terça-feira, 22 de março de 2011

As histórias macabras

Hoje foi a referência a um medicamento que o seu marido toma há trinta e cinco anos para funcionamento das glândulas supra-renais – hidrocortone - que os traumas da revolução fizeram parar, necessitando desse reforço medicamentoso o qual, segundo lhe foi explicado, deixou de existir nas farmácias por ser barato, e, como o genérico substituto não produz o mesmo efeito de manter viva a pessoa, a minha indignada amiga pergunta se assim se deixa morrer os que o necessitam – e que são muitos. Eu só pude responder que, para todos os efeitos, na Líbia e outras terras a vida humana ainda era mais desprezível do ponto de vista dos chefes, e que o nosso PM o sabia, daí o seu desinteresse, revelado noutros seus gestos políticos de encerramentos, despedimentos, entretenimentos, ouvidos cerrados aos lamentos.
Ontem foi a venda de edifícios estatais que mereceu à minha amiga a designação de mais “histórias macabras”. Insistiu em que eu devia ter visto o programa na SIC, mas eu expliquei que àquela hora do Jornal teledifundido eu estaria a ver antes o programa do Dr. José Hermano Saraiva e que por isso os telejornais se me escapavam constantemente, até porque a minha idade já não me permitia sofrer tanto pesadelo do mundo, sem trauma grave.
É claro que a minha amiga não foi na conversa, atribuindo antes a preguiça mental tal indisponibilidade das minhas células cinzentas que, segundo ela já mudaram para uma cor mais alva devido à sua inactividade. Como é uma pessoa sempre em vibração com as atribulações do mundo, entende que todos devem ser como ela, pessoas indignáveis. Por isso ontem falou nas negociatas do Governo, de venda a retalho de edifícios estatais para pagar a dívida, saindo prejudicado, pois se for o Estado a alugar, futuramente, fá-lo-á por um preço altamente superior ao do aluguer ou venda, autêntica história macabra, como a dos laboratórios farmacêuticos.
- A gente pensa que é mentira e que devia vir alguém desmentir, tão brutal é tal descalabro de preços do país em saldo. Mas ninguém desmente, nem ninguém vai preso.
E foi então que eu me socorri dos meus recentes conhecimentos históricos, obtidos com as lições do Dr. José Hermano Saraiva e assim demonstrar que os saldos nacionais já são pecha antiga, e contei da compra por uma ninharia daquele espaço entre a Pena e o castelo dos Mouros, em Sintra, pelo rei consorte da nossa D. Maria II, D. Fernando de Saxe Coburgo, que, contudo - ao invés de fazer dali uma praça de touros ou um mercado de carne, peixe, ou mesmo loja de panos, para exploração capitalista, como faria qualquer um dos nossos milionários comerciantes da actualidade, com o olho do Paulino - nos favorecera com um dos mais singulares palácios do nosso património artístico, o qual até, actualmente, rende bastante, com a exploração turística.
- Vai ver que o nosso PM ainda se vai tornar num mecenas favorecedor, não digo que de artistas, que está mais virado para os artífices, mas de um qualquer espaço de beleza ou de cultura para o nosso futuro turístico. Vale bem a pena investir nos saldos da nação.
A minha amiga, ressabiada pela nossa catastrófica irresponsabilidade, tão tendenciosamente funcionando segundo vertentes de megalomania, presunção e compadrio, arranca os seus exemplos, entre muitos outros da nossa singular “mediocritas”, cujo dourado foi soterrado, num retrocesso ao período neolítico, se não mesmo da pedra lascada:
- Ora! Para o nosso presente e futuro cultural já temos o CCB e a Fundação Mário Soares, para a glória dos respectivos - não digo patronos mas beneficiários - não se precisam mais edifícios glorificadores. O que não se pode é vender o país a retalho.
- Para lhe provar que o nosso PM não é assim tão responsável por tais danos, não resisto à tentação de transcrever um texto extraído de um livro meu editado recentemente, sobre o convento de S. Domingos de Santarém, onde viveu S. Frei Gil, transformado sucessivamente, após a extinção das ordens religiosas por decreto de Joaquim António de Aguiar, em palheiro, recinto de espectáculos, praça de touros, penitenciária, até ser destruído, ocupado o espaço por empresas de rentabilidade. Verá que esse menosprezo pelo nosso património cultural nos está na massa do sangue, e portanto no sangue dos nossos condutores políticos. Ora veja:
“Também o Catálogo citado – (“S. Frei Gil de Santarém e a sua época”, editado pela Câmara Municipal de Santarém, em 1997) – apoiado em extensa documentação, não garantindo o seu – (de S. Frei Gil) – nascimento em Vouzela, desenvolve as várias temáticas em torno do Santo, integrando-o na sua época, dando conta dos vários registos escritos e iconográficos sobre o mesmo, referindo a história do Convento de S. Domingos de Santarém, em cuja igreja, ainda no século XVIII existia uma “capela de S. Frei Gil”, a sucessiva degradação do convento, iniciada por altura das vitórias liberais de 1834, com a extinção das ordens religiosas, impostas pelo ministro Joaquim António de Aguiar, sendo o convento transformado em palheiro do Comissariado, depois os seus túmulos devassados, sendo palco, a seguir, de representações dramáticas e espectáculos taurinos. Por 1850 convento e claustro são transformados numa praça de touros, em 1866 a tampa sepulcral de S. Frei Gil é levada para o Convento do Carmo em Lisboa. Dez anos depois a igreja é destruída e a pedra lavrada utilizada na construção de uma Penitenciária Distrital de Santarém. O convento servirá de tourel até à sua destruição no nosso século, por uma “medida impensada” que o substitui por edifícios de rendimento e Banco de Portugal, destruição apontada como “uma das maiores perdas patrimoniais da cidade de Santarém e do nosso país”. (Pgs. 159/160 de “O Maravilhoso Mundo das “Lendas de Santos” de Eça de Queirós”).
Assim, bem podemos sentir-nos descansados e mesmo orgulhosos da nossa química, hábil demonstração da lei de conservação da matéria, segundo Lavoisier: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.
O nosso PM está plenamente justificado.

Um comentário:

manuel mendes disse...

Boa Noite,
Tenho uma irmã que também tem uma necessidade do Hodrocortone. Estamos a lançar um movimento no sentido de impedir que o medicamento seja retirado do mercado, ou que, pelo menos, apareça um substituto equivalente.
De momento é importantíssimo que as pessoas afectadas por esta situação se juntem. Agradecia que me pusesse em contacto com a sua amiga. O meu nome é Vanda Leitão e o meu mail é vmcalais@hotmail.com.
Agradeço a atenção, esperando poder motivar o maior número de pessoas para este problema que afecta a vida de muita gente.
Obrigada