Para o espectáculo desprezível, como se
previa. Por falta de ética, de respeito pela nação. O segundo dia foi ainda pior,
em reivindicações, acusações, vozearia ululante… Não, não haverá hipótese de o
governo governar. Não, não há vergonha, nem hombridade. Lembro a imagem dos
sete cães a um osso, que existia na República dos Galifões, em Coimbra: somos o
país do osso cobiçado, ainda que parco e putrefacto, pois hienas também não
faltam, para o banquete. Banquetes, é connosco, apesar da parcimónia produtiva.
Com muita ululação, provocação, trepidação. Não, conserto não há. Apenas concerto
na gritaria do bota-abaixo. A falta de ética está comprovada. Definitivamente sem
educação, definitivamente uma nação transformada em vazadoiro de despejos.
Dois dias de debate do Programa do Governo em versão
de bolso
Montenegro sai
do primeiro confronto parlamentar com ideia do que terá pelo caminho. Um PS e
um Chega a medir espaços, parceiros insuficientes, a esquerda sem ceder e um PR
a pressionar.
Texto de INÊS ANDRÉ FIGUEIREDO, MARIANA
LIMA CUNHA e RITA TAVARES, fotografia de DIOGO VENTURA
OBSERVADOR, 12 abr. 2024, 17:353
Foram onze horas de debate com um desfecho anunciado — a oposição chumbou
as moções de rejeição da esquerda, permitindo ao Executivo que comece a
governar — mas nem por isso menos crispadas. O debate sobre o Programa do Governo expôs a complexidade da actual
configuração parlamentar, onde a AD é insuficiente para ter uma maioria
confortável e, à sua direita, o Chega centra o discurso essencialmente em
ameaças sobre o tempo que levará até deitar o Governo abaixo. E Luís
Montenegro também não parece ter respaldo seguro no lado socialista.
E a exigência de “diálogo” vem de todos os lados, principalmente do
Presidente da República que acabou por não ficar de fora deste debate, já que
apareceu em público durante a discussão para pôr essa mesma palavra no centro do
actual tabuleiro político.
Houve duas
fotografias finais neste debate, com a
direita (maioritária) toda de pé junta a rejeitar moções do PCP e BE, e a
esquerda a levantar-se em nome das mesmas. No meio ficou o PS, que apenas se levantou na abstenção, sem querer
comprometer-se mas a não querer também ficar com o rótulo de força de bloqueio.
Certo é que, por agora, Luís Montenegro saiu com o Programa inteiro e o
Governo em plenitude de funções.
O
resultado
Não é que
nesta legislatura não haja sempre uma margem considerável para surpresas, mas
desta vez o resultado era relativamente fácil de adivinhar, uma vez que ainda
os partidos estavam em campanha e já Pedro Nuno Santos garantia que
viabilizaria um governo minoritário da Aliança Democrática. Fá-lo-ia, assegurou
sempre, não por qualquer simpatia em relação ao programa do PSD, mas por não
querer criar qualquer “impasse constitucional”. Por isso, era sabido desde o
princípio que a moção de rejeição que o PCP anunciou apenas dois dias depois
das eleições, assim como a moção que o Bloco de Esquerda também decidiu
entretanto apresentar, funcionariam mais como sinais políticos do que como um
instrumento com hipóteses reais de fazer o Governo cair. A minutos da votação,
André Ventura confirmou finalmente que também não se juntaria à esquerda para
rejeitar o Programa do Governo, recusando ser “irresponsabilidade”. Assim, as
moções de rejeição foram chumbadas e o Executivo está em condições de governar.
A parte difícil começa agora.
DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
A duração
O debate sobre o
programa do novo Governo durou um total de onze horas, embora o essencial da
dinâmica política que vai marcar os próximos meses tenha ficado claro na
primeira manhã. Foi nesse período, na quinta-feira, que Luís Montenegro
disparou anúncios de medidas e pressão sobre o PS e que tanto o PS como o Chega
tentaram descolar-se do PSD. Seguiu-se uma tarde de longa discussão, seguida do
encerramento do debate, na manhã desta sexta-feira – durante o qual os partidos
afirmaram as suas posições quanto às moções de rejeição que estavam em cima da
mesa – e, no final, as votações que confirmaram que o Governo pode entrar em
funções com o seu programa.
