sexta-feira, 22 de julho de 2011

“O saber não ocupa lugar”. Ditado antigo para uma Escola Nova

Do blogue “A Bem da Nação” de Henrique Salles da Fonseca extraio o texto seguinte que, pela sua actualidade, e pelo desejo de tornar minhas as palavras escritas pelo seu jovem autor – Henrique Raposo – aliado ao forte interesse por que as famílias portuguesas comecem, de facto, a ponderar mais na importância do seu papel como principais obreiras da sua nação, pela imposição aos seus descendentes de regras de conduta e defesa de valores que garantam a estabilidade dessa nação, transcrevo, embora, também, no seguimento de um pensamento pessimista, parafraseando Camões, e tal como ele na sua “Babel e Sião”, eu me veja “a mim que espalho / tristes palavras ao vento”.


“Nuno Crato: “O problema das famílias começa … em casa”
«Nos últimos anos, quando a conversa chegava à educação eu tinha sempre a mesma resposta: "o meu ministro da educação é Nuno Crato". Razão? O livro que está aqui à direita, que é uma espécie de sistematização das ideias certeiras de Crato para a educação. Que ideias são essas? De forma clara, Crato defende uma revolução pedagógica e cultural, criticando - sem piedade - o eduquês reinante. Crato quer exigência, e não facilitismo. No fundo, Crato acaba por defender que os desejos do aluno não devem ser o centro da escola. O centro da escola deve ser, isso sim, o conhecimento transmitido pelo professor. Porque a escola não é um recreio, não é um passatempo, e os professores não são babysitters.
Porque os adolescentes não vão ser sempre adolescentes. Porque é preciso preparar esses jovens para a vida adulta, para a cidadania e para o mundo do trabalho.
Portanto, mais do que o - esperado - trabalho técnico de reorganização das escolas e demais blá blá burocrático do ministério, espera-se de Nuno Crato uma mudança cultural de fundo. E esta mudança cultural começa em casa, com os pais.
É por isso que digo que este livro devia ser lido pelos pais antes de ser lido pelos professores. Em Portugal, o problema da escola não se resolve enquanto os pais não forem exigentes com os filhos. Tal como defende Crato, "O que precisamos é de perceber que a autoridade dos pais deve ser exercida não criticando os professores por serem exigentes, mas ajudando os professores a serem exigentes. É raríssimo um pai entrar numa escola por o aluno ter boas notas. Em contrapartida, aparecem muito frequentemente pais a queixar-se das fracas notas dos filhos, sem estarem preocupados com saber se eles de facto sabem ou não sabem o correspondente às notas".
Este é o grande problema da nossa escola. Mas, apesar de ser da escola, este problema começa em casa. Se uma criança é ensinada no facilitismo pelos próprios pais, como é que um estranho - o professor - pode pedir exigência à dita criança? É impossível. Tudo o resto (avaliação dos professores, as direcções regionais, os exames nacionais, etc.) está situado a jusante desta questão central: os pais portugueses querem ser pais exigentes ou amiguinhos complacentes dos filhos? Se conseguir impor esta discussão cultural à sociedade portuguesa, o consulado de Nuno Crato ficará na história da 5 de Outubro.»


Para o texto de Henrique Raposo enviei o comentário seguinte, como apoio aos ditames nele inclusos:

«Em nós, o conceito de liberdade contra a opressão da chamada ditadura, conduziu a todos os excessos libertários, que o Maio de 68 em França ajudara a despoletar, dentro de um conceito de democracia igualitária que em nós, povo pouco esclarecido, assumiu foros de idiotia, pela ofuscação que a palavra liberdade lhe impôs, sem bom senso nem bom gosto. Nada a fazer. Os pais de então que se deixaram ofuscar, por conveniência ou a tal idiotia, foram os educadores de novas gerações... talvez já se esteja em 3ª geração. As políticas educacionais ajudaram à festa, atingindo o seu auge no Governo anterior, com o convite despudorado ao desrespeito pelo professor, de governantes, de pais e de alunos, desde o 25 de Abril, de resto, insinuando-se gradativamente num ensino que começou por desrespeitar o saber. Gostaria que fosse efectiva a proposta da acção da família como principal motor de arranque de um ensino que respeitasse o saber acima de outros considerandos infantilizadores e por isso atrofiadores da nossa juventude. Só um governo forte poderia exercer algum efeito sobre esse status... se a família educada na indisciplina dos últimos anos, o aceitasse, sem as reacções sindicais habituais.»


