírrica”.
Morreu a 7 de janeiro de 2017, sendo reconhecido como uma das figuras
maiores da democracia portuguesa e da História de Portugal. Foi a segunda figura mais votada na
categoria “Líderes e Inovadores”, com 3128 votos.
Política: Ramalho Eanes e Salgueiro Maia
António
Ramalho Eanes, o primeiro Presidente em democracia
António
Ramalho Eanes queria ser médico, mas teve de optar pela carreira
militar, onde ingressou aos 17 anos. Fez parte de uma geração de oficiais que
fez toda a Guerra Colonial e estava em Angola em serviço a 25 de Abril de 1974.
Não participou, por isso, nas operações militares que, no terreno, derrubaram o
regime de Marcello Caetano.
Ramalho
Eanes estava, no entanto, alinhado com o MFA na visão para as Forças Armadas (e
para o país) e foi chamado a Lisboa logo após a Revolução. Deram-lhe a
missão de presidir à RTP, o mais poderoso meio de informação da época. Durante o PREC alinhou com os militares
moderados no chamado “Grupo dos Nove”, liderando o contra-golpe de 25 de
Novembro de 1975. Tornou-se após esse dia Chefe do Estado-Maior do Exército. No ano
seguinte, foi eleito Presidente da República, o primeiro em democracia, batendo
o seu antigo colega de camarata em África, Otelo Saraiva de Carvalho. Em 1980,
foi reeleito em Belém, novamente à primeira volta. Antes de sair da
Presidência, resistiu a abandonar o poder e promoveu
um partido (PRD), que fez mossa ao PS nas primeiras legislativas em que foi a
votos, mas dois anos depois, já sob a liderança do próprio Ramalho Eanes,
tornou-se irrelevante.
Afastou-se depois da política activa,
mas manteve-se como um informal senador da política nacional —
posição que materializa no Conselho de Estado. A sua palavra tem peso, em particular quando fala sobre as Forças
Armadas. É visto como um referencial de ética, com vários episódios
marcantes, como o de ter recusado 1,3 milhões de euros que o Estado lhe devia
ou ter dito, no auge da pandemia, que, perante uma situação extrema, cedia o
seu ventilador caso um jovem precisasse. Mais recentemente alinhou na ideia que
o 25 de Novembro de 1975, do qual é o principal protagonista, deve ser
celebrado.
Com 4479 votos, Eanes foi o português
mais votado na categoria “Política”.
Salgueiro Maia, o capitão que
construiu Abril
© ALFREDO CUNHA
Quando Salgueiro Maia nasceu em Castelo
de Vide, em 1944, já Salazar governava o país há 12 anos. Filho de um ferroviário
e órfão de mãe desde os quatro anos, o jovem Maia entra na Academia Militar, em
Lisboa, aos 20 anos, e é colocado na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.
Não sabia então que, dez anos depois, acabaria por eternizar aquele quartel
escalabitano. Em 1968, seguiu para a Guerra Colonial em Moçambique integrado
num regimento de comandos e ascendeu à patente de capitão. E é já como capitão
Maia que, em 1971, passou para a Guiné.
Dois anos depois, em 1973, Maia
voltou para Santarém e foi nesse ano que começou a participar nas reuniões
clandestinas da Comissão Coordenadora do MFA. No desenho do 25 de Abril de 1974,
foi a ele que lhe competiu comandar as tropas de Santarém até ao Terreiro do
Paço, em Lisboa. De madrugada fez um discurso na parada do Quartel que se
tornou famoso: “Há diversas modalidades
de Estado: os Estados socialistas, os Estados corporativos e o estado a que
chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos”.
Salgueiro
Maia acabou não só por tomar o Terreiro do Paço como também acabaria por se
dirigir ao Largo do Carmo para escoltar o presidente do Conselho, Marcello
Caetano, até ao aeroporto para seguir para exílio para o Brasil. O capitão Maia
foi uma das principais figuras da Revolução que pôs fim a 48 anos de ditadura,
mas recusou sempre ser glorificado pelo momento. Depois
disso, licenciou-se, foi subindo na hierarquia militar, mas recusou cargos que
lhe dessem responsabilidade política, como o Conselho da Revolução ou ser
governador civil de Santarém.
