Há muitos.
Vilezas também, agregadas a poderio, na roda gigantesca do tempo e do mundo.
▲Vyacheslav
Molotov (à direita), ministro soviético dos Negócios
Estrangeiros, e Joachim von Ribbentrop (à
esquerda), o homólogo alemão, na assinatura
do pacto de não-agressão, com Estaline ao centro, em Moscovo, a 23 de agosto
de 1939 CORBIS VIA GETTY IMAGES
O erro de Estaline que moldou o desfecho
da guerra e o futuro da Europa
Como o pacto entre a União Soviética
e a Alemanha Nazi teve consequências monumentais — este é um excerto do livro
"Decisões Fatais", do historiador Ian Kershaw, do qual
fazemos a pré-publicação.
TEXTO
OBSERVADOR, 28 abr. 2024, 19:385
Foi originalmente publicado em 2007,
mas surge agora numa edição portuguesa, com carimbo da D. Quixote. Trata-se de “Decisões
Fatais”, livro de Ian
Kershaw (historiador, professor e escritor britânico
que estás prestes a cumprir 81 anos, um dos nomes fundamentais da
historiografia do século XX) que tem no subtítulo a explicação sumária e necessária
para que entendamos ao que vem: “Dez decisões que mudaram o mundo
1940-1941”.
Estamos em plena
II Guerra Mundial. Na Europa, a Alemanha Nazi e forças associadas ameaçam tomar conta de
todo o continente, através da eficácia de uma guerra relâmpago aparentemente
imparável (à parte a resistência britânica). No Pacífico, o Japão segue uma política bélica que
ainda está por revelar todas as intenções e capacidades. Entre estes dois anos, 1940 e 41, definem-se
os rumos e as estratégias, as vitórias e as derrotas futuras, tudo com base —
crê o autor — em, dez decisões fundamentais.
É uma destas
dez decisões que aqui recordamos neste excerto do capítulo VI: Estaline
decide confiar em Hitler. Os ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e
da União Soviética assinam um pacto de não agressão em 1939. Mas quais as
razões? E quais as consequências, manifestadas daí a muito pouco tempo? O livro chega às livrarias a
30 de maio.
▲A capa de
"Decisões Fatais: Dez Decisões que Mudaram o Mundo 1940-1941", de Ian
Kershaw, na edição portuguesa da D. Quixote (o livro é publicado a 30 de abril)
A escala da catástrofe não tinha precedente histórico. E ela seguira-se
ao que ainda hoje se destaca como um dos mais extraordinários erros de cálculo
de todos os tempos. Estaline tirara repetidamente conclusões erradas sobre as
intenções alemãs, e fê-lo até à própria véspera da invasão. As tentativas de
satisfazer as exigências económicas alemãs persistiram até ao fim. Os alertas
vindos de todos os lados foram ignorados. Os que tentavam avançar argumentos em
contrário eram tratados com desprezo. Estaline insistia: sabia como Hitler
pensava. O ditador alemão atacaria; mas não já. A grande prioridade de Hitler,
assegurava ele, era a exploração económica da URSS. A
insistência no apaziguamento económico assentava neste desastroso mal-entendido.
Com assuntos por resolver a ocidente, a prioridade inicial de Hitler
seria a submissão soviética, e não a guerra total. Isto
seria benéfico para a problemática economia alemã, e colocaria mais pressão a
ocidente. Entretanto, o rearmamento soviético continuaria a
um ritmo furioso. Se houvesse negociações de paz, a União Soviética teria de
participar, e em posição de força. Mesmo
enquanto os sinais de perigo aumentavam, Estaline continuou
confiante em que conseguiria adiar o conflito para além da primavera e do verão
de 1941; nessa altura, seria tarde demais para uma invasão. E
em 1942, a União Soviética estaria pronta para Hitler. Era esta, mais ou menos,
a linha de raciocínio de Estaline. A convicção de
que tinha razão, e de que todas as advertências em contrário eram desinformação
ou leituras desgraçadamente erróneas da situação, tornou-se cada vez mais
firme. A combinação de medo, subserviência e admiração que caracterizava a
autocracia do ditador soviético traduzia-se em que dificilmente se
poderia propor alternativas sérias, e muito menos adoptá-las. Mas que
alternativas poderiam ter sido essas? Que opções havia para evitar a
calamidade?
