segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Máscaras na Internet


Foi Arthur Rimbaud um caso notável de precocidade literária, pela criação, entre os dezasseis e os dezanove anos, de uma poesia alucinante, feita de intransigência, de ruptura com a tradição poética, de exploração de novos ritmos, de utilização hábil de palavras e referências culturais, uma poesia mágica de egocentrismo e vidência, com transfigurações da realidade, e em prodigioso desregramento dos sentidos.
Impossível não descobrir, nos poemas estilizados e egocêntricos de Mário de Sá Carneiro, a influência literária deste mágico revolucionário, não ver em Fernando Pessoa, assumindo, qual Proteu, metamorfoses que resultaram nas diversas máscaras da sua heteronimia, tantas das violências e transfigurações alucinantes da natureza, nos versos do extraordinário e efémero poeta rebelde do século XIX francês.
De natureza profundamente intelectual e maquiavelicamente hábil em transmutações, Fernando Pessoa chegou ao ponto de criar enredos biográficos para os seus heterónimos mais conhecidos, como se se reconhecesse capacidades mediúnicas ou poderes transcendentais de “emissário de um rei desconhecido” cumprindo “informes instruções d’ além”. Todavia, bastas são as influências que sofreu, nas suas viagens literárias, que não excluem clássicos e modernos, o “Fausto” incluído, na descrição dos mundos e das figuras que na roda dos tempos se fundem, Nietzsche e os poetas futuristas, os surrealistas, e simultaneamente a consciência da multiplicidade de eus em cada pessoa, segundo fórmula consabida de Pirandello - “uno, nessuno, centomila” - o que nos leva a pensar que tais experiências psicológicas mais não são do que a resultante de capacidades, realmente transcendentais, de inventar e aplicar toda a gama cultural em que se desdobra, nas mais diversas formas prosódicas e lexicais.
Hoje em dia, há, todavia, mais possibilidades de utilizar este e outros processos de sofismar a realidade, através, entre outros meios, da Internet. Mas, enquanto Pessoa assume as suas diversas personalidades, e nos enriquece a nós com a ostentação de uma multiplicidade de discursos segundo a figura em que se assumiu, com mais ou menos sinceridade, os bloggers inteligentes que contactam com incautos desconhecidos podem perfeitamente jogar jogos de escondidas, em propósito pouco honesto de troçar do pateta que caiu na esparrela, assumindo várias personalidades e pondo-as a dialogar entre si e com o pateta, numa prova de criatividade perfeitamente admirável, conquanto, evidentemente, pouco honesta e mesmo hipócrita, quais tartufos esfregando as mãos de contentes, enquanto exprimem voluptuoso arrependimento. Rendo-lhes homenagem.

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