Ainda assim, e pela sua relevância no
Portugal pós-25 de Abril, o seu nome foi incluído na secção “Política” desta
eleição, tendo conquistado 3434 votos.Morreu com apenas 47 anos, em
1991, já numa democracia estabilizada que ajudou a construir.
Economia: Champalimaud e Salvador
Caetano
António
Champalimaud, o empresário genial mas implacável
Genial para uns, implacável para outros,
António Champalimaud construiu por duas vezes o grupo, muitas vezes em conflito
com os governos e com os pares. E terá sido o único grande empresário do
Estado Novo a fugir do país antes do 25 de Abril.
Herdou negócios da família que fez
crescer, um percurso impulsionado pelo casamento com uma neta de Alfredo da
Silva. Os seus interesses, que
chegaram ao Ultramar, iam dos cimentos à siderurgia, até à banca com o Banco
Pinto e Sotto Mayor. Foi neste sector que chocou de frente com o poder, quando
quis tomar o controlo do BPA. Marcello
Caetano tentou travar a operação que daria a Champalimaud um terço do sector
financeiro, com uma lei à medida. O empresário já estava exilado para evitar as
consequências do processo da herança Sommer, no qual era acusado de se ter
apropriado de acções por abuso de confiança. Os dois casos foram resolvidos,
mas após o 25 de Abril Champalimaud viu as empresas nacionalizadas.
Recomeçou
no Brasil e, na década de 1990, chegou a acordo com o Governo de Cavaco Silva
para receber uma indemnização de dez milhões de contos (50 milhões de euros)
pelas nacionalizações, dinheiro que usou para comprar ao Estado a Mundial
Confiança e o Pinto e Sotto Mayor. Nos últimos dias de 1995 fintou o
rival José de Mello na aquisição do Totta e Açores e novamente foi feito um
despacho à medida, desta vez para ajudar o negócio, que o livrou de ter lançar
uma OPA cara sobre o resto das acções. Champalimaud ficou com o segundo maior
grupo financeiro do país liderado pelo filho mais novo, Luís — já tinha perdido
dois filhos, um deles assassinado em 1992.
Os
alegados favores que recebeu no tempo de Cavaco Silva foram alvo de uma
comissão de inquérito que não teve conclusões, porque os socialistas no poder
não quiseram afrontar Champalimaud e levá-lo a vender os negócios a
estrangeiros. O que acabou por fazer quando em 1999 fez um acordo com espanhóis
do Santander para ceder 40% do grupo. Portugal tentou travar a operação, mas
Bruxelas ameaçou com um processo. O
Santander ficou com o Totta e Açores e o resto foi dividido pelo BCP e pela
Caixa Geral de Depósitos. O negócio fez de Champalimaud o homem mais rico de
Portugal, o que não o impediu de pôr o Estado em tribunal a exigir mais
compensações pelas nacionalizações.
Foi-se o grupo, ficou o nome.
Quando morreu em 2004, aos 86 anos, legou um terço da sua fortuna à criação da
Fundação Champalimaud que hoje é uma instituição de referência na investigação
e tratamento contra o cancro.
Com 7749 votos,
António Champalimaud foi o português mais votado na categoria “Economia”.
Salvador
Caetano, o homem que, sem herança, criou o grupo agora liderado pelos herdeiros
Não é um herdeiro. É o que se pode chamar um self made man. Começou cedo a trabalhar para ajudar os pais
a garantir sustento para a casa. Conta-se que terá começado aos 11 anos.
Primeiro na construção civil, depois numa oficina de reparação de automóveis
como pintor — embora tenha assumido, mais tarde, que nem ligava muito a carros.
É verdade que a empresa foi fundada, com
dois sócios (um deles seu irmão), em 1946, ainda o Estado Novo estava enraizado.
Uns anos mais tarde, Salvador Caetano ficaria sozinho na sociedade e aí se
lançou na indústria de carroçaria. O embrião do futuro. Recebia encomendas dos
transportes públicos e fazia parcerias internacionais. O que, aliás, foi
sempre um dos “segredos” da Salvador Caetano, aliando-se a quem possuía o
conhecimento.
