terça-feira, 26 de abril de 2011

E o povo atira-se

Eu achava de bom tom debruçarmo-nos sobre os vários discursos dos vários presidentes democratas, ia mesmo disposta a explorar o epíteto “foleiro” atribuído a Cavaco Silva por um tal fulano Lello que também aparece caracterizado na Internet como “deputado e carregador de malas de José Sócrates”, mas a minha amiga não foi nisso, por não os ter ouvido, achando que nada acrescentariam ao status, e eu fiquei frustrada, porque achara que eles tinham sido bastante palavrosos, segundo o nosso costume palavreiro e que seriam escutados com unção pelos respectivos grupos de usufruintes da palavra, incluindo as respectivas esposas e familiares, e desisti, até de desdenhar da má criação do tal carregador, que tem forçosamente que ser entroncado, para poder carregar com todo o peso da bagagem socrática.
Realmente, a minha amiga hoje vinha cheia de pruridos anti-aristocráticos, que muito me custou ouvir, até porque se não fossem esses nobres que semearam beleza e palácios ao longo da história, graças ao seu poder económico aliado ao gosto do requinte, esta Terra não seria mais que um grosseiro espojar de alarvidades, de bestialidades, de espaços ligados à nossa materialidade, tais os sítios onde se come e bebe e onde se vende o que se come e o que se bebe e outras realidades mais consentâneas com a nossa natureza de instintos que Zola apelidou de “bête humaine”, expressão bem da nossa repugnância idealista.
Foi a propósito do casamento do príncipe William. Disse ela:
- É rei? É rainha? É princesa? E o povo atira-se ao chão. Aquilo é uma afronta danada. A gente vê e nem quer acreditar. Ali é que eu acredito que é perigoso vir para a rua. Mas as ruas vão estar apinhadas. Como é que o Menino Jesus encara a realeza, ele que foi tão pobrezinho? Porquê? Porquê? Que coisa mais extraordinária!
Falei noutros casos, dos que foram punidos, o pobre do Xá da Pérsia, o pobre do Ceausescu, mas considerei que o Menino Jesus não tivera nada a ver com o sucedido, ele que era mais dos nossos lados. A minha amiga, indiferente à interrupção, prosseguiu, violenta:
- Mas a Inglaterra também está com uma crise gravíssima. Não lhes ficava tão bem pôr limites? Tanto dinheiro que há para gastar com a realeza! Tanta ostentação como a destes! Acho que é demais chegar ao século XXI e o povo a arrastar-se, a esganar-se… E dizem que são civilizados!
Suspirei também, na ânsia íntima - que estas coisas não são para divulgarmos - que uma parte daqueles rios de dinheiro desviasse o seu curso sobre nós. Oh! Como nos esganaríamos para os sorver!
Sonhos.

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