Molotov, que
foi o braço-direito de Estaline o tempo todo, defendeu insistentemente que
todos os erros cometidos eram inevitáveis. Khrushchev, ao contrário, criticou os erros de
cálculo e de liderança de Estaline no seu ataque ao ditador falecido, em 1956,
atribuindo-os a acções arbitrárias de um só homem que acumulara poder absoluto.
Esta forte personalização da responsabilidade era muito conveniente para
ilibar aqueles que – sem exclusão do próprio Khrushchev – tinham aplaudido
Estaline e apoiado as suas políticas. Também servia para passar uma esponja
sobre muitas das chefias militares – cujas insuficiências não podem, porém, ser
atribuídas inteiramente a Estaline. Estudos mais recentes vêm
confirmando esta asserção. Ainda assim, o veredicto condenatório de Khrushchev continua
a merecer grande acolhimento. Raramente
se analisa que opções realistas tinha Estaline perante si. E, no entanto, uma
autoridade proeminente, que submeteu os factos a um escrutínio meticuloso,
concluiu que “o falhanço de Estaline na preparação para a ofensiva alemã reflecte
em primeira instância as opções políticas pouco apetecíveis que a União
Soviética defrontava antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial”, e
acrescentando que “mesmo em retrospectiva, é difícil vislumbrar alternativas
que poderia Estaline ter explorado com segurança”.
O que parece evidente é que,
quaisquer que fossem as opções que Estaline pudesse ter tido, elas reduziram-se
acentuadamente com o tempo. As decisões iniciais, e o raciocínio que a elas
presidia, tinham-se traduzido necessariamente em que na véspera da invasão
alemã o seu espaço de manobra se tivesse reduzido grandemente. Mas alguns anos
antes disso, Estaline tivera as mãos relativamente livres. E foi
então que cometeu um erro catastrófico que limitou as opções futuras.
Em 1939, com a guerra a
espreitar a Europa, Estaline via-se perante uma segunda e altamente indesejável
opção. Deveria aliar-se com as democracias ocidentais, em relação às quais nutria
profunda desconfiança, ou com a Alemanha nazi, o arqui-inimigo ideológico? Isto
viria a transformar-se, na realidade, numa decisão fatal.
Sem qualquer pressão externa, instigou, em 1937, e como
vimos antes, a destruição das chefias
do Exército, com consequências incomensuravelmente prejudiciais para a
reconstrução de uma força militar profissionalizada capaz de opor-se ao perigo
rapidamente crescente da Alemanha de Hitler. Para além dos fantasmas
nas mentes de Estaline e seus acólitos, as purgas carecem de qualquer
justificação racional. Eram absolutamente desnecessárias. Estaline não
estava obrigado a realizar as purgas; foi ele que escolheu essa opção. Mas elas não causaram apenas danos
incalculáveis à futura construção do poderio militar soviético; também
instilaram em Hitler e nos seus conselheiros a ideia indelével da fraqueza do
Exército Vermelho. Para Hitler, essa própria fraqueza era um convite
a atacar antes que pudesse ser reconstruída uma poderosa máquina militar. Aos
olhos de Hitler, portanto, as purgas de Estaline abriram uma oportunidade.