Juntou, mais tarde, à montagem de autocarros o comércio de
automóveis, como representante de grandes marcas e como concessionário: 1968
foi um ano decisivo ao garantir a representação da nipónica Toyota. Mas,
devido a imposições legais, os carros tinham de ser montados em Portugal,
incorporando mão-de-obra nacional. E assim nasceu a unidade de Ovar em 1971 que
já depois do 25 de Abril se converteu para a montagem de comerciais e mais
tarde para fabrico de autocarros. A
influência dos sócios japoneses e as exigências de gestão não podem ser
dissociadas da evolução da Salvador Caetano, que viria a viver períodos
conturbados depois do 25 de Abril, com ameaças de nacionalização e intervenção
sindical e até com um assalto pelas FP 25 em Vila Nova de Gaia.
Salvador Caetano resistiu. E cresceu. Entrou em outros negócios.
Esteve no arranque do BPI e do BCP. Ainda se envolveu na Soares da Costa. Mas foi saindo.
Nos automóveis passou a ter, além da representação da Toyota, a da BMW, através
da Baviera. Hoje é também sinónimo da
importação dos veículos chineses Byd, que andam a conquistar a Europa (e em
Portugal ganhou já este ano o concurso carro do ano).
A Salvador Caetano passou por três intervenções do FMI, pela
liberalização do mercado automóvel, pela globalização. Hoje
tem mais de oito mil trabalhadores, que estão em negócios como o automóvel, mas
também o ferroviário e até o aeronáutico. Salvador
Caetano morreu em 2011, com 85 anos, tendo repartido os negócios pelos três
filhos (o filho Salvador Acácio também já morreu, estando agora o seu filho,
também de nome Salvador, a liderar a Baviera). O genro José Silva Ramos, casado
com a filha Maria Angelina, lidera a componente industrial na Toyota Caetano.
Onde também já está a terceira geração. A outra filha (a mais nova), Ana Maria
distanciou-se, ficando com a Caetano Coatings, de tratamento de pintura
automóvel e fazendo outros investimentos, optando por uma carreira “a solo”.
Salvador Caetano — que conquistou 3646 votos nesta eleição— fez as
partilhas ainda em vida. Nos últimos anos, foi assistindo de fora à evolução
das suas empresas. “Nada se faz sem que eu saiba, mas não interfiro na gestão
corrente”, disse ao Público. Com fama de implacável, confessou que
gostava de ter sido actor. O seu palco foi outro. Deixou-o aos filhos e, agora,
também já é a terceira geração a avançar. Os herdeiros.
Cultura: Amália e Saramago
Amália
Rodrigues, a mulher livre que se fez maior do que o fado que transformou
EDUARDO GAGEIRO
Na vida de Amália Rodrigues há inexactidões
e contradições sobre datas e lugares — dúvidas quanto ao seu nascimento
levaram-na a escolher dois dias de Julho para celebrar o aniversário, 1 e 23. O
que é inegável: que Amália da Piedade Rodrigues nasceu em Lisboa, em
1920, em casa dos avós maternos, naturais do Fundão.
Figura
única da música portuguesa, símbolo insuperável do fado e de Portugal, teve uma
fulgurante projecção internacional, com uma pequena ajuda de Salazar, o que a
levou a, após o 25 de Abril, ser apelidada de estandarte do velho regime, ou
mesmo “princesa da PIDE”, apesar de durante a ditadura tivesse apoiado a causa
antifascista e sido vigiada pela polícia política da ditadura do Estado Novo
por suspeita de apoio aos comunistas (como revela uma investigação recente
do jornalista Miguel Carvalho, que a biografou). Certo
é que a sua voz atravessou os dois regimes, a ditadura e a democracia, enquanto
expressão maior da portugalidade.
Em Portugal, Amália foi além do fado,
desdobrando-se por vários palcos, da música aos filmes, do teatro à revista — a
estreia da fadista no teatro fez-se em 1940, no Maria Vitória, com a peça Ora
vai tu!. O estilo da incontestável diva do fado também acabaria por influenciar
os que lhes seguiram as pisadas: o uso de vestido e xailes negros, bem como
o posicionamento à frente dos guitarristas vieram a transformar-se em
verdadeiras convenções performativas do género. A vida artística foi um
território natural de afirmação, mas não o único. A grandeza artística
libertou-a de uma redoma e conferiu-lhe um estatuto de excepção e admiração
também por tudo o resto: era divorciada, viajada, emancipada, independente. Em
suma, uma mulher livre.
