Com arte e manha… esclarecedoras, aparentemente não críticas, de isenta
informação e rigor historiográfico. Como sempre.
De Lisboa a Bruxelas, 25 de Abril sempre
Hoje, os saudosistas não são já os
nostálgicos do antigo regime, são os que, meio século depois, suspiram pelos
“bons velhos tempos” do PREC.
JAIME NOGUEIRA
PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 20
abr. 2024, 00:1829
Aqueles que vimos no 25 de Abril, não
o fim de um regime com o qual não nos identificávamos, mas o fim de um Portugal
que tinha as grandezas e as servidões de ser o primeiro e último império
europeu, temos agora pouco que comemorar. Mas também não vamos estragar a
festa: o passado está passado e a nostalgia é uma sereia enganadora e perigosa
que pode cegar-nos e paralisar-nos para o presente e impedir-nos de enfrentar o
futuro.
“25 de Abril sempre”
De resto, há agora uma novidade que
tende a passar despercebida: é que
hoje os saudosistas não são já os nostálgicos do antigo regime, nem até do
antigo Portugal do Minho a Timor, são antes os que, de lágrima ao canto do
olho, punho erguido e cravo ao peito, saem à rua numa viagem sentimental até ao
golpe militar de há meio século e aos “bons velhos tempos” do festivo processo
revolucionário que se lhe seguiu. Quem agora tende a perder-se num
“oh tempo volta para trás” feito de velhas palavras de ordem, antigas canções
de protesto e novos saneamentos e cancelamentos, são os que, denegrindo
irrealisticamente o país que era e floreando delirantemente a revolução e a
exemplar descolonização que lhe puseram fim, se abstraem do país que temos e do
presente que aqui está.
Porque
se o Portugal nação multinacional e pluricontinental se transformou numa utopia
nostálgica, arquivada nos mapas que sobrepunham o então “império português” à
carta da Europa, também o Portugal comunista que alguns quiseram impor pela
força acabou dezoito meses depois de Abril, no dia 25 de Novembro de 1975. Essa é,
goste-se ou não, a data fundacional da democracia pluralista em Portugal. Há até quem a transfira para a
Constituição de 1976, ou ainda para Setembro de 1982, com o fim do Conselho da
Revolução e do poder de controlo dos restos do MFA sobre os representantes do
povo.
“Fascismo nunca mais”
Qualquer
história independente do Estado Novo estabelecerá que, não sendo o regime um
regime fascista, não havia partidos políticos, não havia liberdade de
expressão, as eleições eram manipuladas pelo poder e os comunistas activos
podiam ir para a cadeia. Dirá também que o facto de Estado Novo ser
um autoritarismo e não um regime democrático facilitava a promoção de políticas
de Estado – obras
públicas, infraestruturas, industrialização. Isto porque, contrariando a
narrativa generalizada, os historiadores económicos têm vindo a provar que as duas últimas décadas do Estado Novo foram
as de maior convergência de Portugal com os países desenvolvidos da Europa;
ou que, no Estado Novo, o analfabetismo foi drasticamente reduzido em relação à
Primeira República, com as “escolas
primárias” a fazerem a quadrícula do país (e a retirarem às campanhas de
alfabetização de Abril a glória da inauguração da educação pública em Portugal).
De qualquer forma, se o apoio ao
regime até aos anos cinquenta tinha vindo sobretudo da experiência democrática
da Primeira República (quase 50 governos em 16 anos, com o Partido Democrático
a ganhar sempre as eleições), a memória dessa “balbúrdia sanguinolenta” foi-se
esvaindo e as novas gerações começaram a
mostrar-se desejosas das liberdades políticas europeias. As eleições de 1958 foram prova disso.
O regime caiu também porque era exótico
no meio das democracias da Europa e só sobrevivia – como sobreviveu depois de
61, com o princípio da Guerra de África – porque encontrava sentimentos
patrióticos ainda muito fortes entre o povo e as classes médias em relação ao
então Ultramar. É claro que o desaparecimento de Salazar seria
também decisivo, já que o Estado Novo tinha sido por ele criado em 1933, a
partir da Ditadura Militar de 1926. Os regimes políticos são moldados pelos
dirigentes e, por vezes, há
incompatibilidade entre a personalidade do dirigente e o modelo do regime.