Achava que Estaline devia estar louco. Já em 1937 comentara que “A Rússia não
conhece nada senão o bolchevismo. É esse o perigo que havemos de ter de
derrubar em algum momento”. Ao
escolher destruir as chefias do seu Exército, Estaline removeu o que poderia
ter sido a mais importante espinha dorsal de poderio em data posterior, quando
a crise eclodiu. Em 1940 e 1941 foi feito um esforço enorme num
programa apressado de rearmamento e militarização, mas já se perdera demasiado
terreno, e o programa não podia ser concluído antes de a ameaça alemã se tornar
assoberbante. O facto de Estaline ter deixado a si próprio um espaço militar de
manobra demasiado estreito é atribuível em larga medida, portanto, à escolha que
fez em 1937-8 de minar a sua própria capacidade militar. E isto na exacta
altura em que a Europa era abalada pela incorporação alemã da Áustria e de
grande parte da Checoslováquia, com a cumplicidade das pusilânimes democracias
ocidentais.
Em 1939, com a guerra a espreitar a Europa, Estaline via-se perante
uma segunda e altamente indesejável opção. Deveria aliar-se com as democracias
ocidentais, em relação às quais nutria profunda desconfiança, ou com a Alemanha
nazi, o arqui-inimigo ideológico? Isto viria
a transformar-se, na realidade, numa decisão fatal. Já analisámos o raciocínio plausível que
levou Estaline, em agosto de 1939, a optar por um pacto com Hitler. Grã-Bretanha
e França tinham demonstrado pouca apetência para uma aliança com a União
Soviética. Estaline e
outros líderes soviéticos consideravam que as motivações ocidentais eram pouco
menos cínicas do que as de Hitler. Ao menos o pacto com a Alemanha
proporcionaria algum espaço para respirar. E salvaguardava a perspectiva de a
Alemanha e as potências ocidentais se guerrearem até um impasse, para benefício
último da União Soviética.
▲Em 1939, com
a guerra a espreitar a Europa, Estaline via-se perante uma segunda e altamente
indesejável opção UNIVERSAL IMAGES GROUP VIA GETTY
Que consequências teriam resultado da
improvável junção de forças com o Ocidente só pode ser matéria de especulação
contra factual. A ofensiva
de Hitler contra a Polónia teria sido mais arriscada nessa eventualidade. E as
altas esferas na Alemanha, receosas das consequências do envolvimento numa
guerra europeia generalizada contra inimigos poderosos, ver-se-iam fortalecidas.
Hitler adiou a mobilização contra a Polónia uma vez, à última hora, e
poderia ter sido ainda dissuadido caso se visse perante uma tripla aliança de
URSS e potências ocidentais, uma reedição da aliança antigermânica de 1914.
Mas também poderia ter
avançado de qualquer forma e invadido a Polónia. Em tais circunstâncias, a
União Soviética também se teria abstido muito provavelmente de entrar em
conflito directo, mas teria visto nessa Alemanha de após a vitória na Polónia
não um aliado, mas um inimigo às portas do país. Talvez então a ofensiva
alemã contra a União Soviética tivesse ocorrido mais cedo do que realmente
aconteceu. Por outro lado, a grande ofensiva ocidental de Hitler na primavera
de 1940 (que abalou seriamente os cálculos de Estaline) teria sido bem mais
arriscada com uma União Soviética hostil posicionada a leste. Quem sabe qual
teria sido o resultado? Mas o jogo de adivinhação é fútil. As variáveis da
equação são simplesmente demasiadas para que a especulação possa ser frutífera.
O que parece, de facto, evidente, porém, é que Estaline estava
demasiado cego pelos seus preconceitos ideológicos para permitir que a União Soviética
desempenhasse mais do que um papel passivo nas conversações com o Ocidente no
verão de 1939. Dava-se seguramente o
caso de Grã-Bretanha e França pouco fazerem durante esses meses para viabilizarem
a “grande aliança” que poderia ter sido a derradeira esperança de travar Hitler. Pouco
interesse tinham em juntar forças com a União Soviética, que detestavam e de
que suspeitavam. As negociações realizadas enquanto a guerra se aproximava
foram previsivelmente morosas. Mas a União Soviética também estava
encerrada na passividade. Uma diplomacia mais urgente e determinada da parte de
Estaline poderia realisticamente ter aberto caminho, apesar das hesitações
britânicas e francesas, para uma nova tripla aliança com o Ocidente. No mínimo,
teria dado a Hitler e às elites de poder alemãs motivo para pensar. No
entanto, Estaline contentou-se em deixar as negociações com as democracias
ocidentais arrastar-se enquanto as
nuvens de guerra se acastelavam ameaçadoramente. O resultado foi que essa inacção de parte dos soviéticos, e não
apenas de parte dos ocidentais, acabou por empurrar a decisão para aquilo que
fazia mais sentido em termos da segurança da URSS nesse momento: o pacto com
a Alemanha de Hitler.