Quando morreu, em 1999, milhares
de portugueses saíram às ruas e foram decretados três dias de luto nacional. Em 2001, tornou-se a primeira mulher a
receber honras de Panteão Nacional. Foi escolhida por 4236
pessoas nesta eleição das dez figuras mais influentes depois do 25 de Abril.
José Saramago, o Nobel que disse o
que quis, quando quis, como quis
SYGMA VIA GETTY IMAGES
O único escritor de língua portuguesa a
quem foi atribuído o Nobel da Literatura nasceu em 16 de novembro de
1922, em Azinhaga do Ribatejo. Filho e neto de camponeses sem terra, foi aos
dois anos para a capital, levado pelo pai, que se tornara guarda da PSP. O
contexto humilde afastou-o do ensino regular. Foi serralheiro e funcionário
público, passou pelos jornais, e só na década de 1970 se dedicou à escrita,
ofício que depurou numa aprendizagem solitária e persistente. Controverso e crítico, como jornalista e
militante político (era conhecida a filiação comunista), entrevistado ou
escritor, Saramago gerou polémicas, tanto pelos seus livros, como pelas suas
declarações, que lançava para o espaço público sem temer ficar isolado no
debate.
Em 1975, era director-adjunto do Diário
de Notícias quando 24 jornalistas foram saneados. “A
revolução ou é colectiva ou não é”, diria. A revolução literária de Saramago
viria a provar-se na década seguinte, com o romance Levantado do Chão (1980), uma assumida apologia da reforma agrária. Nele liberta-se
das regras da pontuação e das maiúsculas, rejeitando o discurso directo e
confirmando a sua forma original de narrar histórias, mesclando erudição
clássica com sabedoria popular, num fluir narrativo torrencial próprio do
discurso oral. Memorial do Convento,
publicado dois anos depois, marca a consagração definitiva do autor e abre-lhe
as portas do reconhecimento internacional.
Em
1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo e vê o seu nome vetado dos
candidatos ao Prémio Literário Europeu. A decisão é do Governo então chefiado
por Cavaco Silva. O livro atacava princípios que tinham a ver “com o
património religioso dos portugueses”. Saramago exila-se na ilha espanhola de
Lanzarote, onde continuará a escrever até ao fim, concretizando fisicamente
a ideia de um homem à margem das instituições e do poder dominante. Ensaio sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997) precedem a
atribuição do Prémio Nobel da Literatura, em 1998, quando o escritor tinha 76
anos. Nas entrevistas posteriores dirá que abandonaria este mundo sem “nenhuma
esperança”, mas com a certeza de que “disse o que queria, como queria, quando
queria”. José Saramago publicou 46
livros (16 romances, além de poesia, teatro, contos, crónicas, viagem, memória
e diários). Foi autor dos
libretos de três óperas. A sua vasta obra encontra-se editada em mais de trinta
países. Percorrê-la é uma viagem que tem tanto de literatura quanto de
património histórico. Morreu em 2010, na sua casa da ilha de Lanzarote,
onde vivia com a mulher, Pilar del Río, presidente da fundação com o nome do
escritor.
Foi a escolha de 3307 eleitores
da selecção dos dez portugueses mais influentes dos últimos cinquenta anos.
Desporto: Ronaldo e Rosa Mota
Cristiano Ronaldo, o maior
futebolista de todos os tempos?
VI-IMAGES VIA GETTY IMAGES
A
imagem de Cristiano Ronaldo sentado no relvado, a chorar, naquele que era,
possivelmente, o mais importante jogo da vida do futebolista, teria ficado para
sempre associada àquele participação de Portugal no Campeonato da Europa de
Futebol de 2016. Teria, se Éder não tivesse feito o que fez. E se o Stade de
France, naquele 10 de julho, não se tivesse assim tornado o palco da maior
conquista da selecção nacional. Em vez disso, talvez nos venham mais à memória
as imagens do jogador eufórico, a coxear, a empurrar o selecionador Fernando
Santos, a dar indicações aos colegas para dentro do campo, a gritar para o
árbitro apitar para o fim da partida. Ou esta mesmo, com o capitão a segurar a
cobiçada taça.
