quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Paul

O exemplo da fábula abaixo,
Do poeta La Fontaine,
Aplica-se perfeitamente,
Acho,
Ao Jardim da nossa Madeira,
Ou vice-versa
À Madeira do nosso Jardim,
Este, da Raposa afim,
Em subtileza e matreirice,
Com sua cauda protectora
Contra qualquer varejeira,
Que o sangue lhe cobice
O que é grande vigarice.
Quanto ao Ouriço dos picos,
Que se propõe ajudar
Os meneios ricos
Do Jardim sem escrúpulos,
Esse é qualquer um,
Cem mil, nenhum,
Dos bons samaritanos
Que os há sempre, nestes casos.

«A Raposa, as Moscas e o Ouriço»
«No rasto do seu sangue, dos bosques hóspede antigo,
Raposa esperta, subtil e manhosa,
Por caçadores ferida, e caída na lama
Pegajosa,
Atraiu outrora o parasita alado
Que por nós foi Mosca chamado,
O qual logo a foi sugar
Sem se fazer rogar,
E lhe chamou um figo.
Ela acusava os Deuses, e achava indecoroso
Que a Sorte a tal ponto a quisesse afligir,
E a fizesse de pasto às Moscas servir.
“O quê! Lançar-se sobre mim, o mais hábil,
O mais asqueroso,
De todos os hóspedes da floresta mesta!
Desde quando as raposas são um tão bom repasto?
E de que me serve a cauda? Será um peso inútil?

Ou fútil?
Vamos, que o Céu te confunda, importuno animal!
Porque não te lanças tu sobre o trivial?”
Um Ouriço da vizinhança,
Nos meus versos personagem inédita,
Quis libertá-la da malvadez
De um povo tão cheio de avidez:
“Eu vou com os meus dardos enfiá-las às centenas,
Vizinha Raposa, e acabar com as tuas penas”.
“Livra-te, respondeu esta, amigo, de o fazer:
Deixa-as, suplico-te, acabar de comer.
Estes animais estão bêbados: um novo batalhão
Sobre mim se abateria, mais áspero e comilão.”

Demasiados comilões topamos cá na Terra:
Uns são cortesãos, outros magistrados.
Aristóteles aos homens este apólogo explicaria
Sem fantasia:
Os exemplos são vulgares,
Sobretudo num país como o nosso.
Quanto mais cheios os homens estão,
Menos importunos são.»

É ou não verdade, sim,
Que o alegre Jardim
Anda mordido actualmente
Pelas Moscas impertinentes,
Absorventes,
Que o querem sugar avidamente
Zelosas dos bons costumes?
Ó Numes!
Pois não são também assim
Como o Jardim
As Moscas castigadoras,
Sugadoras,
Mistificadoras,
Com rabos-de-palha
Por onde calha?
E os Ouriços prestimosos
Querendo ajudar,
E apenas ajudando
A chafurdar,
A levantar mais poeira,
Rosnando, lembrando,
Qual curral de Augias a necessitar
De uma força hercúlea para o limpar…
Mas não há maneira.
Que quanto mais se chafurda na lama
Mais mal ela cheira,
Segundo a fama.
E segundo o fabulista francês,
Na sua moral de artista,
- De fadista, se for português -
É melhor ignorar,
Deixar assentar,
Para assim impedir
Que os grandes comilões
Renovem os stocks das suas provisões.

Mas só para rir.

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