Foi
o que se viu na União Soviética, com a chegada ao poder de Gorbachev. Para
governar a URSS era preciso ser brutal e não ter limites éticos e Gorbachev
mostrou-se incapaz dessa brutalidade. E quando retirou o medo, fez cair um
regime que, desde Lenine, Estaline e os seus sucessores, vivia do medo.
Com o Estado Novo deu-se
um fenómeno paralelo. Salazar era um
homem de decisões, que podia demorar a decidir, mas que, uma vez tomada a
decisão, a defendia com grande inflexibilidade; Marcelo Caetano, sendo um homem íntegro e um académico inteligente,
era um Hamlet num regime que precisava de decisão. A
guerra de África, uma guerra de tipo colonial feita com o contingente geral,
acabou por criar problemas no Corpo
de Oficiais. E quando
se procuraram soluções – com a criação do Quadro Especial de Oficiais – houve um ressentimento corporativo entre aqueles
que se sentiram atingidos nos seus direitos de antiguidade.
Mas uma revolta de capitães só é possível numas Forças Armadas de
que os generais tenham perdido o controlo – ou por falta de prestígio, ou por
divisão ideológica –, e quando o espírito do tempo está maduro para a revolta e
há um grupo organizado politicamente e determinado a aproveitar a janela de
oportunidade. Assim, veio o 25 de Abril, na sequência do 16 de Março. E com o
golpe de Estado começou a revolução.
O
regime de Marcelo
Caetano, na
altura, também falava muito do “perigo da extrema-direita”; um alerta que soa sempre que “a situação” sente o
seu domínio ameaçado e que a Esquerda quer tomar o poder.
Por cá, nas eleições de 10 de Março,
houve uma resposta popular interessante: 50 deputados da perigosa
“extrema-direita” nos 50 anos da revolução.
Mas nada que ensombre a festa,
porque a extrema-esquerda, por reduzida que seja e esteja, continua a “cumprir
Abril” em versão pós-moderna, fazendo aprovar leis disruptivas e impondo linhas
vermelhas ao Centrão. Centrão que continua a dominar, vai para 48 anos.
Amplas liberdades democráticas em
Bruxelas
Onde também se teme o “perigo da
extrema-direita” é em Bruxelas. E
foi precisamente para evitar que a “extrema-direita” perturbasse a ordem
pública que a Conferência Nacional do Conservadorismo (NatCon)
foi sendo consecutivamente cancelada, por prevenção.
E
como perturbaria a ordem pública uma conferência que reunia um
primeiro-ministro de um país da União Europeia, um ex-primeiro ministro e uma
ex-ministra do Reino Unido, um candidato à presidência de França, vários
deputados e intelectuais europeus, 600 pessoas ordeiras? Perturbando
os activistas “antifas” que, perturbados com a eventualidade do Congresso,
ameaçavam perturbar a ordem pública, manifestando-se na rua, junto ao local do
iliberal evento. A polícia teria, evidentemente, de os proteger dos iliberais
congressistas, impedindo que o Congresso se realizasse.
Foi precisamente por isso que Emir Kir, o autarca do distrito de
Saint-Josse da capital belga, proibiu a reunião, não sem acrescentar que, fosse
como fosse, a “extrema-direita” não era bem-vinda na sua cidade.
Depois de pressionar os directores dos
hotéis que, imprudentemente, tinham concordado em acolher o Congresso, forçando
à sua mudança de local por duas vezes, na terceira escolha, o temerário Hotel
Claridge, a polícia teve mesmo de intervir: havia que evitar a todo o custo a
emissão de “discurso de ódio” dos congressistas dentro de portas e que proteger
a hipersensibilidade à ideia alheia das duas dúzias de democratas que, cá fora,
exerciam a sua liberdade de expressão.
As intervenções dos
primeiros-ministros da Itália, do Reino Unido e da própria Bélgica, exigindo
que se repusesse a legalidade, puseram fim ao censório episódio, a lembrar o
nosso saudoso PREC e a esclarecer-nos quanto ao verdadeiro paradeiro da
“democracia iliberal” – então e agora.