Não
há outro como ele no futebol mundial. Nunca houve. E não se sabe se alguma vez
haverá. Com mais
jogos (197) e mais golos (145) nas competições de clubes da UEFA, com mais
golos na Liga dos Campeões (140), com mais golos pela respetiva selecção
nacional masculina (128), o primeiro a conquistar por cinco vezes o troféu
maior da UEFA, o primeiro a marcar dez hat-tricks por uma seleção. Etc, etc,
etc.
É infindável,
a lista de recordes do jogador pobre da Madeira que foi para Lisboa
sozinho, com 11 anos, para ingressar nos escalões iniciais do Sporting depois
de dar os primeiros pontapés no Andorinha (ainda passou pelo Nacional). Dos
recordes desportivos aos recordes financeiros, entre contratos de
publicidade, vencimentos com os clubes ou negócios vários no vestuário ou
imobiliário.
E,
aos 39 anos, depois do Manchester United, do Real Madrid, da Juventus e
do Al-Nassr, onde joga actualmente, é possível que os números continuem a
aumentar. O tabu sobre o clube onde CR7 terminará a carreira continua a
existir, mas é até possível que ele próprio não tenha ainda decidido. Nem o
clube, nem a época. Não se espera que venha conquistar outra Bola de Ouro
(seria a sexta), mas, tendo falhado o objectivo de se sagrar campeão do mundo
no Qatar, em 2022, o capitão Ronaldo (que conquistou 8263 votos nesta
eleição) espera voltar a levantar o troféu de campeão europeu, na Alemanha a
partir de 14 de junho.
Rosa Mota, a maratonista que continua a correr
GETTY IMAGES
O
nome actual é Super Bock Arena. O nome antigo era Pavilhão dos
Desportos. Mas o nome por que todos conhecem o complexo multidesportivo
utilizado também para concertos, comícios ou congressos nos jardins do Palácio
de Cristal continua a ser o mesmo: Pavilhão Rosa Mota.
É
assim desde 1991, numa das
formas que a cidade que a viu crescer encontrou para homenagear a atleta que
começou a carreira em 1974, no Futebol Clube da Foz, tendo depois
passado pelo FC Porto e mais tarde pelo Clube de Atletismo do Porto, onde
alcançou os maiores feitos e terminou o período profissional.
Reconhecida
nacionalmente (é grã-cruz da Ordem do Mérito, além de outras comendas das
Ordens Honoríficas portuguesas) e internacionalmente, Rosa Maria Correia dos
Santos Mota começou a dar verdadeiramente nas vistas quando chegou em primeiro
lugar à meta da maratona feminina do Campeonato Europeu de Atletismo, disputado
em Atenas.
Na
altura, o nome da atleta de 28 anos saltou logo para o lote de favoritas à
vitória da mesma prova nos Jogos Olímpicos que seriam disputados dois anos
depois – na primeira vez que a maratona feminina ganhou estatuto de modalidade
olímpica. Ainda não foi dessa, em Los Angeles (alcançou o bronze), mas acabou
por ser em 1988, em Seul, nos jogos da XXIV olimpíada, quando Rosa conquistou o
segundo ouro olímpico para Portugal – até hoje há apenas cinco, todos no
atletismo.
O
currículo é impressionante. É a única atleta do mundo que foi campeã olímpica, mundial
e europeia na maratona, além de ter também vencido a prova em
Chicago, Boston, Roterdão, Tóquio, Londres e Osaka. Figura de referência do
desporto nacional, tendo passado também pela Comissão Executiva do Comité
Olímpico de Portugal, Rosa Mota continua a correr: em outubro do ano
passado, com 65 anos, bateu, por duas vezes, o recorde de mundo da meia
maratona para atletas do seu escalão etário. Primeiro em Riga, quando
tirou mais de seis minutos à melhor marca que estava em vigor, três semanas
depois em Valência, quando reduziu em 13 segundos o seu próprio tempo.
O
nome de Rosa Mota alcançou 3675 votos nesta eleição.
COMENTÁRIOS (de 4)
NunoW Nunow: A
omissão de Cavaco Silva é incompreensível e injusta. A escolha de Saramago
também...
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