Estaline
viu nesse pacto um grande golpe diplomático soviético. Mas, na prática, ele
funcionava mais em benefício da Alemanha do que da União Soviética. É
verdade que a URSS pôde alargar as suas fronteiras defensivas para oeste
mediante ganhos territoriais. E a eliminação da ameaça imediata da Alemanha
conseguia tempo para reconstruir o Exército Vermelho e preparar as defesas.
Obviamente, porém, o tempo foi insuficiente. A reconstrução foi lacunar e
inadequada. E também os alemães ganharam tempo para se aprontarem, não apenas
militarmente, mas também em termos de peso diplomático. Durante o ano de 1940, depois de a
vitória alemã sobre a França ter alterado completamente o equilíbrio de poder
na Europa, Hitler pôde exercer influência sempre crescente sobre os países da
bacia do Danúbio. O domínio alemão na Roménia, em particular, e as
vãs tentativas de Estaline e Molotov para evitar que os Balcãs, a Norte, e a
Finlândia caíssem na órbita alemã, levaram a esse acréscimo de tensões tão
visíveis aquando da visita de Molotov a Berlim em novembro de 1940. A aventura
de Mussolini nos Balcãs tinha,
entretanto, agravado ainda mais a desestabilização da região. E na primavera
seguinte, a intervenção alemã na Jugoslávia e na Grécia afastou a derradeira
esperança de influência soviética no Sudeste da Europa (além de ter contribuído
para ocultar a “Operação
Barbarossa”, pois
deixara de fazer grande sentido para Estaline que Hitler atacasse a leste nesse
mesmo ano, imediatamente depois das suas conquistas nos Balcãs). A União
Soviética ficava agora completamente isolada. A Turquia, portal
de acesso ao mar Negro, mantinha-se neutral, embora numa posição relativamente
favorável à Grã-Bretanha. A oeste, por
outro lado, a URSS estava mais ou menos cercada por países sob influência
alemã. O pacto tinha proporcionado à União Soviética vantagens de curto prazo,
mas enquanto ele vigorou, a ameaça alemã aumentara grandemente. Que
Estaline tenha feito a melhor escolha em 1939 pode, portanto, ser justamente
questionado.
Entre agosto de 1939 e junho de 1941, a política de Estaline
consistiu, como vimos, em rearmar-se consistentemente e a toda a velocidade, do
mesmo passo que apaziguava tanto quanto possível a Alemanha. Não era tão
ingénuo que acreditasse que o conflito com a Alemanha fosse evitável. Tinha lido
e meditado sobre as passagens de Mein Kampf que defendiam a conquista de
“espaço vital” a leste. Mas julgava que poderia adiar o confronto até 1942, e
acreditava que conseguia “ler” as intenções de Hitler: submeter politicamente a
União Soviética até chegar a um entendimento com a Grã-Bretanha, e só depois
virar a agressão para leste. Estaline julgava que Hitler agiria com a mesma
racionalidade fria e brutal de que ele próprio seria capaz. Na certeza de que
Hitler emitiria um ultimato antes de qualquer ofensiva (um logro alemão que
Estaline engoliu), sentia-se confiante em que conseguiria ganhar tempo.
Entretanto, era preciso evitar a menor provocação. Isto era duplamente
importante, do ponto de vista de Estaline, já que a União Soviética continuava
perante uma outra ameaça, ainda que menor – a do Japão, no lado oriental. Mas
isso tornou-o excessivamente prudente. Haveria alguma alternativa a esta
política?
