quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Trocos para a Troika

É La Fontaine que nos vem contar,
Nada contente,
A fábula do Veado doente
A quem acudiram os veados salvadores,
Grandes impostores,
Mais para o depenar
Do que para o defender.
Isso é coisa tão comum
Que até se passa entre nós,
Dantes, orgulhosamente sós,
Que, porque estamos moribundos,
Agora humildemente acompanhados,
Pedimos auxílio aos doutores
De outros mundos
Mais competentes e preocupados,
Aparentemente,
Que nos acudiram
Decentemente,
Mas exigiram
Paga avultada,
Antecipada,
Dos pastos magros
Da pátria amada.

«O Veado doente»
«Numa terra cheia de veados, um Veado caiu doente.
Imediatamente
Muitos camaradas, para o verem,
E o socorrerem
Ou, sequer, consolarem,
Ao seu catre acorreram
Que se desunharam:
Multidão importuna!
“Eh! Senhores, deixai-me morrer.
Permiti que seja a Parca a despachar-me
Da forma que lhe é costumeira;
E acabai com a choradeira.”
De forma alguma: os consoladores
Este triste dever desempenharam,
Só quando Deus quis, o abandonaram:
Não sem que primeiro
Um copo bebessem, por inteiro.
Isto é, sem que deixassem de reconhecer,
Pelo trabalho que estavam a ter,
O seu direito a uma boa festança.
Todos se puseram a rapar os ramos da vizinhança.
A ração do Veado enormemente decaiu.
Ele não encontrou nada mais para roer
Dali em diante:
De um mal que teve, num pior caiu,
E se viu
Reduzido, finalmente,
A jejuar e a morrer
De fome acutilante.
Fica muito caro a quem por vós chama,
Ó médicos do corpo e da alma!
Ó tempos! Ó costumes!
Por mais que me farte de contra isso bradar,
Todos se fazem ostensivamente pagar.»

La Fontaine já bradava,
Prova de que se preocupava
Com o que no seu tempo acontecia.
Mas afinal,
Nada vem a ser diferente
Neste nosso Portugal
De hoje em dia:
É ou não verdade
Que a ocasião que vivemos
De tanta aleivosia,
Se assemelha bastante
À do veado doente
A quem os veados salvadores

- Os impostores! -
Se apressaram a cobrar
Para mais depressa o matar?
Nem é preciso esclarecer!
Afinal os nossos pastos

Não passam de trocos
Para uma Troika exigente,
Que não permite a estes lorpas
Um recomeço decente.
É pior do que antigamente,

No tempo do La Fontaine!

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