Os anúncios
O tempo é curto
e imprevisível, pelo que o Governo sabe que tem de mostrar serviço quanto
antes. Por isso mesmo, Luís Montenegro lançou-se ao primeiro discurso no
Parlamento reconhecendo que não há tempo a perder e disparando as primeiras
medidas que o Executivo irá pôr em prática, assim como o seu preenchido
calendário de negociações para os primeiros dias e meses. Só no primeiro
discurso, prometeu aprovar já na próxima semana, em Conselho de Ministros, a redução
de IRS para os primeiros oito escalões; aumentar a taxa de execução dos fundos
europeus e reforçar o combate à corrupção nesse plano; começar a negociar com
as forças de segurança já esta sexta-feira e com os professores na próxima
semana; discutir um novo acordo para rendimentos e produtividade na concertação
social; falar com os partidos sobre medidas anticorrupção, marcando esses
encontros já esta sexta-feira; revogar medidas do anterior Governo para a
Habitação; e “criar condições” para que Portugal receba as tranches que faltam,
associadas ao PRR. O relógio está a contar.
DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
Contra-medidas
A maioria relativa da AD vai forçar entendimentos e a
oposição que mostra disponibilidade para isso aproveitou este debate para
avançar medidas próprias. Uma forma de pressão, de quem já antevê mesas
negociais, que foi clara na Iniciativa Liberal, por exemplo, ao anunciar no
debate que enviará uma carta à ministra da Saúde com um conjunto de medidas
para esta área. Também no primeiro dia de debate, Rui Rocha já tinha
apresentado a Montenegro “a Maria”, uma figura que inventou para pedir
diferenciações no IMT. Mas também quer um maior alívio fiscal, medidas para
reter alentos, aumentar o salário médio, aliviar os maiores de 35 anos com
benefícios fiscais, fazer uma reforma estrutural na Saúde (trazendo de volta
parcerias público-privadas) e uma descida “substancial imediata” no IRC.
Igualmente em
posição negocial – bem mais recuada, mas também mais decisiva – o PS aproveitou estes dois dias para
deixar as suas contra-medidas. Foi pela voz do próprio líder Pedro Nuno
Santos que, na intervenção final no debate, propôs cinco medidas concretas
que desafia a AD a aprovar. A
primeira é a redução do IVA da elecricidade para a taxa reduzida, depois a
exclusão de rendimentos dos filhos como condição para o acesso ao Complemento
Solidário para Idosos, a eliminação de portagens nas ex-Scut (A28, A13, A13-1,
A23, A25, A4, A24 e A22), aumentar a despesa dedutível com arrendamento até aos
800 euros e, por último, alargar o alojamento estudantil pago aos bolseiros
para todos os estudantes deslocados cujo rendimento familiar vá até ao 6º
escalão de IRS. Mas Pedro Nuno Santos também já tinha escrito a Montenegro a
pedir negociações sobre a valorização de várias carreiras da função pública –
algumas o Governo já calendarizou, mas sem falar com o PS.
DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
O
outsider
Não estava
sequer na plateia, mas estava público – como tem sido anormalmente raro nos
últimos tempos – e por isso falou. Enquanto o debate seguia no Parlamento, o Presidente da República considerava o
Programa do novo Governo “diferente” dos que lhe chegaram as mãos vindos do PS
nos últimos anos. “É muito diferente em aspectos fundamentais: a fiscalidade, a economia,
matérias sociais e outras”, detalhou quando foi questionado sobre os
jornalistas. Mas o que Marcelo acabou por
vincar foi que o Programa inclui “medidas urgentes e há uma
premência de medidas urgentes”.
Ao mesmo tempo,
Marcelo tem uma espécie de desejo nada ocultado. Vê no Programa não só uma linha “mais imediata” de “medidas
urgentes, mas também “um mais geral e abstracto para quatro anos”. Mas chegar a essa meta é difícil num Parlamento tão fragmentado, por
isso Marcelo avisa já que a cartilha de medidas aprazadas para os próximos
meses faz com que “o debate, o diálogo tenha de existir”. Ou isso ou ficará na história
como um dos presidentes que, até aqui, mais dissolveu em democracia.
Indeciso
I
O parceiro que a AD mais
pressiona com uma atitude “responsável” – que é como quem diz ‘que não
precipite eleições’ – é mesmo o PS. Luís Montenegro
entrou mesmo no debate a dizer que ao não viabilizar moções de rejeição, o PS vai
“permitir a execução do Programa até
ao final do mandato ou, no limite, até a aprovação de uma moção de censura”.
Uma interpretação abusiva, avisou logo Pedro Nuno Santos que esteve até ao
final dos dois dias a fazer declarações para explicar que não é nada disso – e
a dada altura até desafiou Montenegro a avançar com uma moção de confiança
avisando que, nessa situação, votaria contra. O PS “não quis criar um impasse constitucional que impedisse que,
logo a seguir às eleições, o país tivesse um governo em plenas funções”.
Mas logo de seguida acrescentou que isto “não pode ser lido como um apoio ao
Programa do Governo” e que é o PSD que tem de “garantir condições de governação
estável”. Pelo meio vai vincando tudo o que separa PS e PSD, dizendo que não
são “medidas avulsas” que vão fazer desaparecer esta distância.
