terça-feira, 26 de julho de 2011

A esperança possível

- Isto a partir daqui tudo é possível – começou a minha amiga, depois de contar que mal dormiu, de horrorizada que tem andado com a história do norueguês. – A pessoa mais simpática pode ter uma mente criminosa do mais sofisticado.
Falei então em Lúcifer, o condutor de Luz, segundo a etimologia latina, o belo arcanjo que gradualmente se foi tornando a personificação do Mal, até se confundir com o Satanás, Satã, o Diabo, eufemisticamente tratado por dialho, diacho, não vá ele tecê-las, Demónio, Demo, Inimigo, que Deus nos livre…
Indiferente a esses esclarecimentos da minha vetusta embora tímida erudição, a minha amiga continuou com desembaraço:
- Este homem vivia cheio de raiva, toda a gente esperava que ele se matasse, até o pai. É o que fazem todos os fundamentalistas criados na escola do terrorismo. Matam mas morrem pela causa. Este não. Quer explicar, está contente e orgulhoso com o que fez. Já viu o que é viver com um homem destes? Ser pai ou mãe de um homem destes?
Eu achei que era sempre difícil conviver com um criminoso, e citei, entre outros mais ou menos célebres, aqueles exemplos sórdidos de incesto consciente que têm aparecido por esse mundo – de preferência na Europa Central, conquanto também nos possamos gabar de sordidezes parecidas – mas achei que o rapaz, abandonado pelo pai, deve ter acumulado ódios em quantidade comparável à dos fertilizantes que comprou para construir as suas bombas.
E para sacudir o pesadume que um tal acontecimento necessariamente pôs nos nossos espíritos já esmorecidos com os pesadumes diários, lembrei as recentes notícias sobre a possibilidade de descoberta de ouro em Portugal, que constituiria o milagre necessário para a nossa salvação presente e futura e para a redenção do nosso passado mal gerido.
Mas a minha amiga, como sempre, cortou-me a satisfação da primeira mão noticiarística:
- Há anos que estão com as máquinas a trabalhar. Mas depois pára. Pode demorar décadas a encontrar. Se fosse verdade e se houvesse ouro, era bom para o país. Ou mesmo p’rá próxima geração.
- Pois! P’ra substituir as toneladas que o Salazar nos legou e que se devem ter evaporado, mas ninguém fala nisso!
- Eu acho que o petróleo é que era bom!
- O ouro negro!
– suspirei.
O diabo é que nos lembrámos dos nossos hábitos de mândria, além de outros costumes dissidentes facilmente obtidos no fascínio do dinheiro fácil, sobre nós injectado por uma Europa camarada, que desviariam o milagre do ouro achado não para refazer ou criar estruturas nacionais tão precisas, mas para preencher mais uns bolsos pessoais, segundo os usos da nossa condição humana.
E a esperança varreu-se-nos da fantasia momentânea.

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