▲Estaline
julgava que Hitler agiria com a mesma racionalidade fria e brutal de que ele
próprio seria capaz e estava certo de que Hitler emitiria um ultimato antes de
qualquer ofensiva GETTY IMAGES
A política de Estaline de evitar a
guerra a todo o custo foi for temente criticada, muitos anos mais tarde, pelo
marechal Alexandre Mikhailovich Vasilevsky, vice-chefe da administração
operacional do Estado-Maior-General em 1941, e de 1942 a 1945 chefe do
Estado-Maior-General e comissário-adjunto para a Defesa. Vasilevsky defendeu
que:
Estaline não vislumbrou o limite para
além do qual essa linha se tornava, não só desnecessária, como perigosa. Esse limite
deveria ter sido corretamente identificado, e as forças armadas conduzidas a
prontidão de combate com a máxima velocidade possível, a mobilização acelerada,
e todo o país convertido num campo de batalha. Enquanto procurava adiar o
conflito armado, deveria ter sido empreendido e completado mais cedo todo o
trabalho clandestino possível. Havia indícios mais do que suficientes de que a
Alemanha planeava uma ofensiva militar contra o nosso país (…) Tínhamos
chegado, devido a circunstâncias fora do nosso controlo, ao Rubicão da guerra,
e era necessária a determinação de dar um passo em frente.
O rearmamento e a militarização estavam,
na realidade e como vimos, em curso e a um ritmo frenético durante 1940 e 1941.
Mas Vasilevsky era perentório em que deveria ter sido feito mais: mobilização
precoce e total das forças armadas para prontidão de combate. O corolário desta
afirmação é que a política de não-provocação ter-se-ia tornado altamente
perigosa, e que a mobilização total deveria ter sido feita nessa altura. Era
necessário aceitar o risco de a ofensiva alemã surgir mais cedo, mas teria
valido a pena correr tal risco. Como os conselheiros de Estaline bem sabiam, o
momento mais precoce em que os alemães poderiam ter invadido era, afinal,
aquele em que invadiram, a primavera de 1941. O pior que a “provocação” poderia
ter conseguido era, por outras palavras, exatamente o que aconteceu de qualquer
forma (e apesar de Estaline ter querido evitar aquilo que durante muito tempo
pensou ser, não necessariamente guerra total, mas uma iniciativa limitada dos
alemães visando a conquista de territórios fronteiriços e maior dependência
económica).
A responsabilidade dos erros cabe a
um sistema de governação altamente personalizado. "Estaline era a maior
autoridade para todos nós, e nunca ocorreu a ninguém questionar a sua opinião e
avaliação da situação", comentaria Zhukov mais tarde.
Sabiam, além disso, que no
verão de 1940 os líderes japoneses tinham optado pelo avanço para sul. Uma ofensiva japonesa vinda de oriente
era, portanto, uma hipótese praticamente posta de parte. Em vez de
permitir que os alemães se reforçassem sem contestação ao longo de tantos
meses, é, portanto, provável que uma exibição dissuasora tivesse sido
bem-sucedida no adiamento da ofensiva para além dos preciosos meses do verão de
1941. Acresce que a proclamação de poderio soviético teria contrariado a imagem
de debilidade do Exército Vermelho prevalecente na liderança alemã. Ao
invés, Estaline, petrificado com a ideia de proporcionar o menor pretexto,
permitiu frequentes voos de reconhecimento, que fotografaram em pormenor as
instalações militares e o posicionamento das tropas soviéticas, indícios que
“confirmavam a impressão de que a Wehrmacht irromperia através das fileiras do
Exército Vermelho”. Estaline encontrava-se, sem dúvida, numa posição nada
invejável. Mas a escolha da não-provocação em relação à
dissuasão foi outra decisão fatal.
