segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Confiteor

O que me espantou sobremaneira foram os duzentos confessionários lá postos na praça e os padres, entre os quais o Papa, disponibilizados para atender e perdoar os pecadores. Sempre me espantou o acto da confissão, desde a primeira e única que me foi imposta na vida, aos doze anos, para a primeira comunhão, sem vestido branco, como costume das aulas de moral, com as colegas da bicha atrás de mim, na galeria do lado direito na bonita Catedral de Lourenço Marques, recuando discretamente, pois a minha voz, com os nervos, inventava os pecados banais da mentira ou do incumprimento em voz audível, em vez de os bichanar em sussurros de comprometido e usual arrependimento, desculpado com o número de pai nossos e ave-marias da penitência imposta logo ali.
Julgava eu que a Igreja Católica já não fazia confissões, desde que os media se encarregaram de topar os pecados alheios e os difundir, e espantei-me com tanto confessionário na praça espanhola, que não recordava nas visitas papais cá, mas a minha amiga não se impressionou, mais sensível ao aparato do milhão de peregrinos, com os reis e príncipes discretos e educados, como sempre, e a organização impecável dos espanhóis, para uma visita de tal envergadura.
A minha amiga expunha, em gestos amplos de pasmo:
- A gente olha p’r’ali, a gente tem ali um milhão, o rei e a rainha estão ali os dois e mais a corte, tudo sem um desvio… Aquela organização! … Veja-me o tamanho daquela praça! …
Eu lembrei que onde havia rei era outra coisa, sobretudo este, do país das touradas com morte do touro na arena, ainda por cima arrastado sem glória, depois de morto, para o destino final. Um país de altivez, bem demonstrada há uns anos, quando o rei, questionadoramente, impôs silêncio ao palrador visitante venezuelano, Chavez.
A minha amiga continuou em profusão de dados, excitada:
- Mais de um milhão de pessoas! A polícia está a correr com os ateus e as “atuas”… Espanha e arredores é tudo católico. Sempre que fui a Espanha fiquei de boca aberta! E Barcelona! O avanço daquela cidade!
- Esquece-se dos nossos estádios de futebol… Também demos provas!
- Mas está tudo a ir-se abaixo!
- Nada é eterno! As civilizações desmoronam-se! E os estádios vendem-se.
Entretanto, chegou uma nossa amiga que também assistira pela televisão ao evento e debruçámo-nos sobre os grupos em quadrados, com uma cruz vermelha, que tinham intrigado a minha amiga.
Sugeri que talvez fossem da Cruz Vermelha, a nossa amiga achou que seriam acólitos do Papa, e como é muito crítica criticou os jovens deitados no chão de pernas ao léu, sem o mínimo respeito. Mas a minha amiga desculpou-os, por conta do calor que fizera.
Voltei aos confessionários. E aos discursos do Papa à juventude, cancelados pelo temporal. E à magreza do Papa, para a qual estas jornadas extenuantes devem contribuir. E ao equilíbrio que talvez tragam a um mundo de violência. E aos muitos jovens nossos que também lá foram, provando a sua seriedade e a nossa abastança.
Foi mais um evento que passou, no dia-a-dia do nosso cansaço. Ou da nossa indiferença, com que ninguém se importa.
E a continuação.

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