segunda-feira, 25 de julho de 2011

Desiludido com a bomba

A minha amiga só falava na beleza do rapaz:
- Já viu? O rapaz é um príncipe. Ouvi um colega dele a dizer que era uma pessoa calma e educada. Ninguém imaginaria tal monstruosidade.
Entretanto, outra amiga nossa concordava com a beleza do príncipe.
Eu lembrei ferozmente os princípios da pureza racial ariana, como estando na origem de um atentado deste género, comparei a atitude do belo rapaz norueguês às de Hitler e seus compères, matando por esse mundo além, a título de preservação da raça (entre outros títulos de motivação para os milhões de mortes perpetradas), e desejei-lhe uma morte a fogo lento.
A outra nossa amiga falou no nosso português também bonito e mais jovem, Renato Seabra, a sofrer horrores na horrorosa prisão americana, por ter livrado o solo terráqueo de um ser imundo, (Carlos Castro, de sua graça) enquanto o príncipe norueguês será tratado provavelmente com comedimento, durante os anunciados 21 anos, pena máxima pela sua prática terrorista, talvez até amortizáveis, defendido democraticamente, com o pretexto de ter sido um acto tresloucado. Embora longamente planeado. Já há mesmo quem lhe chame tendência psicopática, para melhor o desculpabilizar.
A minha amiga lembrou que se tratava de um “lobo com pele de cordeiro”, um indivíduo não conflituoso, que não se deu a conhecer a ninguém, inteligente, bom aluno… E acrescentou suspirando:
- Deve estar desiludido com a sua bomba, que só matou sete pessoas…
- Mas isso foi em Oslo. Na ilha, foram largas dezenas.
- Mas tantos anos a tratar da bomba, dois anos a escrever sobre os seus propósitos, e tanta tonelada de produto químico perdida!
Mas ouvíramos nessa manhã anunciar que Portugal estava entre os países que ele se propunha atacar, ocupando o 17º lugar na sua lista, e que Durão Barroso também era seu alvo. Contava matar uns largos milhares, mesmo no nosso país de sol, que nos torna morenos, à maneira islâmica, além de que aceitamos muitos outros morenos que não são conformes à ideologia defendida pelos da pureza e daí os projectos de extermínio. Falámos nos produtos bioquímicos, muito eficazes no envio de cartas, exemplificámos com o antraz e a minha amiga, que decididamente vai muito atrás do Belo, concluiu, pesarosa e fascinada:
- O que ele é, é muito infeliz.
Eu, então, falei num livro que acabei de ler - “Com os Holandeses” de J. Rentes de Carvalho – muito bem escrito, sobre um povo extraordinário de capacidade técnica e racional, mas pintado com cores sombrias, por quem por ele fora humilhado, povo extremamente xenófobo, apesar dos seus pólderes, das suas tulipas, dos seus tamancos, do seu queijo Gouda, de Erasmo e o seu “Elogio da Loucura”, e van Gogh e Vermeer, e Brueghel, e Rembrandt, e Bosch...
Também Rentes de Carvalho aponta o lado frio de um povo de uma esfera superior, desprezando os tais morenos desmiolados que, se sorriem descontraidamente, são apodados de interesseiros que se insinuam para obter ajuda sem esforço.
O tal príncipe de olhos cortantemente azuis, não queria islâmicos lá na sua terra, e empreendera sozinho – ou talvez acompanhado, ainda não sabemos – a ingente e hábil tarefa de fabricar bombas a partir de toneladas de fertilizantes, sem que ninguém fosse ver nunca o que ele andava a tramar, com tanto esterco.
A minha amiga tem razão. Anders Behring Breivik, 32 anos de um norueguês sem mácula, deve estar muito desiludido.

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