Quando conhecemos a Celeste, tínhamos
nós, respectivamente, 4 e 3 anos, a minha irmã e eu, fôramos de Lourenço
Marques, na licença graciosa do meu pai, interrompida com a guerra, e
impondo-nos uma estadia em Pinheiro de Lafões por mais seis anos, longe do
nosso pai, que voltara para o seu trabalho em África. Dos muitos primos que viríamos
a ter, só existiam, então, para além de duas primas nascidas em Moçambique, que
mal conhecíamos, três filhos do nosso tio Manuel, irmão da minha mãe, (ambos com
mais sete irmãos ainda - três também dispersos por Moçambique, a tia Clara
casada no Brasil, e só três permanecendo no Carregal, junto da mãe – a Madrinha
do Carregal, já viúva). A Celeste, o Almiro e a Graciete eram então os únicos filhos
do tio Manuel, a Amarílis vindo ainda a nascer durante a nossa estadia em
Pinheiro. Tinha doze anos, a Celeste, na altura em que a conhecemos, viveu
algum tempo connosco, em Pinheiro de Lafões, a frequentar a escola, por
proposta do meu pai, que fez sentir ao nosso tio a necessidade de a Celeste
frequentar a escola, que não havia no Carregal, nem por perto.
Mas Salazar providenciara mais escolas e
em breve a de Reigoso, perto do Carregal, levara-nos a nossa prima que viveu
connosco algum tempo, para frequentar a nossa escola de Pinheiro e cantar o
hino nacional, em frente à bandeira içada na sacada da escola de Pinheiro, de
braço estendido e bem alinhados os alunos, o que se fixaria ad aeternum na minha memória. Outras lembranças
da Celeste centram-se na cama de casal, onde dormíamos, as três primas, a
Celeste no meio, a minha mãe numa cama mais baixa e pequena, suponho que do meu
lado, pois que o fixei. Assim como fixei as histórias ensonadas da Celeste, que
eu insistia para que contasse, como a da “Branca-Flor!”
“– Minha mãe durma e descanse!” - da resposta da filha.
A Celeste casou – por procuração,
primeiro, em casamento formal depois - com o Camilo, que o nosso pai
posteriormente chamou para África, através de uma carta de chamada então
imposta, o casal viveu algum tempo em nossa casa e era com eles que todos os
domingos fazíamos piqueniques, quer na praia de Polana, quer em Marracuene ou na
Namaacha, o Camilo único possuidor de carro disponível. Também fazíamos coros
de vozes várias, nas caminhadas nocturnas pela estrada da Malanga, nas noites
em que a minha mãe flitava a casa toda, por conta dos mosquitos, que a ela
sobretudo atacavam. E eram lindos esses coros, de vozes várias, creio que a da
minha mãe a superiorizar-se no descante, (que manteve, de resto, quase até ao
fim da sua vida, quando cantava na missa, o padre pondo a mão na orelha para
escutar melhor o fio de voz que conseguia impor-se).
A vida se encarregaria de nos
distanciar, eles na Beira, nós em Lourenço Marques, e por outros sítios,
incluindo os que nos trouxe o 25 de Abril, de retorno - nós à beira Tejo, eles,
à beira-Vouga ou outros ribeirinhos mais próximos.
Mas a Celeste ficou no meu pensamento, ficou
a doçura da sua voz amiga, de uma mulher que, não tendo filhos, viria a ser mãe
de muitos deles, amiga inseparável da sua irmã Lilita e dos filhos desta e dos
muitos sobrinhos que igualmente a amaram.
Hoje morreu, a Celeste. Tristemente
cega. Para ela, a minha recordação – diária - com as lágrimas da minha pena. Mas
com o sentimento do alívio, enfim!
COMENTÁRIOS:
AJS
comentou em “Um Requiem com muito amor"
Há 10 horas
Que belas lembranças Mãe! Também tenho imensas! Obrigado
Celeste pelas gargalhadas, pelo carinho e pela porta sempre aberta para os
primos de Lisboa! Belos verões nessa casa de Pinheiro, regada pela frescura da
fonte de águas límpidas e saborosas! Onde o caminho para o Vouga era sempre a
descer e onde o lanche era preparado para que o dia fosse mais comprido nas
margens da pequena barragem... Descansa em paz junto ao Sr. Camilo e à tua
Carlinha - Imagino que já estejas com a avó Pureza a cantar hinos de alegria!!!
Por AmaisB
comentou em "Um Requiem com muito amor"
Há 7 horas
Obrigada,
Artur, também recordo esses momentos, que foram imensos, por cá.
2 comentários:
Que belas lembranças Mãe! Também tenho imensas! Obrigado Celeste pelas gargalhadas, pelo carinho e pela porta sempre aberta para os primos de Lisboa! Belos verões nessa casa de Pinheiro, regada pela frescura da fonte de águas límpidas e saborosas! Onde o caminho para o Vouga era sempre a descer e onde o lanche era preparado para que o dia fosse mais comprido nas margens da pequena barragem... Descansa em paz junto ao Sr. Camilo e à tua Carlinha - Imagino que já estejas com a avó Pureza a cantar hinos de alegria!!!
Obrigada, Artur, também recordo esses momentos, que foram imensos, por cá.
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