Muitas vezes, em breves escritos de apelo à sensatez, eu escrevera textos que denunciavam o panorama vivido no nosso ensino pós-revolucionário, muitos dos quais contidos no livro “Anuário. Memórias Soltas”. É dele que transcrevo o texto seguinte, de 1982, em apoio ao tema sobre a necessidade premente da mudança:

“Estratégias de ensino: Não à coisificação do aluno?”
«Todo o ensino, por muito liberal que pretenda ser, centrado no professor, no método ou no aluno, ao encaminhar este num sentido de descoberta, de abertura para o saber, seja qual for o método usado, sejam quais forem as estratégias empregues, tenta modelá-lo, servindo-se dele como objecto, que uma varinha mágica transformará com maior ou menor eficácia.
Qualquer estratégia de ensino exige técnicas de repetição, memorização e outras, necessárias no ensino da matemática como do francês ou da história. Pretender negá-lo é falsear a realidade, para melhor nos inscrevermos no rol dos pedagogos actualizados – na realidade indiferentes à formação dos nossos alunos. E uma das grandes deficiências do nosso ensino foi, creio, o ter-se minimizado, ao nível do ensino básico, a aquisição de automatismos, a pretexto de que eles não só despersonalizam como alienam a criança em atitudes rígidas de psitacismo, de verbalismo reprodutor de chavões, sem originalidade nem espírito crítico.
A verdade é que o desenvolvimento da inteligência passa pelo desenvolvimento da memória, a que a criança recorrerá – como o adulto, afinal – sempre que necessite de esclarecer melhor os seus raciocínios.
As modernas pedagogias, assentes como pilares sobre o mundo da afectividade da criança, privilegiam o que nela há de subjectivo, de espontâneo, de criativo, procurando o lúdico como estratégia constante, sem objectivo nem grandeza, por não terem em conta a sua capacidade intelectual, esquecidas de que os estudos posteriores exigirão um tipo de participação mais racional e mais sério, a que elas não foram habituadas à partida.
Aliás, é extremamente grave o fosso existente entre os programas bastante sobrecarregados que provêm do Ministério e os resultados obtidos, de um insucesso cada vez mais acentuado, entre outros motivos porque, no fundo, pretendemos aplicar a adolescentes princípios pedagógicos feitos para a criança em idade pré-escolar, continuando a pôr a tónica na afectividade e na participação activa da criança, por meio de estratégias tantas vezes rebuscadas, quando uma clarificação a nível racional abre muito mais caminhos à inteligência da criança que, de posse de conhecimentos de gradual exigência conceptual, poderá desabrochar em produção e criatividade, menos espontâneas e mais conscientes.
Penso que, ao desejarmos que as crianças desenvolvam a sua criatividade, tirando do nada ou das nossas manipulações as suas produções mais ou menos originais, escamoteamos o papel formativo da escola, que não deve só valorizar a diversão, o ensinar brincando, mas deve ensinar o aluno a respeitar aquilo que aprende, que outros construíram ou desenvolveram e que, como ser racional que é, deve procurar obter também.
De toda a maneira, como já disse, quer se ensine brincando, quer explicitando noções, quer o aluno aprenda de forma passiva (e sabemos quanta passividade intelectual se esconde sob a camada de pseudo-actividade ruidosa e desorientada da juventude actual), quer o faça de forma activa, julgo que o objectivo do ensino é sempre o mesmo – o de conduzir o aluno para uma meta de desenvolvimento pessoal, ainda quando se siga o não-directivismo e a autonomização que, no fundo, pré-existe em todos os métodos, em prazos de maior ou menor extensão.
Dessa forma, o aluno será sempre matéria moldável – sem que o ensino traduza necessariamente uma “coisificação” da pessoa manipulada. Que ele é, pelo menos à partida, se não quisermos transformar a escola num festival de anarquia, desrespeito e insegurança.
A sua autonomia reforçar-se-á com o desenvolvimento da sua capacidade de resposta, da sua capacidade e espírito crítico, que um ensino não demagógico, de um dirigismo racional e sensato, ajudará a concretizar.
Lançando um olhar sobre o meu passado de estudante num ensino tradicional, devo confessar honestamente que nunca me senti objecto ou “coisa”, mas sujeito participante, e sinto reconhecimento pelos professores que, com maior ou menor capacidade docente, com maior ou menor abertura de comunicação, todos me ajudaram a abrir os meus interesses espirituais, que as leituras naturalmente contribuiriam para alargar.
Por esse motivo, creio que pomos demasiado em causa, um tanto sofisticadamente por ser moda, o nosso papel de pedagogos, o que também contribui para criar instabilidade no ensino.»


Li o texto acima numa reunião de orientação de estágios para formadores, nesse ano de 1982, e recordo a imediata reacção de uma das colegas assistentes, que vomitou impropérios sobre os professores que tão negativamente a marcaram nos seus tempos de estudante, a nenhum reconhecendo competência, a todos acusando de autoritarismo e dirigismo, narcisismo, desumanidade. É pecha antiga. Não vamos mudar.

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