Pedro Nuno Santos parece apostado em não deixar colado
ao PS o rótulo de força de “bloqueio”, mas também não quer compromissos mais
profundos do que para avançar em algumas medidas. Mais do que estar na
oposição, o socialista quer ser visto como “alternativa”, se tudo falhar à AD.
Indeciso
II
Montenegro
parece empenhado em levar até às últimas consequências o “não é não”, Ventura
não desiste de o contrariar e, depois de o tema do Governo estar arrumado,
investe nos desafios ao primeiro-ministro em nome daquilo que diz ser o
“prometido” aos portugueses e de uma união das direitas. Do rectificativo aos
polícias e professores, Ventura dedicou-se a pedir a Montenegro que acelere
propostas às quais o Chega já disse que daria luz verde — resta perceber se a
promessa se estende ou não se estas mudanças só chegarem no Orçamento do
Estado. Luís Montenegro vai-se tentando desviar das
balas apontadas por PS e Chega — mais ou menos intencionadas em atirar para o
futuro os posicionamentos sobre o próximo Orçamento do Estado — e apesar de, desde a tomada de posse, ter colocado mais peso aos ombros
do PS, Montenegro alimenta a ideia de que “aos portugueses não interessa se
é Chega ou PS, interessa é ver o seu problema resolvido”.
Inimigos
Deste lado, não
há dúvidas: o
PCP nem esperou que houvesse programa de Governo para anunciar que iria
rejeitá-lo, o Bloco passou semanas a sugerir que faria o mesmo e acabou
inclusivamente a apresentar uma moção de rejeição própria. Deste lado do
hemiciclo, há total oposição, como se esperaria, ao novo governo da Aliança
Democrática e atiram-se acusações sobre este ser um Executivo que governa para
a “elite económica” ou que quer criar “ricos, mas não riqueza”. Nas declarações finais de voto, PCP e BE
congratularam-se por terem contribuído para “clarificar” as posições dos
partidos: os que apoiam claramente o Governo, os que não o fazem e os que, por
agora, ficam a meio caminho, fazendo “voz grossa” mas sendo “permissivos” com o
novo Executivo. A clarificação está feita
e a esquerda terá agora um difícil caminho para fazer, numa altura em que está
reduzida a mínimos no Parlamento mas apostada em mostrar que existe
“alternativa”.
DIOGO VENTURA/OBSERVADORSeguir
Parceiros
São os parceiros
mais definidos, ainda assim um mais claro do que o outro, não tivesse sido o
CDS um parceiro eleitoral. Ainda assim, a Iniciativa Liberal entrou no
debate a ver um Programa “melhor” do que aqueles que o PS apresentou nos
últimos anos, embora também tenha dito que fique “aquém do necessário”. Da bancada do Governo ouviu o conforto de ser um dos preferidos para
acordos, até pela voz do ministro das Finanças que a dada altura, no seu tempo
na dianteira do debate, disse à IL que “ainda vai concordar muitas vezes”. No
final dos dois dias. Mariana Leitão disse ver no Programa da AD “um conjunto de
ideias que defendemos e registamos que fizeram o seu caminho e são agora uma
preocupação efectiva”, dando como exemplos a redução substancial
da carga fiscal e não um “alívio tímido”.
Já do CDS, o alinhamento é total. Paulo Núncio,
líder parlamentar da bancada de dois deputados, elogiou um Programa do Governo
“de mudança, com ambição e de futuro”, já que reflecte essa mudança na vontade
dos portugueses em resposta aos “inúmeros falhanços” do PS. As intervenções iam
sendo entrecortadas com palmas também da bancada do PSD e do Governo ouviu
Montenegro dizer que identificou o CDS como “parceiro para a mudança política
que foi definida nas urnas”.
DIOGO VENTURA/OBSERVADOR GOVERNO POLÍTICA PARLAMENTO
COMENTÁRIOS:
Maria Melo: A AR mais parece um campo de
batalha . Ronin: Já eu gosto de ler estas frases
de grande imaginação do tipo: "o Chega centra o discurso essencialmente em
ameaças sobre o tempo que levará até deitar o Governo abaixo", ora já o
PS, PCP, BE e Livre querem e apoiam o governo não é Srªs jornalistas? São precisas
3 para escrever uma artigo tão imaginativo? Joaquim
Rodrigues: Gostei de ver hoje, no debate parlamentar, o grande entusiasmo do
"Chega" na defesa e pedido de aprofundamento da "Autonomia
Regional" dos Açores e da Madeira. Surpreendeu-me positivamente a veia
"autonomista" do Chega.
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