Em junho de 1941, já as opções se tinham reduzido drasticamente. Zhukov reconheceria mais tarde que tinha
sido correcta a rejeição por Estaline do plano de 15 de maio de 1941 de uma
ofensiva preventiva. Seguir esse plano seria arriscar um desastre ainda pior.
Naquelas circunstâncias, as defesas fronteiriças estavam demasiado dispersas,
as divisões mal destacadas, e as fortificações inacabadas. Para agravar o problema, o planeamento militar de 1940 e 1941
previra que a principal frente de ataque alemã viesse do Sul da Polónia, pelo
sul dos pântanos de Pripiat. E era aí que estava concentrado
o grosso das forças soviéticas em junho de 1941. Mas, inteiramente ao
contrário do que o comando do Exército Vermelho previra, o ímpeto esmagador
alemão, quando chegou, veio pela área central da frente, a norte dos pântanos
de Pripiat, na direção de Minsk, Smolensk e Moscovo. Colectivamente, e depois
com a concordância de Estaline, as chefias militares soviéticas optaram
desastrosamente pela opção errada.
▲Os tanques
russos movimentação para a frente da batalha contra o exército nazi, em junho
de 1941
Em última análise, a responsabilidade
dos erros cabe a um sistema de governação altamente personalizado. “Estaline era a maior autoridade para
todos nós, e nunca ocorreu a ninguém questionar a sua opinião e avaliação da
situação”, comentaria Zhukov mais
tarde. Num clima de medo e bajulação, onde as
fobias paranoicas, o sentimento de infalibilidade, os limitados conhecimentos
militares e a imprevisibilidade implacável de um único indivíduo se haviam
tornado elementos estruturais do sistema soviético, não podia haver emenda para
as preferências de Estaline. A
reverência era endémica a todos os níveis. O Politburo era seguidista. Os
militares não eram, em geral, muito diferentes, e quem quer que colocasse
reservas era repreendido e submetido.
A recusa do ditador soviético de
aceder às reivindicações das chefias militares, ainda uma semana antes da
invasão, de que fossem colocadas tropas em prontidão em melhores posições
defensivas é sintomática de um sistema de
que a racionalidade fora excluída.
As obscenidades desesperadas proferidas dias antes da invasão são
fáceis de compreender. Reflectiam
o sentimento de que a liderança soviética, colectivamente, e ele, pessoalmente,
tinham feito um erro de cálculo calamitoso. Feitas as contas, e
independentemente de todos os equívocos e ilusões pessoais, as suas opções
poderiam ser resumidas a uma escolha simples: deveria fazer
tudo o que fosse imaginável para preparar a União Soviética para uma guerra com
a Alemanha (possibilidade objectivamente impossível de afastar), ou persistir
na crença (e nos riscos correspondentes) de que o conflito podia ser adiado até
1942? Ou, colocando a questão de outra forma, preferia Estaline trabalhar
na base de um cenário de “melhor-caso
ou pior-caso”. A resposta é óbvia. Era, realmente, uma decisão fatal. E,
no entanto, o caminho para essa decisão tinha sido tudo menos a direito. Mesmo
a esta distância, é impossível ter uma certeza sobre qual teria sido a viragem
mais proveitosa nas encruzilhadas decisivas. O que podemos ver
claramente é que as decisões que Estaline tomou convidavam ao desastre. Já a
espantosa recuperação desse desastre é outra história diferente.
LIVROS LITERATURA CULTURA HISTÓRIA II GUERRA
MUNDIAL
COMENTÁRIOS (de 5):
José Ramos > Manuel Gonçalves: Não é preciso ser "admirador de Ventura",
basta ser interessado por História. Neste caso, como se trata de erros de
Stalin, poder-se-ia dizer que seria moldado para "admiradores de
Raimundo". Em boa verdade, comparar Ventura e Raimundo com Hitler e Stalin
só pode advir de mentes um bocado perturbadas. João
Eduardo Gata: Comunismo =
Fascismo e Estalinismo = Nazismo. Tudo a mesma perversidade, violência,
criminalidade, ilegalidade, repressão.
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