A SEXTA
COLUNA HISTÓRIA CULTURA EXTREMISMO SOCIEDADE 25 DE ABRIL PAÍS
COMENTÁRIOS (DE 29)
Fernando CE: Nem mais. Ainda me lembro de, em 1977, ser difícil
defender a economia social de mercado, na cadeira de Direito Económico, na
Faculdade de Direito de Lisboa. E ser-se de centro direita ser quase proibitivo
em muitas ocasiões. João
Floriano: Excelente
construção da crónica: desde os antecedentes do 25 de Abril até à realização da
conferência da NatCon em Bruxelas. Excelente igualmente a chamada de atenção
para os saudosistas do PREC e de tudo o que aconteceu nesses 19 meses entre o
25 de Abril e o 25 de Novembro: os saneamentos, as perseguições, as ocupações
de terras, de casas, os novos presos políticos, as ameaças de encher o Campo
Pequeno, os mandatos de captura em branco mas com assinaturas. Os curiosos
resultados de 10 de março e a probabilidade de se virem a repetir e até
acentuar a 9 de junho, transformou a extrema esquerda numa perigosa fera ferida. Rui
Lima: Se o antigo
regime impunha limitações a todos os que não concordassem e havia perseguições
, hoje também o actual sistema persegue os não alinhados: o objectivo é o mesmo,
condenando-os nos tribunais ou na sua vida social. Para mim os limites à liberdade de expressão deveriam
ser o apelo à violência e à difamação os argumentos são trocados no
debate público , o sistema de censura que hoje estamos a enfrentar é um
retrocesso nas nossas liberdades. Hoje
esse condenado como um pária basta associar-nos à "extrema
direita", "racismo", "transfobia" ou outros termos
semelhantes a nossa condenação à morte social acontece , somos banidos . Temos hoje um complexo jurídico-político que impede
a liberdade, temos de anular as leis sobre comentários " odiosos”. O que
é um comentário odioso ? Informar sobre criminalidade, dando informação detalhada,
é crime de ódio hoje. A censura
existiu no tempo de Salazar para proteger o povo de actividades contrárias ao
seu interesse e do regime , então voltamos ao mesmo com o objectivo e proteger o
povo dos maus o sistema decide o que se pode dizer . Carlos
Chaves: Pode demorar
tempo (aliás como está a demorar), mas os equívocos desfazem-se! Obrigado Jaime
Nogueira Pinto – “E com o golpe de Estado começou a revolução.” Maria Nunes: Brilhante artigo. Viva o 25 de Novembro! Lily Lx: Muito bem posto. Gostei de ler. Henrique Nobre: Caro Jaime Nogueira Pinto, Na mouche! Cumprimentos. vitor Manuel: Mais uma extraordinária lição de J.N.P., que nos torna
mais aptos para os tempos difíceis que por aí estão a chegar. O que este
genial personagem poderia fazer no governo de Portugal ... MCMCA A > Pedra Nussapato: Na sua óptica somente se justifica a queda do regime
por ser fascista e não por ser opressivo! O 25 de Abril foi preparado essencialmente
por redes de oficiais comunistas e Mário Soares teve bem consciência disso no
seu cripto comunista discurso a 1 de Maio de 1974, elaborado numa tentativa de
atrair o povo que estava a ser manipulado pelo PCP. Algo que sempre me intrigou
foi a criação do PS na Alemanha em Dezembro de 1973 que para mim soa a
preparação para o 25A. Nada é por acaso nos golpes militares e o que
interessava era África, particularmente Angola, e não foi também por acaso que
tudo serenou a 25 de Novembro após a independência de Angola. Não existem
tantas coincidências sem um propósito! Vitor Prata: Felizmente, ainda há quem não receie a censura
canhestra. Excelente artigo. Américo
Silva: O PREC
continua e alargado, a legitimidade da senhora von Leyen lembra Stalin, Khrushchov
e outros. Pedra
Nussapato: O 25 de
Novembro foi muito importante para conter a deriva de extrema esquerda após o
25 de Abril mas, muito provavelmente, os que fizeram o 25 de Novembro não
teriam derrubado o antigo regime. Daí eu gostar das duas datas; para mim
representam o mesmo, fazem parte do caminho trilhado para se chegar a um regime
democrático.
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